14/05/2021

Casas em terreno irregular podem ser demolidas em Artur Nogueira

Prefeitura afirma que, por haver processos judiciais em andamento, não pode se manifestar sobre o caso

Michael Harteman

O sonho da casa própria faz parte do inconsciente coletivo de boa parte dos brasileiros. Ter um lugar pra morar é, para muitos, sinal de segurança. Para conquistar tal objetivo, é comum ver pessoas cortando gastos e fazendo dívidas de longo prazo. A recompensa de tais esforços é ter um lugar pra chamar de seu. Um grupo de moradores de Artur Nogueira, apesar de um alto investimento, pode ver o sonho desmoronar.

“Ia ser uma casa boa, eu estava fazendo com muito carinho, ali seria a cozinha e aqui a nossa sala”, conta João Pedro Bispo Sena, enquanto aponta com o dedo os cômodos da construção. João comprou o terreno no localizado próximo à Rodovia Aziz Lian, que liga Artur Nogueira à Holambra, e é apenas uma das vítimas lesadas por uma compra em um loteamento aparentemente irregular.

Marcação do local onde fica o loteamento

João é casado com Daniele Cristina Olandini Sena. Ambos têm uma petshop na cidade e decidiram comprar o terreno de uma de suas clientes. “Uma cliente da loja comprou dois lotes. Ela falou que estava pensando em vender e começamos a negociar. A gente já tinha perguntado para o antigo vendedor a questão da documentação e como estava na Prefeitura. Ele falou que estava tudo certo e me mostrou até o protocolo de entrada na Prefeitura, também me mostrou que nos terrenos haviam água e iluminação. A gente viu a estrutura e viu que aparenta estar legal. Além disso tem mais pessoas morando”, explica João.

O antigo vendedor citado por João foi o responsável pela venda do terreno para a cliente do petshop. “Ele vendeu pra ela, e ela decidiu vender para nós, ele disse para ela e para nós que quando terminasse a documentação do lote ele entregaria a escritura. Depois disso a gente comprou”, rememora João.

A compra do terreno aconteceu em abril de 2020. Para isso, João e a esposa desembolsaram 45 mil reais. O dinheiro veio através de empréstimos bancários já quitados. “Quem não quer sua própria casa? Conversei com a minha esposa e decidimos comprar. Assim que fechamos o negócio com nossa cliente, começamos a mexer”.

João tem habilidades como construtor e decidiu economizar na mão de obra. Daniele passou a cuidar sozinha do empreendimento, já que João passaria a se ocupar na construção do sonho da casa própria.  Na semana seguinte que comprei já vim marcar o terreno, eu mesmo fui comprando o material e fui subindo as paredes”, afirma.

Durante todo o ano de 2020 João conta que não houve qualquer fiscalização. Um número de protocolo junto à Prefeitura de Artur Nogueira deixava o morador tranquilo com as questões legais. “Como tinha o protocolo e a gente sabe que contrato em área rural é contrato de gaveta, a gente comprou. Falei para a minha esposa que não via mal, pois o contrato de escritura provavelmente sairia pra uma gleba só”, explica.

A convicção, no entanto, caiu por terra em abril de 2021. João trabalhava no local quando um carro de fiscalização chegou. “E estava aqui trabalhando e a fiscalização de posturas passou. Perguntou se eu era o dono e se podiam pegar meu WhatsApp”. Nesse momento, João chegou a pensar que estavam pedindo o contato para que, mais adiante, informações sobre a regularização lhe fossem enviadas.

João continuou trabalhando por mais duas semanas. “Ninguém falou mais nada e eu continuei trabalhando. Quando passou mais duas semanas, eles entraram em contato comigo, falaram que precisavam me entregar uma notificação”. João insistiu para saber do que se tratava e lhe pediram para que comparecesse no Núcleo Municipal. “Fui eu e minha esposa. Quando chegamos lá ele disse que seria bem sincero comigo, pediu pra eu ir até a pessoa que eu comprei, pois lá não poderia ser loteado e que não havia nada na prefeitura em relação ao loteamento. Pediu pra entrarmos na justiça pois o imóvel seria derrubado. Minha esposa saiu do local chorando”, conta.

