31/10/2015

Professora de Artur Nogueira com câncer de mama encara a doença com bom humor e confiança

ENTREVISTA: Raïssa descobriu a doença há um ano e não está abatida, pelo contrário: “Dizem que meu câncer veio por fatores genéticos, mas eu acho que foi uma grande chance que o universo me deu. E prefiro a minha versão”.

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Por Isadora Stentzler

Raïssa Lenz abre a porta da casa de sua mãe às pontuais 9 horas. Adiantamos em 15 minutos a conversa porque ela se sente disposta mais cedo. Depois de passar pelas sessões de quimioterapia e seguir com o tratamento à base de Tamoxifeno – que ela chama de “meu melhor amigo pelos próximos dez anos” –, os fins da tarde lhe são penosos e cansativos. “É como um reloginho. Dá 15 horas e estou fadigada.”

Sentamos nos sofás da sala e ela se adianta em contar os planos para o final de outubro. Já foram um ensaio fotográfico – exposto até hoje no shopping Iguatemi, de Campinas –, um dia de maquiagem no Hospital da Mulher Prof. Dr. José A. Pinotti, o Caism, da Unicamp, uma caminhada em Campinas, debates e ainda uma troca de experiências com médicos e pacientes no Hotel Vitória, que também deve acontecer na tarde deste sábado. “Fico surpresa com toda a força. Mas é o bom humor, o desejo de viver que é mais forte”, explica. O mês rosa é muito importante para ela, que há um ano descobriu o câncer de mama. E apesar de ter perdido os cabelos e o peso, não se mostra fragilizada. Na verdade fala que com a doença começou em um dos períodos mais importantes da vida e enche a boca para dizer que a doença foi uma “oportunidade do universo” para se tornar uma pessoa melhor.

Na quarta-feira, quando conversamos, ela exibia um belo lenço cor-de-rosa na cabeça e uma camiseta da campanha do Centro Oncológico de Campinas (COC), que combinavam com as unhas, também rosas. Não estava abatida, pelo contrário. Manteve a conversa em um tom alegre, rindo e movimentando as mãos a maioria do tempo, como uma forma de transformar em gestos suas palavras.

O preparo da pedagoga lhe ajudou quando a doença foi diagnosticada. Muito espiritual, Raïssa também fala que que a vida a preparou para este momento e que nada aconteceu por acaso.

O ponto de partida para esse preparo teria acontecido há 12 anos, quando a mãe fora diagnosticada com câncer de mama. Na época, Raïssa tinha 30 anos e a notícia lhe foi um baque. O impacto só não foi maior porque a progenitora, dona Terezinha, lidou de uma forma madura com a doença e demonstrou que a superação era possível. “Mesmo tendo acontecido um caso próximo, eu nunca fiquei com isso na cabeça, embora fizesse os meus exames de rotina.”

Anos depois Raïssa se tornou voluntária no Hospital Boldrini, em Campinas, e entrou em contato com diversas pessoas que tinham a doença. Era intrigante para ela ver crianças de meses de vida presas a uma maca acometidas pela doença. Isso a fazia se perguntar: “Por quê?” Apesar disso, ela também pode conhecer como funcionava o tratamento e ver pessoas abandonando os quartos para voltarem às suas casas. A imagem do câncer que Raïssa criava nesses períodos não era algo tão cruel. Não era um tabu, “aquela doença” ou “C.A.”, mas algo com nome e tratamento.

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Em uma terça-feira de julho de 2014, enquanto estava no Boldrini, Raïssa recebeu a notícia que culminaria também com o descobrimento da própria doença: uma amiga do voluntariado havia sido diagnosticada com câncer de mama. “Isso mexeu muito comigo. Por que a gente tem na cabeça: Como assim? Minha amiga querida! A Márcia Bertoni, minha amiga irmã? Iluminada! Boa! Do bem! Como se isso fosse uma prerrogativa para não ter, né. E não é! Os dados mostram que a incidência é grande. Porque o câncer é uma doença multifatorial. Sedentarismo, obesidade, alimentação ou fatores genéticos podem desencadear a doença. Por isso é difícil você identificar a causa, porque são muitos fatores. Eu li em um livro que a cada 60 segundos uma mulher é diagnosticada e a cada 68 segundos uma mulher vai a óbito. Por isso prevenção para mim é uma palavra de ordem.”

