02/04/2017

Professora de Artur Nogueira encontra criança para quem doou medula há dois anos

Roberta Sia Marsola conta como teve a vida transformada após o transplante e o que sentiu quando conheceu seu novo filho

Alysson Huf

“Ele é meu filho”, afirma Roberta Sia Marsola com os olhos marejados. Dois anos após doar medula para uma criança cuja identidade ela desconhecia, a professora de Artur Nogueira finalmente descobriu quem foi o garoto beneficiado com o transplante: Keven Gabriel Rocha Morais, que hoje tem seis anos de idade e vive num sítio de Ipiranga, interior do Paraná.

Desde que conseguiu o número de telefone da mãe de Keven, Roberta conversa com o garoto e com seus familiares todos os dias. “Eu ganhei uma família no Paraná”, comemora a professora, que leciona Geografia para adolescentes da Escola Estadual Professor Armando Falcone, no Jardim Sacilotto I. Ela afirma que ainda não encontrou pessoalmente a família, mas a viagem já está marcada para julho.

Apesar de a doação ter salvo a vida de Keven, Roberta não se deixa envaidecer pelo gesto. “Você vê a dor daquelas crianças, a luta daquelas famílias por anos e anos atrás de um doador, passando pela quimioterapia. O ato da gente é pequeno, é irrisório”, reflete. Ainda assim, ela se sente abençoada por ter contribuído com a vida de Keven. “Quem passa por um processo de transplante sai melhor, sai transformado. A gente passa a dar mais valor em coisas pequenas, em coisas mais simples’, comenta.

Dois anos após a entrevista ao Portal Nogueirense, em que narrou a emocionante jornada para salvar uma criança desconhecida, Roberta revela o que mudou em sua vida depois do transplante e como conseguiu encontrar o garoto para quem fez a doação. Ela também fala sobre os medos que impedem muitas pessoas de realizarem a doação de medula e como esse gesto altera as perspectivas existenciais do próprio doador. Confira:

robertasiamarsola (7)-1490987365

Agora em abril, o transplante que você realizou completa dois anos. Nesse tempo, o que mudou em sua vida? A sensação que eu tive desde o dia em que me ligaram foi de gratidão. Eu me senti especial porque, em um milhão, eu fui a escolhida. Dizem que ser 100% compatível com alguém para doar medula é mais difícil do que ganhar na loteria. E quem passa por um processo de transplante sai melhor, sai transformado. A gente passa a dar mais valor em coisas pequenas, em coisas mais simples. E tem também o fato de todo o processo do transplante ter sido feito dentro do Hospital do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac), em São Paulo. Eu falo que se uma pessoa passasse meia hora do dia dela, ou meia hora na vida, dentro de um hospital que trata só de crianças com câncer, certamente ela passaria a ver a vida com outros olhos.


“Doar é achar um novo sentido para a nossa vida”


O que sentiu quando chegou no hospital? Eu tive uma sensação de impotência. E o meu ato, perto do que a gente vê, foi para mim uma coisa tão pequena. Eu gostaria de ter feito mais, eu gostaria de poder fazer mais. Então você vê a dor daquelas crianças, a luta daquelas famílias por anos e anos atrás de um doador, passando pela quimioterapia. O ato da gente é pequeno, é irrisório. Então eu saí do hospital me sentindo muito melhor. As pessoas falam da dor. “E a dor?”. As pessoas morrem de medo de dor. Eu falo que dá até vergonha de falar em dor, de pensar em dor. Isso é uma coisa mínima perto das lutas que essas crianças travam. E isso mexe muito mais comigo porque eu sou mãe. Então eu sinto que ainda fiz pouco. Eu queria ter feito mais. Queria doar novamente. Esses dias, conversando com a mãe do menino por telefone, eu disse a ela que tenho esperança de ser chamada de novo. Então para mim foi uma experiência muito boa, mas eu acho que eu poderia fazer mais, que eu deveria fazer mais. E muita gente fala em anjos doadores. E eu falo: “Não gente, não tem nada de anjo, eu tenho um monte de defeitos, eu sou humana”. No meu ponto de vista, eu só fiz uma coisa que todo mundo deveria fazer, que é ajudar ao próximo no que puder, e em vida. Eu acho que em vida é melhor ainda. Minha família já sabe da minha intenção de doar meus órgãos quando eu morrer, mas doar para alguém em vida é muito melhor. Quando você doa para alguém, seja uma cesta básica, um agasalho, o benefício é para a gente também, para quem doa. E às vezes é maior ainda. Um rapaz que precisa de doação me pediu para escrever na página dele um depoimento para conscientizar mais pessoas. E eu falei que doar é achar um novo sentido para a nossa vida. Quando se doa, você descobre que sua vida tem um porquê, um sentido a mais. “Eu estou aqui até agora porque eu tinha algo a mais para fazer por alguém”. Então a doação dá um novo sentido para a vida do doador.

