05/09/2015

Nogueirenses viajam mais de 9 mil quilômetros de moto pela América Latina

ENTREVISTA: Motociclistas narram viagem realizada pelo grupo “5 almas” entre 6 e 22 de agosto.

Por Isadora Stentzler

Às 5 horas do dia 6 de agosto já estava tudo pronto para a viagem. As motos tinham gasolina o suficiente e as malas bem fechadas, encaixavam-se nos veículos. O destino era Cusco, Peru, e de lá, só Deus sabe para onde iriam. O ponto de partida era o estúdio do fotógrafo Norival Esperança, no centro de Artur Nogueira. Os seis motoqueiros se preparavam para passar 16 dias na estrada e suportar temperaturas negativas em nome da aventura.

A viagem havia sido planejada há dois anos, após Antônio Aeck assistir um filme e dele propor a ida à Cusco. Não houve pestanejo no grupo que já estava acostumado a encarar a estrada sob duas rodas.

Saíram naquela madrugada o advogado Marcos Capelini (47 anos), o programador Antônio Aeck (53), o cinegrafista Nivaldo Esperança (52), o fotógrafo Norival Esperança (50), o torneiro mecânico Diogo Bombo Gabriel (24) e Ari – que desistiu no segundo dia por um “mal pressentimento” –, os ‘cinco almas’. Diogo foi muito animado, seria a primeira longa viagem dele de moto para fora do país e por isso levou bagagem a mais que os outros não contaram – chave de fenda, “enforca gato” e outros utensílios depois usados pelos lobos de estrada. As diferenças de idade e temperamento quase nem eram perceptíveis quando todos montaram em suas motos. Despediram-se das famílias e partiram. O primeiro destino seria Cuiabá, Mato Grosso, onde descansariam para depois seguir viagem.

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Diogo Bombo Gabriel. Foto: Norton Rocha.

Foram 600 quilômetros rodados até lá. A primeira noite passaram em uma pousada – regra para os outros dias também. Era só o primeiro dia de viagem.

Diferente das outras vezes, Marcos levou um notebook antigo, com mais resistência, para se conectar com a rede e avisar a família como estavam. Nivaldo Esperança, antes de dormir, permitia-se com isso ouvir a filha dizer: “Pai, boa noite. Tenha lindos sonhos. Eu te amo. A bênção!”. E dormir em paz.

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Nivaldo Esperança. Foto: Norton Rocha.

Nos dias de viagem criaram um ritual: sair depois do café da manhã e rodar até o meio-dia – quando houvesse algum lugar para parar e comer – e encontrar um local para dormir à noite. Os viajantes não eram turistas quaisquer, eram amigos que curtiam a viagem na estrada e no asfalto.

Da saída de Cuiabá foram para Porto Velho, Acre e enfim Peru.

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Nas estradas do Norte do país, buracos. E as motos precisavam entrar na contramão algumas vezes para manter o ritmo no asfalto. O Google maps no celular, também causou imprevistos, os enviando para caminhos de terra e rotas intrafegáveis. Nessas, anjos de estrada com boas informações salvaram mais que uma vez os motoqueiros.

Foi no quarto dia de viajem que chegaram na divisa. Marcos, com maçãs e peras na mochila, foi parado na alfândega e teve de descartar as frutas. “Não quis dividir com a gente e ficou sem”, brinca Nivaldo. “Não teve essa história de não quis dividir”, retruca Marcos, lembrando da cena. Mas as frutas do Brasil, ficaram no Brasil.

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Marcos Capelini. Foto: Norton Rocha.

A temperatura já havia caído bastante ao chegarem no outro país e era preciso mais de uma blusa por baixo da jaqueta para se manter aquecido.

Com mais de 4 mil quilômetros rodados desde Artur Nogueira, chegaram a Puerto Maldonado. De lá nem imaginavam que cairiam em um grupo de nativos do Peru: os Marcapatas –  que fica em um dos 12 distritos da província de Quispicanchi situada na região de Cusco.

Por sorte, os cinco que seguiram viagem chegaram na semana em que os nativos realizavam uma festa local. A aldeia cerca de 3 mil habitantes e casas cobertas com palha. A imagem era bonita para ser admirada. Para suportar o frio, os nativos deram aos viajantes chá e folhas de coca. O que não era suficiente nas temperaturas negativas.

