05/11/2012

ENTREVISTA: Aos 100 anos, Ricardo Berni relembra vida e Artur Nogueira

Nogueirense completou 100 anos de idade na última segunda-feira

 “Tem muita gente por aí que mal tem cinquenta anos e acha que a vida está acabando” (Ricardo Berni)

Texto: Alex Bússulo / Produção: Quézia Amorim  / Fotografia: Renan Bússulo

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O que determina uma boa vida? Dinheiro, fama, saúde ou família? O que é preciso para ter felicidade? São perguntas como estas que nos fazem refletir sobre o verdadeiro significado de nossa existência.

Como já dizia o escritor irlandês Oscar Wilde: “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”. É uma frase simples e curta, mas com uma enorme sabedoria. O fato é que a vida acontece todos os dias – com alegrias, tristezas, surpresas e decepções.

Uma pessoa que entende muito bem sobre esse tema é um antigo morador do município ‘Berço da Amizade’. Nascido há um século, Ricardo Berni coleciona histórias vividas que se cruzam com o desenvolvimento de Artur Nogueira.

A entrevista desta semana foi gravada na tarde da última terça-feira (30) na casa de um sobrinho de nosso entrevistado. O conteúdo da conversa você acompanha a seguir.

O nogueirense nasceu de parteira no dia 5 de novembro de 1912, no sítio São João dos Pinheiros, que na época pertencia a Cosmópolis e, que hoje, se localiza um pouco mais adiante do Jardim Carolina, em Artur Nogueira. “Naquela época, não havia essa coisa de médico e hospital. Nascíamos todos em casa mesmo. Foi assim comigo e com todos os meus nove irmãos”, relembra o senhor Berni.

Filho dos italianos Raimundo Berni e Maria Tapparo, o nogueirense aprendeu cedo o valor do trabalho e da família. Aos oito anos de idade, participou da primeira turma da ‘Escolas Reunidas de Artur Nogueira’, que anos mais tarde passaria a chamar ‘Grupo Escolar Francisco Cardona’, onde atualmente está o prédio desativado da Biblioteca Municipal, no centro da cidade. “Confesso que eu não gostava muito de estudar. Não era muito bom nem com as palavras, nem com os números. Era uma época diferente da atual. O professor era bravo, batia nos alunos com a régua sem dó. Mas, pela bagunça que fazíamos, acho que merecíamos”, relembra.

Como o próprio senhor Berni conta, os estudos funcionavam de forma diferente. Os alunos iam para a escola às 11 horas e ficavam no local até às 16 horas. A professora ensinava o básico aos alunos: as quatro operações matemáticas, ler, escrever, além de conhecimentos gerais. “Todo dia acordava cedo e ia ajudar meu pai na roça. Quando voltava da escola ia trabalhar de novo. Estudei até meus 13 anos de idade, depois só me dediquei ao trabalho”, afirma o nogueirense.

Prestes a completar cem anos de idade, Ricardo Berni diz que sua melhor fase na vida foi na adolescência. Confessa que namorou cerca de 30 mulheres. “Eu nunca fui tão bonito, mas namorei muito quando era jovem. Tiveram vezes que cheguei a namorar cinco ao mesmo tempo”, relembra rindo dos momentos. “Mas o namoro daquela época era bem diferente de hoje. Eu ia até Mogi Mirim a cavalo e dançava nos bailes a noite toda. Meu pai ficava muito bravo comigo, não gostava muito das minhas andanças”, recorda.

Mas o verdadeiro amor chegou aos 24 anos de idade. Foi pela, também descendente de italianos, Odilla Furim que o jovem Ricardo Berni se apaixonou e decidiu conviver. No dia 31 de outubro de 1936 aconteceu a cerimônia da união do casal. “Casamos pontualmente ao meio-dia. Às duas horas da tarde pegamos o trem e fomos direto para São Paulo”, conta.

E foi assim mesmo. Casaram na hora do almoço e foram para a capital sem fazer nenhuma festa. “Não pensávamos em gastar dinheiro com festa. Eu já havia ido para São Paulo algumas vezes, mas para a Odilla era a primeira vez”, conta o senhor.

O casal passou a lua de mel na maior cidade do país, visitaram vários pontos turísticos, mas um ficou guardado em especial na memória: “O cemitério! Como estávamos na semana do feriado de Finados, fomos até o cemitério de São Paulo e passamos o dia lá”, relembra.

Quando falamos que o senhor Berni testemunhou a história e o desenvolvimento do progresso de Artur Nogueira não estamos exagerando. Prova disso é que ele conheceu pessoalmente duas figuras marcantes de nosso município. É bom destacarmos que, talvez, este nogueirense possa ser a única pessoa viva nos dias atuais que tiveram o prazer de ter esses contatos. Estamos nos referindo ao Major Arthur Nogueira e ao Doutor Fernando Arens Júnior. “Conheci os dois. E me lembro perfeitamente deles. O Arthur Nogueira era um homem baixinho e gordo com um bigodão enorme. Já o Fernando Arens era mais alto e magro, mas também tinha bigode. Eram dois homens importantes, com contatos com governantes e até com o presidente da República, mas que sempre estavam por essas terras”, relembra.

