25/04/2018

Nogueirense lança livro em parceria com Governo do Estado

Projeto de Carina Bentlin dá vida aos antigos carnavais do interior paulista

Leonardo Saimon

Carina Bentlin nasceu e se criou em Artur Nogueira. O município ‘Berço da Amizade’ viu sua filha galgar uma trajetória dedicada à conservação da cultura e valorização da arte como forma de manifestação cultural. Ela se diz fascinada pelas histórias e memórias que cada indivíduo carrega consigo. “Cada pessoa é um universo muito particular e, dentro desse universo particular, se descobrem coisas que são comuns a todos os outros”, observa a jornalista. Toda essa sensibilidade se traduz nos trabalhos que Carina desenvolveu.

Em sua carreira, produziu doze documentários. Grande parte deles foi voltada à memória e a histórias de vida. Sem contar os três livros que escreveu com temáticas semelhantes. A escritora comandou a Pasta de Cultura do município de Cosmópolis (SP), onde criou e desenvolveu projetos culturais para grupos artísticos de diversos segmentos. É também de autoria da jornalista o Cine Céu, iniciativa inédita que exibe títulos de filmes nacionais a céu aberto em diversos bairros. O modelo foi replicado em outras cidades, como em Holambra (SP), onde Carina também foi convidada para chefiar a Pasta de Cultura.

Neste mesmo período, Carina se dedicou a um projeto pessoal. Enquanto estava em Cosmópolis (SP), se deparou com um rico acervo sobre o Carnaval do município entre os períodos de 1910 e 1960. Frente a esta realidade, ela viu a oportunidade de reviver este recorte histórico do município. A última obra da autora, intitulado Outros Carnavais, publicado em parceria o Governo do Estado de São Paulo, revive esta festividade brasileira sob a perspectiva dos antigos moradores de Cosmópolis (SP). “O Carnaval sem donos, de todos, inventa seus espaços ao longo da história”. acrescenta.

O tema abordado pode servir, segundo Carina, como um suporte para pesquisa, uma vez que o assunto é muito escasso. Mas o projeto de Carina não esbarra somente na publicação do livro. Nesta entrevista, ela discorre sobre as exposições e todo o esforço de preparação para preservação de todo o acervo fotográfico da época.

Confira a entrevista na íntegra

Carina, como se deu a concepção do livro? Trata-se de um projeto de pesquisa e documentação. Ele foi viabilizado junto ao Governo do Estado de São Paulo através do Programa de Ação Cultural (Proac ICMS), com patrocínio da Usina Ester e Supermercados São Vicente. A proposta deste projeto foi documentar os antigos carnavais de Cosmópolis (SP), de 1910 a 1960, com base no acervo do Centro de Memória da cidade. Ele [o livro] surgiu de de uma série de arquivos que chegou para a gente e estavam encaixotados. Começamos a organizar isso. Surgiu a possibilidade de reestruturarmos o Centro de Memória, vimos que havia uma coleção fotográfica de qualidade muito boa, e muito bem conservada.

Qual foi a base de pesquisa para a criação do livro?  Através do processo de pesquisa, fomos conseguindo outros arquivos. Esse trabalho exigiu intenso esforço na organização da coleção fotográfica e de jornais, com higienização, identificação, documentação, catalogação e digitalização, além da coleta e organização dos depoimentos


“O Carnaval sem donos, de todos, inventa seus espaços ao longo da história”


Como funcionou este processo junto ao Governo do Estado? Este programa de Ação Cultural do estado é muito legal porque ele é aberto a artistas, pessoas físicas ou pessoas jurídicas. Então você pode propor sua ação cultural dentro dos parâmetros estipulados. Com esse projeto sendo aprovado, você pode captar o recurso e patrocínio das empresas que pagam esse imposto do ICMS. Através desse mecanismo que eu faço os meus projetos, entre eles este livro. Ele, na verdade, é um resultado, uma apresentação dessa pesquisa. E o livro foi uma forma de trabalhar melhor essa pesquisa, propondo um olhar lúdico para os arquivos

Quanto tempo durou até a concretização do livro? Entre escrever o projeto, ele ser aprovado, conseguir o recurso e desenvolver a pesquisa foram dois anos.

Por que você resolveu trabalhar o Carnaval no interior de São Paulo?  Diante do processo de organização do acervo, revelou-se uma bonita coleção fotográfica com registros dos Carnavais, fotografias que chamaram a atenção pela beleza, qualidade e variedade de blocos retratados. Na pesquisa, foram identificados vinte e um blocos carnavalescos em Cosmópolis (SP), considerando registros fotográficos e citações nas matérias dos jornais pesquisados. Eram blocos com mais de trezentas pessoas, por exemplo, em uma área rural, todas com a mesma fantasia. As pessoas passavam meses se preparando para esta festa. A partir disso, vejo que as fotos nos dão um bom recorte e representa a força do Carnaval enquanto manifestação da cultura popular.

