13/08/2017

O cabeleireiro de Artur Nogueira que inspirou os seis filhos a seguir o ofício

DIA DOS PAIS: Conheça José Vicente Pereira, um dos mais antigos e respeitados cabeleireiros da cidade

Alysson Huf

Educar, proteger e inspirar – as três grandes virtudes de um pai. Tão simples e necessárias quanto raras. Estima-se que cerca de 20 milhões de mulheres cuidem sozinhas de seus filhos, e isso apenas no Brasil. Infelizmente, para milhões de homens, a paternidade não é mais do que um embaraçoso acidente de percurso. E aqueles que assumem sua responsabilidade, nem sempre a honram. Basta pesquisar rapidamente os casos de abuso e maus-tratos a crianças para se ter uma noção de quão carente o país está de bons pais.

As grandes vítimas dessa escassez são, sem sombra de dúvida, os filhos.

Em Artur Nogueira não é diferente. Centenas, se não milhares, de mães criam seus filhos sem poder contar com a outra metade responsável pela criança. Você deve conhecer algum ou muitos exemplos. No entanto, o Portal Nogueirense entrou em contato com um senhor de 74 anos muito simpático na última semana. Um homem que inspirou os seis filhos a tal ponto que todos escolheram seguir o mesmo ofício que ele.

Uma história que vale ser contada neste Dia dos Pais.

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José Vicente Pereira é um dos cabeleireiros mais antigos de Artur Nogueira. Chegou à cidade há 44 anos, quando a maior parte da atual área urbana do município ainda era rural. “Só tinha mato, para todo lado”, resume o mineiro, natural de Andradas (MG), enquanto faz alguns movimentos da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Criado na roça, acostumado a carpir plantações de café e tirar leite de vacas e cabras, José era um jovem esperto e esforçado. Caminhava muitos quilômetros para trabalhar e costumava trazer boas ideias para melhorar a vida da família, que passava por dificuldades financeiras vez ou outra. E foi graças a sua percepção aguçada que decidiu tornar-se um cabeleireiro, uma escolha que moldaria toda a sua vida dali em diante.

Certo dia, trabalhando no sítio, notou que todos os jovens, como ele, tinham muito cabelo. Como a cidade ficava longe demais para ser visitada com frequência, as idas ao salão só aconteciam a cada tantos meses. E já que ninguém na região praticava o ofício, o jeito era deixar a cabeleira crescer até incomodar demais, e daí gastar dinheiro com o barbeiro.

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Como dinheiro era o que faltava, e o trabalho na roça não rendia o suficiente, viu que essa era uma boa oportunidade. Iria melhorar a renda da família como cabeleireiro.

Conseguiu negociar um pente e uma tesoura com um conhecido e logo iniciou a cortar o cabelo dos amigos. Não era um profissional, mas era bom o bastante para conquistar uma clientela grande. As mães dos sítios próximos adoraram a ideia, a mandavam seus filhos até ele para dar um jeito no cabelo.

Apesar da experiência adquirida, Pereira precisava de mais conhecimento, o que não era fácil de conseguir quando não havia internet e a TV era um artigo de luxo. “Hoje você aprende vendo televisão, mas não naquele tempo”, comenta com mais alguns sinais. Por isso, foi morar na cidade, estudou em Campinas (SP) e, após algum tempo, decidiu residir em Artur Nogueira.

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Encontrar pessoas que entendessem de cabelo como ele era raro. Trabalhou muito tempo sozinho no salão, atendendo até 40 pessoas por dia. Por isso, decidiu ensinar o ofício a outras pessoas, que se tornaram seus companheiros de trabalho e, posteriormente, também abriram seus próprios salões. Até que que resolveu ensinar os filhos.

José era um homem paciente, que atendia muito bem os clientes e tratava os filhos com afeto exemplar. As crianças logo aprenderam isso com o pai e, quando atingiram idade suficiente, foram ensinados a cortar cabelo e fazer barbas.

“O mais velho, não dava a altura da cadeira e já queria começar a trabalhar”, relembra fazendo mais alguns gestos de Libras. Com muita conversa, muita paciência, o pai transmitiu todo seu conhecimento aos seis descendentes. “Família precisa de paciência e amor. Se eles faziam alguma coisa errada, eu corrigia, mas com amor”.

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Jefferson Pereira tem hoje 42 anos e um salão na Rua XV de Novembro, mas realizou seu primeiro corte de cabelo aos 13. Acompanhou o pai desde muito pequeno, sempre querendo desenvolver a mesma habilidade. José, o pai, levou Jefferson a um asilo e o ensinou a cortar cabelo com os velhinhos do local. “Foi uma excelente escola”, afirma o filho.

O problema de audição do pai foi notado por Jefferson aos oito anos de idade, quando o observava atender os clientes do salão. Um problema que deixou José quase completamente surdo. Aprendeu Libras e consegue falar normalmente. Por isso, além de pronunciar as palavras enquanto conversa, acompanha o diálogo com gestos, como se estivesse traduzindo a si mesmo para um surdo.

Apesar de praticamente não ouvir, fala muito bem. Gosta de contar histórias e sempre foi de conversar muito, de ser muito simpático – um dos motivos pelos quais conquistou tantos clientes ao longo da vida. A simpatia e o bom humor, aliás, são duas das virtudes mais mencionadas pelos filhos, junto com a paciência e a dedicação.

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Por esse motivo, o pai conseguiu ser uma inspiração para os filhos. “Ele é um exemplo de vida, é admirável. Ainda mais sendo surdo. Você vê aS pessoas que têm deficiência… ele poderia ser revoltado, estressado, mas não, ele tem um grande caráter”, comenta Jefferson, sendo observado pelos olhos atentos e profundos do pai, que leem seus lábios e emanam uma espécie de orgulho e carinho pelo filho.

Anderson Pereira tem 34 anos e, dos filhos homens, é o caçula. Trabalha junto com Jefferson no salão, em Artur Nogueira. Já cortava cabelos aos nove anos de idade e aprendeu muita coisa apenas de olhar a família trabalhando. Aos 11 iniciou o ofício para valer, ajudando o pai no salão numa época em que este padecia com uma doença na próstata.

José sentia dores muito fortes e mal podia ficar de pé. Apesar disso, seguia trabalhando o dia todo, engolindo a dor para poder sustentar a família. Quando a dor era insuportável, fazia uma pequena pausa, lavava o rosto num tanque com água e voltava a atender os clientes, sempre muito atencioso e educado.

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“Foi uma fase muito complicada. E isso me motivou a querer aprende ainda mais rápido, para poder ajudar ele no serviço”, conta Anderson, com a voz embargada e os olhos marejados. Ele olha para o chão, respira tentando segurar a emoção, e vira-se para o pai com um sorriso. “A gente trabalhava atrás da antiga sede dos Correios naquele tempo, lembra pai?”, indaga em voz alta.

José tem seis filhos, três homens e três mulheres, e todos trabalham com salões de cabeleireiros na região. Apesar da surdez e da idade, ele mantém o vigor e a lucidez. Por isso, de vez em quando, ainda atende em casa antigos e fiéis clientes da saudosa Barbearia Pereiras, uma das pioneiras da cidade.

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