(1187)MARCAPATA-PERU no meio da cordilheira

Durante a festa, à noite, os nativos compartilhavam uma bebida de teor alcoólico. Nenhum dos cinco bebeu, mas viu o quanto aquilo mexia com os Marcapatas. “A festa deles era tipo o bloco da Vaca, mas sem a Vaca”, descreveu Marcos. “Eu fui lá pular também”, completou Norival. “Todo mundo se empurrava, se batia. Era divertido.”

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Norival Esperança. Foto: Norton Rocha.

Naquela noite dois dormiram em um quarto, dois em outro e Marcos, sozinho. Nivaldo conta que passou a noite tremendo. Primeiro confundiu a tremedeira do corpo com a tremedeira do lugar. “Pensei que fosse um terremoto. Depois vi que era meu corpo. Mas não era só frio. Achei que fosse a folha de coca. Ainda não tenho certeza.”

Na manhã seguinte o grupo enfrentaria o pior frio da viagem, com temperaturas negativas. Na estrada a sensação era de que o vento cortava o corpo. Nem os chás quentes das paradas ajudavam por muito. Antônio chegou a beber um caldo quente. O que para Marcos dois copos foram motivos de enjoo, para Antônio nem de acalento serviu.

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Antônio Aeck. Foto: Norton Rocha.

Cedo, despediram-se dos nativos e seguiram rumo a Cusco. Na cidade turística conseguiram uma pousada pelo valor de R$ 40 – a pechincha lhes pareceu estranha, uma vez que o local ficava em boa localização. Como estava barato pegaram para dois dias cada. Só a noite descobriram que o local não tinha água. “Era normal ficar um ou dois dias sem banho. Estava muito frio, não dava para aguentar”, conta Norival.

Em Cusco visitaram alguns montes e pelo fato de andarem todos de moto, alguns turistas os procuravam para tirar fotos com eles ou conversar. Era curioso um grupo de motoqueiros viajando pela América Latina.

Tentaram ainda uma visita a Machu Pichu, mas os valores altos e o tempo de espera não compensava a eles que queriam voltar à estrada.

(1525)VALLE DE LA LUNA-SAN PEDRO DE ATACAMA-CHILE

De Cusco seguiram rumo ao Chile. Já era o 6º dia longe de casa.

As paisagens se faziam cada vez mais desertas e problemas como falta de combustível começavam a surgir. Desde que entraram no Peru as motos só eram abastecidas por galões, e não como no Brasil, em bombas de posto. Além disso havia o medo que o vento forte os derrubassem das motos.

(1479)DESERTO DO ATACAMA-CHILE

O medo se tornou real ao entrar no Chile. Duas das motos estavam praticamente sem combustível. No meio do caminho, em um trecho aparentemente vazio, encontraram um trailer de lanche. Para a surpresa dos ‘5 Almas’ a venda era de um brasileiro. Ali pediram algumas informações e descobriram o caminho mais próximo para conseguir gasolina. Conforme aconselhados, seguiram para o distrito de Maria Helena.

Nesta pequena cidade conseguiram combustível em um lugar que Marcos chama de “Mad Max”. “Era uma coisa enorme. Achava que a qualquer minuto sairia alguém de botas e uma arma. Era o Mad Max!”

A cidade pequena não ofereceu nenhuma pousada. Após abastecerem, voltaram ao trailer do brasileiro, comeram e seguiram viagem. Chegaram a Arica, Chile.

(1570)SAN PEDRO DE ATACAMA-CHILE

Foram mais sete dias na estrada até a chegada em Artur Nogueira. Desde o dia 6 até o 22 de agosto, 9.440 quilômetros rodados. R$ 3,4 mil gastos cada. Nesse período passaram ainda por San Pedro de Atacama, Jujuy, Sainz Pena, Corrientes e Foz do Iguaçu – onde ficaram na casa de um amigo, Fábio Aranha. Viram o oceano pacífico, o deserto do Atacama, o lago Titicaca. Pagaram caro para comer pouco. Sentiram frio. Sentiram a neve. Sentiram saudade. Viram pobreza e grandes latifúndios. Mas quando chegaram, no dia 22 de agosto, queriam tudo de novo. “Eu amo viajar, amo voltar, mas quando volto, tenho vontade de voltar pra lá, pra estrada”, diz Norival.

Diogo, que fez a primeira viagem para fora e de moto, não hexita: “Eu quero viajar mais. É uma experiência fantástica.”

Por isso o nome cinco almas se orna aos espíritos aventureiros dos motoqueiros. Uma forma de garantir que sempre estarão na pista.

(1438) ARICA-CHILE oceano pacifico


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