02/11/2014

Há 42 anos, a morte deste homem abalava a pequena Artur Nogueira

MEMÓRIA: Conheça a história de Gustavo Beck, homem empreendedor que vivia rodeado por amigos e que morreu praticando aquilo que mais gostava

Por Geso Franco de Oliveira

A pequena cidade de Artur Nogueira aos poucos voltava ao normal. Uma semana após o sepultamento era Dia de Finados e muitos levavam flores e homenagens ao Cemitério, representando a saudade deixada por aquele nogueirense tão querido e amigo de todos.

Gustavo Beck, nascido em 28 de fevereiro de 1929, descendente de pai alemão e mãe espanhola, filho do meio do casal Antonio Beck e Isabel Ortiz Montoya, seu irmão mais velho Antônio Beck Filho (Pitão) e o mais novo Armando Beck – todos já falecidos.

Fotos Gustavo (10)Da esquerda para a direita: Antonio Beck, sua esposa Isabel, a nora Maria Beck com a filha Nádia no colo, Elisa Zanetti de Almeida, na frente a filha Lucia Maria de Almeida, Jorge Ignácio de Almeida, Cleusa Inácio de Almeida (pais e irmãs de Maria), abaixados: Antonio Beck Filho (Pitão), Gustavo Beck, Armando Beck com o filho Armandinho e o cunhado Jose Inácio de Almeida.

Jovem dinâmico e trabalhador, abriu um posto de combustíveis, o “SERVICENTRO ESSO”, na Rua 15 de Novembro, onde hoje é o Posto Piloto. Gustavo era um rapaz de boa aparência e simpatia, pessoa de muitos amigos e sempre rodeado por todos, conquistava as pessoas com seu largo sorriso, era brincalhão e adorava aprontar com todos. Em seu posto havia um cercado com dois jacarés, o que era a alegria das crianças, que sempre recebiam um pirulito de presente quando por lá passavam.

1

Próspero empresário que gostava e sabia aproveitar a vida, adorava música e tocava vários instrumentos, participou da Corporação Musical 24 de Junho. Sempre desfilava em carros e camionetas dos modelos mais novos, um dos mais conhecidos por muitos era o seu Ford/Galaxie 1969 de cor verde petróleo. Também era sócio do Iate Clube de Limeira e tinha até uma lancha, pois adorava esquiar.

Fotos Gustavo (5)

HISTÓRIAS

O Carro Zero…

Lucio Baltazar era funcionário e também grande amigo de Gustavo. Seus pais moravam em Limeira e uma vez por mês Lucio os visitava. Em um domingo, dia de sua folga, Lucio reuniu a família para ir a Limeira, porém sua DKW (popularmente conhecida como DKV) deu problema e não funcionou. Gustavo estava no Posto, Lucio voltou lá e falou para ele: Meu carro deu problema e não vou mais para Limeira, se você quiser pode ir embora, pois eu ficarei trabalhando”. Gustavo prontamente disse: “De modo algum, pegue a minha Camioneta F100 e vá visitar seus pais”; a camioneta era zero quilômetro e fazia apenas uma semana que acabara de chegar; Lucio retrucou: “Você está louco? A camioneta é nova!”. Porém Gustavo insistiu e Lucio aceitou e pegou essa camioneta. E assim foi a família Baltazar para Limeira. Lá chegando, o irmão mais novo de Lucio, vendo aquela linda camioneta, pediu para dar uma volta, Lucio resistiu em não deixar, mas não teve jeito, acabou permitindo. O gosto de dirigir foi de duas quadras, pois em uma preferencial outro carro entrou e bateu no para-lamas do lado do motorista, amassando muito o carro recém comprado. Lucio ficou louco, como explicaria para Gustavo o acidente, a camioneta era zero e só tinha dado uma volta na cidade. Voltando para Artur Nogueira, chateado e pensando em como explicar ao patrão, Lucio chegou ao posto à noite e foi falar com Gustavo sobre o acidente e contou-lhe a verdade. Gustavo falou: Lucio, guarde a camioneta no lavador, amanhã cedo pegue ela e leve-a ao funileiro, mande comprar outro para-lamas novo e está tudo certo; Lucio falou: “Então eu vou pagar por isso em parcelas.” Gustavo disse: “Mas quem pediu para você pagar, acidentes acontecem e nem foi você quem bateu”.

