03/05/2014

ENTREVISTA: Rapper FD3 fala sobre vida, música e preconceito

Entre rimas e desafios, rapper de Artur Nogueira se destaca com composições próprias e promete ser um dos grandes nomes do gênero

FD3“O Rap é uma ferramenta de comunicação, de transmissão de ideias e valores” (FD3)

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Alex Bússulo / Norton Rocha

Ele tem apenas 18 anos de idade e já é considerado uma das grandes promessas artísticas de Artur Nogueira. FD3 é o nome artístico de Fábio Danillo Nascimento dos Santos, cantor e compositor de Rap.

Nascido em Olinda-PE, ele se mudou com a família para Artur Nogueira quando tinha menos de 2 anos de idade. Foi aqui no município ‘Berço da Amizade’ que ele cresceu e descobriu o talento que tinha para ser rapper.

Além dos trabalhos próprios, ele já gravou participações especiais com as bandas Sopro Vital e Finder. Humilde, não esconde de ninguém o sonho de ter o próprio estúdio e gravar suas composições. Na entrevista desta semana, FD3 conta a história, desafios e conquistas. Confira:

De onde surgiu o nome FD3? Surgiu de um grande desejo de registrar de alguma forma o amor que tenho pela minha família. Um pouco da nossa identidade. Então resolvi usar sigla FD3, pois tenho dois irmãos e as iniciais de nossos nomes são todas F e D. Por ser o irmão caçula me autodenominei “FD3”.

Eu sei que a sua família passou por momentos difíceis. Pode nos contar o que aconteceu? Em 1997 minha família se mudou para Artur Nogueira, pois em Recife não vivíamos em boas condições. Minha mãe tinha certeza de que se crescêssemos ali, não teríamos chances de um bom futuro, pois morávamos em uma região pobre que tinha alto índice de violência. Quando viemos pra cá nós não tínhamos nada e passamos por momentos difíceis de necessidades somados aos desentendimentos no casamento dos meus pais. Meus pais tinham se separado e fomos criados somente pela minha mãe, que naquele momento estava desempregada. Por um tempo, o que tínhamos de alimento em casa era apenas arroz e óleo. Pelo que pode parecer uma intervenção divina, conhecemos pessoas muito especiais como a Dona Benedita [proprietária da Benevero], que nos ajudou muito e deu para minha mãe uma oportunidade de emprego de costureira. Também recebemos muita ajuda dos irmãos da Igreja que frequentávamos na qual criamos laços muito fortes. Desde então continuamos lutando e alcançando nossos objetivos com trabalho e dignidade.

Já sofreu preconceito por ser rapper? Por muitas vezes sim, pois parecia pouco aceitável ou interessante ouvir um menino de 14 anos de idade cantando um estilo de música que desde muito tempo é marginalizado. Foi e ainda é, em algumas situações, muito difícil de as pessoas compreenderem que o Rap não precisa necessariamente “espirrar sangue”.

Sua maior apresentação aconteceu em um show que teve a participação do grupo ‘Ao Cubo’. Como foi esse dia? Foi realmente emocionante, pois até então nunca tinha me apresentado para tantas pessoas. Aconteceu em Arujá-SP, no Clube União Arujaense, e reuniu aproximadamente 5 mil pessoas. Era o show de lançamento do CD do Grupo Raciocínio Certo, À Espera de Um Milagre. Além da minha participação, o evento contou com a participação do grupo Ao Cubo. Uma das partes mais emocionantes do show foi quando eu estava no palco e percebi que estava assistindo de perto o show de um dos grupos de Rap Nacional que mais admiro. Eu, que ouvia todos os dias o programa de rádio “Espaço Rap” e que sonhava em um dia estar no palco com um daqueles que para mim eram inspiração, agora tinha a oportunidade de realizar tal sonho.

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Como surgiu o convite para participação especial da música ‘Quando o frio terminar’ da banda Sopro Vital? A Banda Sopro Vital tinha uma proposta no seu EP Quinto Circuito de misturar o Rap com o Rock. Foi quando recebi por telefone o convite do Rodrigo, que é baterista da banda, para participar da música “Quando o Frio Terminar”. Fui indicado para tal participação pelo meu grande amigo e produtor Juninho Sarpa. O trabalho ficou muito bom e até chegamos a fazer duas apresentações juntos, uma em Cosmópolis e outra em Limeira fazendo a abertura do show da banda Rosa de Saron.

Você também participou de uma música da Banda Finder chamada ‘Existência’… Sim, aconteceu antes da gravação com a Sopro Vital. Fiquei muito feliz em ser convidado, pois sempre quis misturar em algumas canções o Rap com o Rock. O que mais me chamou atenção, e que de certa forma me favoreceu na composição da minha participação, é que o tema da música era adequado à certas reflexões que eu fazia quanto a nossa existência e a luta pelo desejado “lugar ao sol”.

Já participou de vários festivais de Hip Hop sempre tendo destaque. Qual foi o mais marcante? Participei dos festivais de Hip-Hop da cidade nos anos de 2010, 2011 e 2012. O mais marcante foi o 6º Festival de Hip-Hop de Artur Nogueira, em 2010, quando participei pela primeira vez e fui aos 15 anos o primeiro nogueirense a vencer o festival. O troféu foi entregue pelo Eazy Down, do grupo Sistema Negro de Campinas-SP, o que foi uma grande honra, pois é também um grande nome do Rap Nacional. Lembro que havia três troféus em uma mesa no palco, um grande, um médio e um pequeno para a primeira, segunda e terceira colocação, respectivamente. Lembro que apontei para o troféu maior e disse para minha irmã que aquele seria meu, que eu acreditava naquilo, ela até brincou dizendo que o meu seria o menor da outra ponta. No fim, eu estava certo, consegui com a música “Brasil” alcançar o primeiro lugar entre 11 ou 12 grupos inscritos.