O senhor ainda faz questão de incluir outro personagem durante a entrevista. “Convivi muito com o Severino Tagliari, que foi eleito o primeiro prefeito de Artur Nogueira, em 1949. O Severino era meu amigo, conversávamos muito. Naquele tempo a cidade de Artur Nogueira não tinha mais do que 500 eleitores”, afirma.

Mas a resposta é sempre negativa quando perguntamos se Berni nunca se interessou por Política – diz em poucas palavras que nunca levou jeito para a “coisa”. “Sempre trabalhei muito. Tive amigos que entraram para a Política, mas nunca achei que era coisa para mim. Políticos bons são raros”, alega.

Berni tem muitas recordações bonitas do município. Em um século de vida conquistou amigos e histórias que ficaram para sempre na memória. “Tive a oportunidade de conhecer a cidade em uma época em que não havia nada por aqui. Era só pasto e plantação. Vivíamos em uma grande fazenda dividida em algumas poucas vilas”, conta.

Após o casamento, Ricardo e Odilla tiveram um único filho, o Leonardo. Questionado o porquê de apenas um herdeiro, senhor Berni afirma que preferiu ter um e dar a educação necessária que podia dar na época, ao invés de “colocar muitos no mundo e não poder criar”. Leonardo deu duas netas à Berni.

O nogueirense chega aos cem anos de idade com uma saúde de ferro e sem precisar tomar nenhum tipo de remédio. Gosta de acordar cedo e sempre teve uma boa alimentação. “Meu almoço sempre foi arroz, feijão e verdura. Nunca fui de comer porcariada”, conta. Ele ainda diz que foi fumante e gostava de beber quando era mais jovem, mas após um conselho de um médico decidiu abandonar os vícios. No entanto, confessa que ainda nos dias de hoje gosta de tomar uma cervejinha de vez em quando.

Outra coisa que sempre despertou a atenção do nogueirense foi a paixão por dirigir. Aprendeu cedo a habilidade. “Tive que aprender, pois tinha que dirigir o caminhão da família”, relembra. Ricardo Berni conseguiu renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) há seis anos, quando tinha 94 anos de idade. “Sempre gostei de ser independente. Dirigir para mim foi uma grande satisfação. Hoje não dirijo mais porque minhas pernas doem”, afirma.

Falar de família para o senhor Berni é relembrar situações que ainda emocionam o aposentado. Dona Odilla faleceu em 2001, aos 85 anos de idade, vítima de um derrame cerebral. Três anos mais tarde o filho também se foi. Aos 60 anos de idade, Leonardo morreu após enfrentar uma doença no fígado. “A perda da minha mulher e do meu filho foram as coisas mais tristes que ocorreram em minha vida. Eles eram o que eu tinha de mais valor. Sinto muita falta deles”, afirma.

Talvez o segredo para a vitalidade do nogueirense é a fé que ele tem em Deus. Todos os dias, rigorosamente, assiste pela televisão a transmissão da missa. Antes de se levantar também faz questão de rezar o rosário. “Deus é grande. Sem Ele não somos nada”, alega.

Antes de finalizar a entrevista partimos para uma pergunta que é mais difícil de perguntar do que de responder: O senhor esperava viver mais do que cem anos? – perguntamos. A resposta vem com um sorriso discreto: “Minha vida passou rápido. Deveria ter aproveitado mais. Não me arrependo de nada do que fiz, pois tenho a consciência de que nunca fiz mal para ninguém”, confessa. O aposentado completa: “Quase todo mundo que eu conhecia já morreu. Metade do cemitério é de pessoas que conviveram comigo. Mas eu não penso em morte. Minha vida está nas mãos de Deus. O tempo que Ele me der eu estarei satisfeito. Tem muita gente por aí que mal tem cinquenta anos e acha que a vida está acabando”, conta o senhor Berni.

Finalizamos a entrevista dando quase duas horas de conversa. Antes de sairmos recebemos um convite inesperado de Berni: “Vamos até a minha casa?”. Nossa equipe estava composta por três profissionais (entrevistador, fotógrafo e produtora) todos fizeram questão de aceitar o convite do entrevistado.

Saímos da casa do sobrinho de Berni, atravessamos a rua e adentramos a residência do aposentado. Encontramos uma casa grande, espaçosa, com tudo no devido lugar. Perguntamos a ele o que a vida lhe ensinou. A resposta, pausada e calma, traz uma grande lição: “Aprendi que a família é a coisa mais importante que um homem pode construir na vida”. Hoje, embora tenha uma boa casa no centro da cidade, mora com o sobrinho. “Minha casa é bonita e grande, mas isso não adianta mais nada”, afirma.

Ficamos alguns minutos e nos despedimos do centenário. Antes de sairmos pelo portão, uma última frase do senhor Berni acompanhada de um sorriso: “Gostei de conversar com vocês. Voltem outras vezes”, finalizou.

E mais uma vez voltamos a pergunta inicial deste texto: o que determina uma boa vida? Dinheiro, fama, saúde ou família? O que é preciso para ter felicidade? O senhor Berni respondeu a essas perguntas melhor do que qualquer outra pessoa. Sábio ele.


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