25/01/2018

Mãe conta experiência de criar filho com doença incurável em Artur Nogueira

“Imagine se toda vez que você acordasse, não soubesse se iria encontrar seu filho bem. Imagine acordar todo dia sem saber se ele está vivo”, desafia Andressa de Lima Souza

Alysson Huf

“Imagine se toda vez que você acordasse, não soubesse se iria encontrar seu filho bem. Imagine acordar todo dia sem saber se ele está vivo”, desafia Andressa de Lima Souza, de 23 anos, que há quatro anos, deu à luz a um menino. Mas, o que a jovem mãe não imaginava é que ele nasceria com uma condição rara e incurável. O pequeno Davi Miguel veio ao mundo com os dias já contados.

As porfirias são um grupo de doenças distintas, podendo ser adquiridas ou genéticas. Elas são ocasionadas por uma deficiência na biossíntese do heme, uma estrutura muito importante da hemoglobina, proteína responsável pelo transporte do oxigênio no sangue. Davi nasceu com uma porfiria genética, mas em uma de suas formas mais preocupantes. O máximo que uma criança conseguiu viver com esse tipo da doença, segundo Andressa, foi sete anos.

Davi já tem quatro. Ele nasceu no dia 25 de janeiro de 2014. Hoje é seu aniversário. Ele veio prematuro, com seis meses de gestação e pesando apenas 822 gramas. Nasceu quase morto. Teve que ser reanimado pela equipe médica assim que saiu do útero. Passou três meses no Hospital da Unicamp, monitorado de perto pela família e pelos médicos da unidade.

Foi liberado após 90 dias, mas ninguém desconfiava que ele portava uma doença grave. No primeiro dia na casa dos pais, Davi passou mal. De volta ao hospital, descobriram que ele estava com pneumonia. Foi internado às pressas. Daí em diante, as paradas cardíacas tiveram início. Certa vez, ele teve quatro em uma só noite. E era apenas um recém-nascido.

Os médicos notaram então que havia algo de errado com a criança entretanto, na época, ainda não conseguiam identificar o que era. Por isso, Davi passou mais de um ano e meio internado na Unicamp, sendo tratado e examinado por diversos especialistas. Só quando ele tinha cerca de dois anos que o diagnóstico foi confirmado.

Mas, antes de Davi nascer, Andressa já havia perdido um filho. Ela teve um menino que faleceu aos 10 dias de vida. Ele teve uma parada cardíaca súbita, e os médicos não souberam explicar o motivo. Além disso, pouco antes do diagnóstico de Davi ser confirmado, a jovem havia perdido mais um bebê. Dera à luz outro menino, porém este viveu apenas quatro horas.

Quando o diagnóstico de Davi chegou, os médicos entenderam a morte dos outros dois bebês. A porfiria dele é genética e atinge apenas crianças do sexo masculino, ou seja, todos os filhos homens de Andressa nascem com essa condição rara e incurável. Por algum motivo, o pequeno Davi conseguiu resistir mais à doença do que seus irmãos. Mesmo assim, as perspectivas para ele não são animadoras.

A equipe médica do hospital se reuniu para dar a notícia do diagnóstico para Andressa. Havia vários especialistas diferentes para explicar a ela que a doença não poderia ser curada e que Davi não viveria muitos anos. E, deram a ela duas opções: morar na Unicamp e ter a equipe médica próxima em qualquer emergência ou morar em casa e ter o empecilho de demorar mais tempo para chegar ao socorro médico.

Foi uma decisão difícil para Andressa. “Mas como eu poderia privar uma criança de crescer em um lar, de brincar em parques, de ir à escola e ter amigos?”, indaga.

Rotina

O dia de Andressa começa muito cedo. Ela acorda antes de Davi e limpa toda a casa. O objetivo é ter o máximo de tempo disponível quando o filho acordar, pois ela não pode perdê-lo de vista por praticamente nenhum minuto. “Ao mesmo tempo que ele está correndo e brincando, ele pode sofrer uma parada. Então ele precisa de medicação no horário correto, e eu tenho que manter o controle dos batimentos cardíacos, a saturação do sangue, essas coisas. Não tem condição de eu o deixar sozinho”, comenta.

O sustento da família fica por conta do marido dela, André Batista de Souza, que trabalha com plantas em Holambra (SP). Por isso, o dia de Andressa é em função do filho e, apesar de todo o cuidado, o inesperado acontece.

Há cerca de dois meses, ela brincava com Davi em casa de esconde-esconde. O menino correu e ficou deitado de bruços embaixo da mesa da cozinha. A mãe percebeu que ele estava lá, mas antes de ir até ele para continuar a brincadeira, resolveu colocar uma roupa no varal. Não se passaram dois minutos até que ela voltasse para a cozinha. Mas, ao tentar surpreender o filho, viu que ele não reagiu.

Davi sofreu uma parada nesse meio tempo. Em um minuto, seu coração parou de bater e ele já começava a ficar roxo. A mãe o levou desesperada até o hospital, onde os médicos o atenderam com urgência e sem muita expectativa de conseguir salvá-lo. Após dezenas de tentativas de reanimação, conseguiram estabelecer o pulso dele a um nível aceitável e o mantiveram internado até seu quadro normalizar.