Você começou sua caminhada muito cedo. Qual foi a influência do Rap na sua vida? Acredito que o Rap me fortaleceu, fez parte da minha formação como pessoa e de certa forma me fez também mais disciplinado. Foi onde eu saciei a necessidade de me expressar, me posicionar, aplicar minha visão de mundo e de mudanças. Também fiz muitos amigos através do Rap. Hoje, não consigo imaginar o que seria de mim sem minha rima.

Qual é o papel do Rap na sociedade? Acredito que é uma ferramenta de comunicação, de transmissão de ideias e valores, além de ser a voz, a trilha sonora e também a diversão nas comunidades e periferias. Também acredito que tem grande importância na questão da inclusão social. Pode servir de incentivo a alguém que vive em um lugar pobre, violento e sem oportunidades, mostrando que pode sim ser importante independentemente de onde veio, que tem direito a sonhar e que deve lutar por esse sonho.

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A propósito, ele cumpre com o seu objetivo? É evidente que o Rap pode causar grandes mudanças onde ele tem espaço. Quem consegue encontrar no Rap uma resposta é capaz de viver e sentir essas mudanças. Ao mesmo tempo não sei se posso dizer que o Rap tem apenas um objetivo, pois hoje o que se pode observar é que os objetivos variam. São como ramificações de uma ideia principal e que se direcionam para onde cada MC ou grupo tem como campo ideológico, o que dá à cada rapper a opção de administrar suas próprias ideias e expor sua própria visão de mundo, apresentando cada um à sua ideia ou a sua proposta de mudança. Apesar de ser de suma importância que o Rap não perca a sua essência.

Como você avalia a cena do Rap hoje no país? Hoje o Rap tem ganhado muito mais público, mesmo fora das favelas. Ganhou muito mais espaço na televisão, além do que já tinha no rádio. Em alguns aspectos isso pode ser negativo, pois muitos perdem sua identidade, se apropriam da fama e do dinheiro e acabam esquecendo que o Rap não é somente um produto a ser comercializado. Por outro lado essa repercussão é importante, pois melhora da visibilidade do movimento e aumenta o seu poder de alcance.

E em Artur Nogueira? Na cidade, o Rap além de ter um grande público, é pouco visível, pois não temos muitos eventos de Rap na cidade, somente o Festival de Hip-Hop que acontece uma vez ao ano. Essa falta de investimento faz muitos Mc’s se afastarem da atividade de compor e se apresentar, mas ainda assim temos um público considerável, embora falta investimento.

O que te inspira na hora de compor um som? A urgência que sinto em abordar determinado assunto sobre o qual eu já tenha refletido ou por uma experiência que já tenha passado. Muitas vezes também me inspiro nos momentos em que estou sozinho, que é quando tenho mais tempo para pensar e escrever.

O que é mais difícil: interpretar ou compor? Dependendo da apresentação é mais difícil interpretar, pois é fácil quando as ideias estão somente no papel e você só se preocupa em qual instrumental usar. Já numa apresentação é necessário se atentar se o som está bom, se não vou gaguejar ou algo do tipo.

Quem te influencia? Minhas influências são variadas, procuro ouvir muita música e de cada gênero musical consigo extrair conhecimento para compor novas canções. Tenho como referência vários grupos e rappers nacionais e internacionais, como Sabotage, Racionais Mc’s… Dos internacionais eu me identifico muito com o Eminem. Uma das minhas maiores inspirações para fazer música independentemente do gênero foi a banda Charlie Brown Jr., pois suas músicas têm aspectos do Rap, Rock, Reggae, etc.

Qual das músicas que você já compôs é a sua preferida? A música “Pelo Menos uma Vez”, pois tem uma letra muito espirituosa e com ideias impactantes. Também por que escrevi quando estava muito triste com a resposta que eu tinha para as ideias positivas que lançava e depois de gravada e divulgada, as coisas começaram a ser diferentes, pois as pessoas que ouvem entendem realmente. Pude tirar essa conclusão no Festival de Hip-Hop de 2012 quando a apresentei pela primeira vez, pois além de ter tirado uma pontuação elevada a resposta do público foi satisfatória.

Além de Rap, você compõe outros estilos? Sim, por ser eclético e “arranhar” alguns instrumentos, acabo compondo também em outros gêneros ou também agregando suas características ao meu Rap. Acho que isso é importante, pois tenho a concepção de que além de Mc, sou músico, tenho necessidade de fazer música e gosto de experimentar outras propostas.

Qual o seu sonho? Meu sonho é abrir meu estúdio de gravação e trabalhar somente com música, me dedicar inteiramente a isso, pois sei que foi para isso que nasci. Reconheço a importância da música no contexto social e pretendo organizar ou trabalhar voluntariamente em projetos que incluam a música na educação de jovens e crianças. Já tive a oportunidade de me apresentar e palestrar em algumas escolas e também trabalhar como voluntario em um evento de Dia das Crianças, através da IEFAN (Instituição Evangélica Filadélfia de Artur Nogueira). Experiências que para mim são realmente gratificantes.

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