Lucio Baltazar faleceu em 2013, mas deixou essa história com os filhos e dizia sempre que nunca deixou de ser grato ao Gustavo.

A moça bonita…

Em seu posto, um certo dia, parou para abastecer um carrão de um senhor de família tradicional que estava com uma linda filha. Gustavo, abastecendo o carro, não tirava os olhos da moça. Quando o senhor pagou o valor da abastecida, Gustavo foi conferir o nível do óleo e, para impressionar a moça, limpou a vareta do óleo com a nota recebida; contava a todos essa história, porém dizia que assim que o carro saiu limpou a nota e colocou-a no caixa.

Os pneus gastos…

Nossa cidade, nessa época, era grande produtora de algodão e chegavam muitos nordestinos para trabalharem na colheita, alguns turmeiros, como eram chamados, usavam caminhões para transportar os colhedores. Um deles, chegando no posto para abastecer e cheio de trabalhadores na carroceria, encontrou Gustavo que disse-lhe: “Você não tem juízo em carregar estes trabalhadores neste caminhão com esses pneus carecas.” O turmeiro respondeu: “O que eu posso fazer, preciso trabalhar na safra para ganhar dinheiro e depois eu troco.” Gustavo então disse-lhe: “Encoste esse caminhão ali na borracharia, trocarei os pneus para você e no final da safra você passa aqui e acertamos.” Assim foi feito, quando a safra terminou Gustavo havia falecido, mas o turmeiro veio acertar mesmo assim, não encontraram a dívida anotada em lugar algum.

A manobra…

Certa vez, no Iate Club de Limeira, Gustavo pediu para o amigo Ademar da Silva Barros pilotar sua lancha para que ele pudesse esquiar. Ademar, na intenção de aprontar com o amigo, acelerou próximo as margens onde havia um restaurante; Gustavo, percebendo que não conseguiria fazer a curva, largou a corda, subiu com o esqui no barranco, deixando-o lá e saiu correndo até o bar, encostou no balcão e pediu uma cerveja; aquilo foi uma festa. Ainda hoje Ademar guarda com carinho o Slalom (esqui) que o amigo usava.

2

O DIA DERRADEIRO 

Como de costume, todo domingo de calor era usual para Gustavo ir com os amigos andar de lancha e esquiar, alternando entre o Iate Clube de Limeira e Praia dos Namorados/Praia Azul. Gustavo era bom nadador, praticava esqui, slalom muito bem, e por várias vezes saiu vitorioso em competições, com sua lancha se tornava um menino e sempre com seu largo sorriso brincava de pilotar.

Fotos Gustavo (9)

Porém, o domingo de 22 de outubro de 1972 foi diferente e deixou uma cidade inteira em grande comoção. Logo de manhã, Gustavo estava arrumando as coisas para ir à represa da Usina Esther, em Cosmópolis, quando os sobrinhos Armandinho, Nádia e Joselito começaram a dizer que queriam ir junto, mas Gustavo queria levar só Armandinho, que era seu xodó. Alegou para a cunhada que não dava conta de cuidar das três crianças. Dessa forma, a mãe das crianças, Maria Beck, disse: “Então não vai ninguém”.

Gustavo havia combinado com o Sr. Dirceu Gallo (i.m) e sua família que fariam um piquenique às margens da represa, muitos amigos sempre o acompanhavam, só para lembrar de alguns: Ademar da Silva Barros, Norival Sia, Girafa, Dirceu Duarte, Tito Gallo e também algumas meninas amigas da família Gallo.

A represa da Usina Esther, em domingos de calor, ficava tomada de pessoas e algumas pequenas embarcações. Havia uma prainha onde brincavam, faziam churrasco e dali saiam para passeios de lancha e esqui.

Aproveitaram bem o dia, no final da tarde antes de irem embora, Gustavo resolveu dar a última volta de lancha levando com ele a Sra. Hilda Gallo, sua filha Noeli de Fatima Gallo (15) e mais duas amigas: Ivanilde Ernesto (20) e Lourdes Pereira (19). Gustavo brincava com a lancha fazendo manobras radicais, Dona Hilda pediu para parar e desceu, as meninas queriam descer também, mas Gustavo arrancou com a lancha e voltou às manobras, porém em um cavalo de pau a lancha tombou arremessando todos para a água; muita gente viu e chamaram por socorro. Imediatamente uma outra lancha pilotada por um médico chegou para prestar socorro. Gustavo sabia que as meninas não nadavam, então trouxe até a lancha do doutor primeiramente a Ivanilde, depois a Lourdes e quando salvava por último a menina Noeli foi atingido na cabeça pela hélice da lancha e afundou. Como as meninas estavam em choque, o médico trouxe-as para a margem da represa, onde pudessem ser atendidas e voltou para resgatar Gustavo, mas não o encontrou mais.