Essas fotos tiveram um papel significativo nesse projeto, correto? A fotografia nos mostra o registro do cotidiano com um olhar artístico. A maioria dessas fotografias foram feitas pelo fotógrafo Guilherme Hasse. Foi um fotógrafo profissional imigrante alemão, que viveu em Cosmópolis (SP). E essas são fotos de qualidade altíssima, tem até uma pesquisadora da Unicamp que o estuda. Ele tem uma importância muito grande. São fotos muito bonitas e que tiveram um processo de revelação muito bem feito e, por isso, resistiram até hoje. Parte do projeto de pesquisa foi também catalogar essas fotos, fazer a limpeza técnica delas para que elas pudessem durar mais. Elas estão arquivadas no Centro de Memória. Esse processo de limpeza foi feito pelo Centro de Memória como apoio técnico do Centro de Memória da Unicamp. Então foi também um processo de conservação desse acervo fotográfico. Ao pensar em um contexto basicamente rural da Cosmópolis (SP) de outrora, o começo lento da popularização da fotografia – parece bastante revelador esse conjunto de materiais que chegou às nossas mãos nos dias de hoje. Permaneceu, ao longo das décadas, para hoje nos revelar um pouco do cotidiano daquela época e evidenciar os modos de festejar o Carnaval.

O seu livro possui uma proposta gráfica e de diagramação bem peculiar. O que você quis passar com isso? Legal a gente falar sobre isso. Porque pode causar uma certa surpresa. Imagina, você tem um acervo antigo com fotos em preto e branco e o questionamento era sobre transpor para o livro essa coisa do Carnaval que é muito colorida e irreverente. Quando se fala em Carnaval, se pensa em cor, em confete, em alegria, em entusiasmo. Esse é um livro que brinca com o arquivo, uma releitura. Então toda a concepção gráfica foi pensada nessa matriz de muita cor, de carnavalizar esses arquivos. Quem fez o projeto gráfico foi a ilustradora e designer Amanda Pascoal, uma baita artista.


“Toda a concepção gráfica foi pensada nessa matriz de muita cor, de brincar mesmo com o arquivo”


Houve alguma situação curiosa durante o processo de elaboração do livro? Sim, principalmente durante a entrevista com os antigos moradores. Por exemplo, um relato recorrente dizia que na usina havia o Carnaval dos brancos e dos negros. Tem um capítulo sobre isso. Segundo os relatos, havia um baile de Carnaval no salão da usina, organizado pelos moradores da colônia. Havia um salão para os brancos e outro para os negros, sendo que os negros faziam o baile ao som do eco do baile que estava acontecendo no outro salão. Uma vitrine da sociedade da época, de como as coisas funcionavam. É interessante constatar a cultura como plataforma de resistência; eles não deixaram de organizar o Carnaval mesmo com essa segregação. No entanto, esses registros e formas de organização (e divisão) não estão explícitos. Prova disso é que não há um só negro retratado nas fotografias em todo o recorte temporal da pesquisa, de 1910 a 1960, nas 167 fotografias catalogadas.

Quais impressões que você adquiriu ao longo desse projeto? Um ponto em comum, que a gente sente em conversas com os moradores, é um saudosismo por esses carnavais que unia as pessoas. Que era um pouco mais romantizado, era uma outra época, uma outra maneira de viver, um outro contexto. Eles sentem um apreço por essas memórias.

Seus trabalhos, na maior parte das vezes, são voltadas ao resgate das memórias. Por quê? Eu me interesso muito pelas histórias das pessoas. Para mim, é fascinante escutar e descobrir facetas muito diversas. Cada pessoa é um universo muito particular e dentro desse universo particular, se descobrem coisas que são comuns a todos. Por exemplo, todos nós temos uma história com o Carnaval, vivências, participando ou não, gostando ou não. A mais brasileira das festas que acontece de ponta a ponta no Brasil e mostra uma identidade cultural muito forte.


“Cada pessoa é um universo muito particular”


Como as pessoas poderão ter acesso ao seu trabalho? Nós tivemos uma tiragem de 500 exemplares e distribuição gratuita desses livros. É um projeto que me orgulha muito porque muita gente não tem condições de comprar um livro. Então o projeto se preocupou em contemplar por meio dessa distribuição gratuita. Essa distribuição está sendo feita pela Secretaria de Cultura de Cosmópolis (SP) e também fazemos a doação durante a exposição, que circula em Cosmópolis (SP). São quatro locais de exposição, uma exposição bem colorida, lúdica, com estandartes estilizados manualmente para apresentar mesmo como era feito na época. Essa exposição já ficou na Escola Paulo Freire, está agora no Shopping de Cosmópolis, depois irá para o Centro Cultural Café Belle Époque e, por fim, para a Estação Sesi de Cultura. É um outro suporte para as pessoas conhecerem o resultado da pesquisa.

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