Nesse período Raïssa vinha sentindo uma fadiga forte. Apesar da mensagem do corpo, não se importou com a sensação, pois bem poderia ser parte da intensidade do trabalho.

Elétrica, as atividades na escola nunca a fizeram parar, por isso se sentir cansada era parte da rotina.

Foi aí que duas situações curiosas lhe abriram os olhos. Sentada no sofá da casa após o trabalho, a mascote da casa, a cadelinha Chiquinha, subiu no colo e afagou a cabeça no peito direito de Raïssa. A cadela, que era proibida de entrar em casa, nunca havia agido com tamanha ousadia. E mesmo Raïssa a colocando no chão ou a deitando no colo, ela voltava a se afagar na mama direita. Aquilo foi entendido com uma rebeldia por parte do animal, e por ali ficou.

Tempos depois viria a segunda situação e mais importante para Raïssa neste contexto. No meio de uma noite de agosto ela sonhou que alguém a chamou na cama. Ela então acordou estarrecida e percebeu sua mão sob o peito direito. É claro que ela não deitara assim e aquela não era, de longe, uma posição confortável. A inquietude da noite e as coisas que se sucederam na sua vida a fizeram, no dia seguinte, pedir uma mamografia.

Ao conversar com a ginecologista e fazer o autoexame nas mamas, nada foi encontrado, por isso a médica solicitou uma mamografia. Feito, nada foi encontrado de novo, mas a inquietude da pedagoga lhe fez ser exigente e pedir uma ultrassonografia da mama. “Creio que o sonho foi providência divina [Deus] cuidando de mim. Em nenhum momento me senti sozinha. Nós mulheres temos essa coisa da intuição que devemos colocar em funcionamento para a nossa saúde. Por isso eu falo: Na dúvida, cheque. E digo mais: Não fiquem apenas na mamografia. Minha médica disse: ‘Parece que você quer achar algo’. Respondi: ‘Não é que quero achar, eu sinto que tem alguma coisa diferente comigo’. E no ultrassom de mama saiu uma anomalia, fomos para a biópsia e foi diagnosticado: Carcinoma nível três.”

Era 9 de setembro de 2014 quando leu a expressão técnica e complexa no documento. Imediatamente, Raïssa ligou para seu psicanalista, o professor doutor Ivan Roberto Capelatto, um pai para o momento e alguém que compreendia o dilema, a quem poderia compartilhar com racionalidade a notícia. “Ele me acolheu imediatamente no consultório e disse: ‘Raíssa, bem-vinda ao clube’. A gente desnudou o câncer naquele momento. Ele me fortaleceu.” Essa assessoria somada a experiência assistida da mãe e também da amiga, deram forças a Raïssa. O trabalho do Boldrini se tornara fundamental naquele momento. Por isso nunca caiu no egoísmo de se perguntar: “Por que eu?” Pois ela sabia que muitos e muitas eram como ela e ela não estava acima de ninguém nessa luta.

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Com a doença diagnosticada, Raïssa pediu dois meses aos médicos, “por sua conta e risco”, para organizar as atividades. Ela estava ciente que entraria em uma série de atividades e exames que não confeririam o luxo de ter a mesma rotina. Por isso esses dois meses eram para se organizar no trabalho e também em casa. Assim a cirurgia para a retirada do nódulo fora agendada para 1 de dezembro de 2014.

“Fui pensar na cirurgia quando cheguei no hospital”, conta sobre a tranquilidade e confiança que manteve desde o diagnostico até aquele momento – uma consequência da maneira humana que o mastologista professor doutor Cesar Cabello dos Santos e equipe assistiram-na durante todo o processo. A operação retiraria as duas mamas devido à agressividade do tipo de câncer, que apesar de estar só no peito direito poderia migrar para o esquerdo. Em seguida uma prótese seria colocada no lugar e Raïssa não se veria sem as mamas. Ao despertar da cirurgia, ela fala que uma sensação estranha lhe acometeu. Boa parte devido ao corpo estranho, mas que com as informações das enfermeiras logo fora naturalizado.