Não foi a primeira vez que isso aconteceu e Andressa sabe que não será a última.

Davi se diverte comportadamente com um tablete enquanto conversamos com Andressa. Apesar do calor da tarde, ele parece tranquilo e entretido. “Hoje ele ainda está calmo, porque ele toma os medicamentos, mas tem dia que você não consegue conversar com ele”, explica Andressa. “Ele fica extremamente agressivo”.

O motivo para isso, conforme o médico contou a Andressa, é que Davi sente uma dor constante e muito forte. “Ele me disse que não entende como o Davi consegue ficar em pé”, afirma a mãe. “A dor da porfiria ocorre nas articulações inteiras. Imagine você com seu sangue correndo devagar. Quando se tem má circulação, já dói. Agora, imagina ele, que tem má circulação o tempo inteiro”, conjectura.

Degeneração

O fluxo lento do sangue de Davi tem outros impactos sobre sua saúde, além das paradas cardíacas. “Conforme a criança com essa doença cresce, a situação piora, porque o fluxo de sangue tem que ser maior. Com isso, vários aspectos da saúde passam a ser afetados, como a visão, a parte neurológica e o coração”, destaca Andressa.

No ano passado (2017), Davi começou a frequentar uma escola. No início, segundo a mãe, ele era muito ativo, aprendia rápido. Infelizmente, a partir do final do ano, seu rendimento foi seriamente comprometido. “Ele começou a perder um pouco da visão e do sistema nervoso. E, agora, demora mais para aprender”, afirma a mãe.

O desenvolvimento de Davi parou e começou a regredir, a degenerar. Sua medula e massa encefálica diminuíram. “O risco de diminuir ainda mais aumenta a cada dia. Mais para frente, ele pode parar de andar, parar de falar”, explica Andressa.

Quando esteve na Unicamp, a mãe conheceu outras crianças que lutaram contra a mesma doença. “E é assim, a partir dos cinco anos, mais ou menos, eles vão regredindo e…”, Andressa se emociona e não consegue terminar a frase.

Por causa da degeneração do sistema nervoso de Davi, a família evita sair com a criança de casa ou o expor a muitas pessoas. Segundo ela, a diminuição de sua massa encefálica desenvolveu nele características semelhantes à da esquizofrenia. “Ao mesmo tempo em que ele está conversando e brincando, ele pode começar a ficar nervoso e gritar. Por isso, evitamos sair muito”.

Neste domingo (28), por insistência do filho e com aval dos médicos, a família fará uma festa de aniversário para Davi. A pequena casa de Andressa, localizada na parte dos fundos de um imóvel no Jardim Bela Vista I, estará bem mais cheia do que o habitual. “É algo que nos dá um pouco de medo, porque ele não tem contato com muitas pessoas. Mas o Davi pediu e faremos a festinha no domingo”, ressalta.

Aprendizado

Se você chegou até aqui nesta história, pode estar pensando que Andressa tem uma vida triste e cheia de amargura. Mas isso não é verdade. Apesar de a vida do filho ser uma incógnita e de sua saúde exigir cuidados minuciosos, com diversas restrições e visitas ao hospital, a jovem mãe se sente abençoada.

“Se eu ficar chorando o dia todo, o Davi também não vai ter vida. Ele pensaria que a culpa de a mãe viver chorando é dele”, explica Andressa. “Sinceramente, tem dias que eu chego a morrer por dentro. Cada vez que ele adoece, que o quadro dele se agrava, eu morro por dentro. Mas quando você tem um filho, é um presente. Eu não falo para Deus que ele não me deu um presente, porque ele me deu, sim”.

“Eu chamei vocês para essa entrevista porque quero fazer uma homenagem ao Davi. Eu sei que amanhã ou depois vai acontecer… E eu tenho certeza que a história do Davi vai ensinar muita gente a dar valor mesmo às pequenas coisas”, conta convicta a mãe. “Porque, às vezes, você tem um filho saudável e vários motivos para agradecer a Deus, mas prefere criticar e só reclamar da situação”, pontua.

Para Andressa, ser mãe do Davi é uma forma que Deus escolheu para lhe fazer crescer. “O Davi é um aprendizado. Não é só um filho. Se fosse para resumir o Davi em uma palavra, seria aprendizado. Ele me ensinou a ser mãe, a ser mulher, a ser pessoa, a ser guerreira, a correr atrás dos meus sonhos. E ele ensina cada pessoa que o conhece.”

Além do Davi, ela foi presenteada com outro bebê, dessa vez uma menina, livre da doença. Curiosamente, Andressa descobriu a gravidez no momento em que se preparava para fazer uma laqueadura e selar para sempre a possibilidade de ter novos filhos. Quando descobriu que havia gerado uma criança, chorou com medo de que fosse mais um menino.

A notícia de que era uma menina a deixou aliviada e esperançosa. Naira Rebeca tem hoje sete meses de vida e muita saúde.

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