Obs.: Existe outra versão sobre o acidente, de que quando a lancha virou atingiu a cabeça de Gustavo que, mesmo machucado, conseguiu colocar as meninas na lancha do doutor e depois afundou. (Versão que as sobreviventes e a família contestam).

As meninas foram socorridas e voltaram para casa trazendo a triste notícia, que para os pais de Gustavo foi dada com a ajuda de um médico. Em 1972 havia em Artur Nogueira pouco mais de 10 mil habitantes e todos se conheciam e até o final da missa a pequena população já se encontrava cabisbaixa e entristecida, muitos foram à represa e passaram a noite em vigília na esperança de encontrar o corpo do querido amigo.

Na segunda-feira, 23 de outubro, a cidade amanheceu escura e triste, o assunto era um só: a morte do Gustavo, o comércio da cidade assim como os bancos e repartições públicas trabalhavam com meia porta aberta. Logo pela manhã centenas de pessoas já estavam às margens da represa. Foram mobilizados Corpos de Bombeiros de várias cidades.

A busca pelo corpo não cessava. A cunhada de Gustavo, Maria Beck, fazia almoço e janta para 40/50 pessoas que ajudavam nas buscas. Os irmãos Gallo, que eram seus vizinhos e amigos, criaram uma ferramenta que, com auxílio de dois barcos, rastelavam o fundo da represa na intenção de içar seu corpo. Muitos faziam simpatias colocando na água pratos com velas acesas. Foi até cogitado o esvaziamento da represa, porém o Corpo de Bombeiros tinha como regra aguardar por 72 horas a possibilidade do corpo boiar.

Na tarde de quarta-feira, o pessoal do Corpo de Bombeiros pediu que trouxessem a menina Noeli para indicar o lugar exato do acidente. Noeli lembrou-se que quando cairá na água viu que era entre duas árvores. Intensificaram as buscas porém sem sucesso. O pai da jovem, Dirceu Gallo, não voltou para casa até que o corpo foi encontrado, após 79 horas do acidente, ou seja, na noite de quarta-feira, 25 de outubro, o corpo boiou nas águas da represa, terminando a vigília e angústia de todos. O corpo de Gustavo foi encaminhado para o IML de Campinas, o povo que ali estava pode voltar para casa descansar, porém todos sabiam que na quinta-feira se despediriam do amigo para sempre.

Em frente à casa dos pais de Gustavo, que era ao lado do posto, desde o início da manhã, uma pequena multidão aguardava a chegada do corpo, que chegou por volta das 11h30. O caixão estava lacrado e com uma foto em cima, os amigos entravam em fila pela porta da sala e saiam pela porta dos fundos. Às 16 horas o cortejo seguiu para o cemitério. O pai e os irmãos queriam ver o corpo e em local reservado. Puderam abrir o caixão e constatar ferimentos atrás da cabeça, o caixão foi então fechado novamente e no final daquela triste tarde foi sepultado nas proximidades da capela. A cidade aos poucos foi voltando ao normal, mas até hoje este Cidadão Nogueirense é lembrado com carinho por todos.

Fotos Gustavo (7)Fotos Gustavo (6)

Em 1987, o então prefeito Claudio Alves de Menezes homenageou o amigo, denominando uma rua com seu nome, através do decreto 65/1987.

História baseada em relatos de: Adelina Tagliari Gallo, Jose Domigos Gallo, Maria Beck, Hilda Gallo, Lourdes Pereira, Noeli de Fatima Gallo, Altevir Gallo, Ademar da Silva Barros e Roberto de Jesus Baltazar.


Comentários

Não nos responsabilizamos pelos comentários feitos por nossos visitantes, sendo certo que as opiniões aqui prestadas não representam a opinião do Grupo Bússulo Comunicação Ltda.