Em janeiro daria início as sessões de quimioterapia vermelha, mais pesada e dolorida para o corpo.

O papel desse tratamento é eliminar as células cancerígenas que formam o tumor. Porém, os medicamentos utilizados não são capazes de diferenciar as células malignas das células normais e por isso o tratamento atinge tanto as células sadias quanto as tumorosas. Esse processo debilita o paciente que fica com a imunidade baixa e causa alguns vários colaterais.

Também é normal durante esse período o paciente sentir ardores no corpo, formigamento, lesões na boca, dores musculares, insônia, mudanças no sistema nervoso, náuseas, vômitos, constipação, diarreia e a comum queda de cabelos.

Os de Raïssa se foram em fevereiro deste ano. “O impacto é muito ruim. No 14º dia da quimioterapia, em uma matemática impressionante, quando me levantei olhei no travesseiro: Caíram meus cabelos. Fui em uma cabelereira amiga e pedi para ela cortar. Quando ela foi passar a maquininha eu não quis me ver. Mas ao terminar eu olhei no espelho e não me reconheci. Sabe o procurando Wally, mas não tão engraçado? Falei: ‘Nossa! Quem é esse ser na minha frente?’ Foi mais que chorar. O cabelo tem a ver com a identidade… E aí você consegue ver a ideia da impotência. Poxa, eu não queria ficar careca, ninguém quer. Mas era mais um processo importante desta fase que a gente chama de travessia.”

Raïssa ganhou um apelido novo nesse processo, o de “Sequinha”, carinhosamente dado pela tia Marlene Lück e o tio Roberto Lück, que a adotaram na casa que têm em Campinas para fazer todo o tratamento com maior tranquilidade – onde está até agora. Falar do carinho recebido por estes tios é algo que a emociona, pois viu a bondade deles para com ela, quando buscava forças que já não tinha.

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Todo o tratamento da pedagoga foi feito no Hospital da Mulher Prof. Dr. José A. Pinotti, o Caism, da Unicamp. Para se tornar mais significativa nas vezes que foi até lá, Raïssa não se fechava no seu mundo e seus problemas, mas conversava, compartilhando com outras mulheres os aprendizados do câncer de mama. Por isso ela não vê e em nenhum momento se refere à doença de uma forma negativa. O sorriso é constante e se orgulha de ter passado por isso. “Qual experiência que isso me deixou? Primeiro, me trouxe serenidade, me ensinou a lidar com a impotência, foi um encontro com minhas limitações. O que foi importantíssimo! Porque nesse momento você se recolhe e consegue fazer aquela faxina interior que é importante. Reorganizar as prioridades da vida e parar de se importar com coisas que não levam a nada. Para mim o carcinoma foi uma oportunidade para ser um ser humano melhor, no mínimo. Eu ainda acredito que vou descobrir outras coisas boas deste desafio. E eu chamo de desafio, não de problema.”

Muitas são as palavras de ordem que Raïssa aponta como tendo ficado desse ciclo. Mas a principal delas é “Gratidão”. Gratidão, inclusive, pelas orações e preces que recebeu de amigos e os amigos e amigas novas que fez.

Aos que passam pela mesma situação do câncer de mama, ela deixa um incentivo: “Confiem. Tenham fé. Não se tranquem, não se façam de vítima! O carcinoma tem tratamento. Me preocupam os “carcinomas” da vida que não têm tratamento. Têm muitos cânceres que não tem tratamento. Que não têm quimioterapia. Mas esse, o de mama, o de útero, o de ovário, tem tratamento. Então celebre! Vá abraçar o tratamento. Tem efeito colateral, mas vai passar. É um período que pode ser muito produtivo. A Raïssa de 2015, pós diagnostico, é uma mulher muito mais feliz. Dizem que meu câncer veio por fatores genéticos, mas eu acho que foi uma grande chance que o universo me deu. E prefiro a minha versão”.

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