robertasiamarsola (6)-1490987363

Quando você fez a doação, não sabia a identidade do beneficiado. Você descobriu quem era a criança? Sim, ele se chama Keven, é do Paraná, de uma cidade chamada Ipiranga. Agora ele está com seis anos. Conversei com a mãe, com as tias, com primos, com a família toda. Eu ganhei uma família no Paraná. E ele fala que tem agora mais uma mãe. Para mim foi uma delícia ouvir isso. A mãe dele me conta: “Olha, agora ele fala ‘ah, a minha mãe lá de São Paulo’”. E eu falo para a mãe dele: “Não vai ficar com ciúmes” (risos). E ela responde: “De jeito nenhum”. Para todo mundo que eu mostro a foto dele, eu digo: “Gente, ele não é a minha cara?”. E claro que não é. Mas ele é muito lindo, uma graça. Eu falo que nós somos 100% compatíveis, como que nós não somos iguais? Então, para mim, é um filho que eu tenho. E em breve irei para lá conhece-lo. Já está combinado. Vamos para lá em julho, nas férias. Agora, por questão de trabalho, não dá para eu ir. E eu também não quero ir lá num dia e voltar no outro. Quero ficar alguns dias para curtir a família, para conhecer a região. Eu falo com a família diariamente. Essa semana mesmo a vó quis conversar comigo, pois eu não tinha conversado com ela ainda. Ela queria me agradecer. E eu fico até sem jeito. Agradecer do quê? Como eu disse, para mim, o meu ato foi uma coisa muito pequena. Por mais que represente muito para eles, eu falo que eles não têm o que agradecer, não têm que agradecer nada. É uma coisa tão pequena. Foi um incômodo passageiro. Mas é uma sensação muito boa você ter ajudado alguém, uma família bacana, uma criança, foi muito gostoso. A melhor notícia que tive foi a de que ele estava bem. A primeira coisa que falei para a mãe dele no telefone foi “como ele está? Antes de eu conversar com você, eu quero saber como que a criança está”. E ela respondeu que ele estava bem, que a recuperação foi ótima, um sucesso. Então, para mim, já valeu a pena tudo o que passou.  Meu prêmio foi esse. Mesmo que a família não quisesse me conhecer, só por saber que ele está bem, que ele tem uma vida normal, que ele vai para a escola, que ele brinca, que ele não precisa usar máscaras, isso é tudo o que eu preciso saber. Então, depois que eu fiquei sabendo disso, daí eu consegui conversar com a mãe dele, e fui saber que ela era.


“Meu ato foi uma coisa muito pequena. Por mais que represente muito para eles, eu falo que eles não têm o que agradecer”


E como você o encontrou? Foi tudo feito pela central de transplantes, a Redome, que fica no Rio de Janeiro. Um ano e meio após o transplante, uma das partes entra em contato com a central manifestando o desejo de conhecer o outro lado. Tem esse prazo porque a criança (no meu caso foi uma criança) precisa tomar uma medicação. Ele ficou um mês em isolamento, ficou quatro meses em Curitiba para só depois ir para a cidade dele. Daí ele tomou uma medicação para não dar reação durante um ano. Então há esse prazo para saber se o paciente vai reagir bem ao transplante ou não. E só depois de um ano e meio que a gente pode ter contato. Então, depois que eu entrei em contato com a central, eles entraram em contato com os médicos e a família. Eu tenho que assinar um termo, a família também. Os médicos fizeram um laudo. Daí a central me ligou e me passou o contato da família. Num primeiro momento, eu tive medo de ligar. Porque eu ficava me indagando se a criança estaria bem. Por mais que o meu coração falasse que ele estava bem, e meu coração sempre disse isso, eu não deixei de pensar nessa criança um dia, mas eu tive receio. Ligo ou não ligo? Eu vi muitos casos em que o transplante não deu certo, em que houve rejeição ou em que o paciente acaba tendo uma vida muito limitada. E eu fiquei com medo disso. Eu não estava pronta para ouvir que ele não estava bem. Mas eu liguei, e ele estava bem. A mãe dele até me contou que os médicos ficaram admirados de não ter havido nenhuma reação. Nenhuma. E o pós-transplante costuma dar alguma complicação, isso é normal, mas ele não teve nada. E para mim, isso foi mais um presente.

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Agora que você o conhece, quem é o Keven para você? Ele é meu filho, ele é como um filho. Ele adora super-heróis, ele adora ir para a escola. Ele começou a ir para a escola em agosto do ano passado, porque até então não podia. Agora ele está no primeiro ano. É sapeca, brinca muito, num primeiro momento é tímido, mas depois se solta. Muito amoroso, ele é superamoroso. E é uma criança normal, vive num sítio em Ipiranga, então leva aquela vida bem de criança mesmo, bem de pé no chão, de brincadeira de verdade. E até nisso a gente se identificou bastante. Eu também moro em chácara, e nós temos gostos muito parecidos. É uma criança de verdade, como eu falo, uma criança que brinca e que, agora, está curtindo coisas que antes não podia. Ele está comendo coisas que antes não podia. Ele não podia nem brincar direito, tinha que usar máscara, tinha que tomar remédio todo dia, e hoje ele não tem mais nada disso, é uma criança feliz. E saber que eu ajudei nesse processo é muito bom. E, como eu falo, o mérito maior é dos pais, que passaram todos esses anos com ele doente, procurando um doador. Eles são muito fortes, muito guerreiros. E a minha parte nisso foi pequena, uma pequena ajuda, só. Isso é um prêmio para a gente.


“Não deixe para ajudar os outros apenas quando aparecer um caso na família”


Que mensagem você deixa para as pessoas que pensam em ser doadoras? Em primeiro lugar, não deixe para ajudar os outros apenas quando aparecer um caso na família. A gente vê muito isso. As pessoas se cadastram depois que, por exemplo, o filho precisou. Daí a família inteira foi se cadastrar. Não espere esse momento. Ajude sem você precisar. Eu estou numa posição de doadora e, se um dia meu filho precisar, espero que alguém também tenha esse gesto. Não espere o problema aparecer. E, como eu disse, a doação é achar um novo motivo para a vida da gente. O doador encontra um novo motivo para viver. Ele percebe que não está aqui à toa.

robertasiamarsola (3)-1490987356

Relembre

A professora de Artur Nogueira que enfrentou uma verdadeira maratona para salvar criança desconhecida

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