A notificação chegou no dia 10 de março de 2021. “… o Município sobrevém notifica-lo(a) para que providencie no prazo de 60 dias a desocupação amigável do imóvel, sendo necessária a retirada de todos os bens de sua propriedade […] será realizada a demolição das edificações e obras existentes no imóvel, sem direito a indenização”, afirma um trecho na notificação.

Sem saber o que fazer o casal procurou por advogados. “A gente procurou alguns advogados, um deixou a gente esperançoso. Esse advogado disse que vai cair em cima, que vai até atrás da Prefeitura. Um outro advogado já nos disse que é um caso muito difícil”.

Além dos R$ 45 mil pagos pelo terreno, João gastou outros R$ 45 mil na compra de materiais. Um investimento de mais de 90 mil reais.

Mais casos

O drama vivido por João e Daniele também pode ser observado em outras famílias. Geovane dos Santos Souza também comprou o terreno e começou a construir. “Fiz um investimento de mais de R$ 60 mi ali, me sinto deprimido, acho que quem vendeu os terrenos é que deveria ser penalizado”, afirma Geovane.

Geovane acredita que o erro em ter permitido que as vendas acontecessem foi da gestão de Ivan Vicensotti, no entanto, ele pede para que a atual administração olhe com nos olhos para o momento vivido pelas famílias. “Gostaria que o prefeito nos ajudasse, que não fosse adiante nessa situação [de demolir as casas], até porque nós compramos, não chegamos aqui e invadimos, não dá pra vir com máquinas e derrubar aquilo que conquistamos com nosso suor”, assevera Geovani.

Advogado que defende as famílias fala sobre o caso

Um advogado que defende algumas famílias que residem no local, e que prefere não se identificar, acredita que a situação é fruto de um problema social. “A moradia é um direito garantido pela Constituição Federal, e se a pessoa não consegue comprar um lote na cidade, ela acaba comprando onde ela consegue, onde o dinheiro dela encontra amparo. Qual o motivo de alguém ir pra uma favela, por exemplo? Lá é melhor? Não é, lá é onde a pessoa consegue comprar um teto para morar. Isso é uma questão social, são pessoas que precisam”, exclama o profissional.

O advogado também afirma que está próximo das famílias, e que tem visto as dificuldades enfrentadas por elas. “Eu tenho visto as famílias trabalhando na obra, é pai, mãe e as vezes até criança ajudando a assentar tijolo pra poder entrar na casa e sair do aluguel […] são pessoas que compraram a terra, compraram por que precisam, não compraram pra fazer uma graça, e agora a Prefeitura tá falando de derrubar. Não sei se isso tem algum interesse por trás ou não”, afirma o advogado.

Outro ponto abordado pelo advogado é o alto valor das multas exigidas pela Prefeitura. “Estão colocando multas desproporcionais, nem se a pessoa vender todo o terreno não dá o valor que eles pedem na multa. Eu penso assim, colocar uma multa de um ou dois milhões de reais numa grande empresa é uma coisa, agora você pegar um cara que tem um sitiozinho em Artur Nogueira e colocar uma multa de um milhão e meio é desproporcional”, pontua.

Prefeitura não fala sobre o caso

O Portal Nogueirense entrou em contato com a Prefeitura de Artur Nogueira e fez alguns questionamentos, como: Quando as casas vão ser derrubadas? A atual administração tem conhecimento de alguém que esteve na Prefeitura e esteve envolvido na venda desses lotes? A Prefeitura pretende prestar algum tipo de assistência às pessoas que foram lesadas? Quais são os prazos para que as demolições comecem a acontecer?

A Prefeitura, no entanto, afirma que por haver processos judiciais em andamento não pode se manifestar sobre o caso.

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