01/10/2011

ENTREVISTA DA SEMANA: Renato Mancinelli

Conheça o idoso que mais luta por Artur Nogueira

Alex Bússulo

Em homenagem ao Dia do Idoso, comemorado em 1º de outubro, precisávamos encontrar alguém que retratasse uma história bonita e inspiradora. Marcamos algumas reuniões com a equipe e partimos para a ‘caça’. O resultado você já pode notar. Renato Américo Moreira Mancinelli, um senhor de 74 anos que todos os nogueirenses deveriam conhecer. Não pela história ou pelo fato de ser um velhinho bondoso. Pelo contrário, este homem vive incomodando muita gente por aí. Mas ele não está preocupado com as críticas. Vive ocupado, e muito, se preocupando com um assunto que todos deveriam se preocupar: melhorar a sociedade. Do seu jeitinho calmo e tranquilo conhecemos um Renato que não gosta de ficar parado e seu trabalho é o que o mantém vivo.

Mancinelli nasceu em São Paulo, cidade que viveu boa parte de sua vida. Foi técnico em Eletrotécnica e professor de oficina elétrica por 12 anos.

Mora em Artur Nogueira há 15 anos, onde vive com a companheira Lucila da Cunha. Tem três filhos e quatro netos.

Aposentado, atua como presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Artur Nogueira (Conseg), cargo que assume com muito comprometimento e seriedade.

Em uma conversa de quase duas horas, Renato nos conta sobre sua vida, a paixão em ajudar a sociedade e sobre coisas que ele não consegue tolerar. Acompanhe.

Hoje nós temos um Renato que procura resolver os problemas da sociedade, que conversa com todo mundo, mas nem sempre foi assim, não é mesmo? No começo de minha vida eu sempre tive muita dificuldade em me relacionar com as outras pessoas, por causa do tipo de educação que eu recebi, sempre muito preso, muito amarrado, sofri muito Bullying na escola, tinha muita dificuldade em me manter em um emprego, não conseguia tolerar nada, se um patrão me falava alguma coisa que eu não gostava imediatamente eu pedia demissão. Tive uma educação extremamente rígida, patriarcal. Qualquer coisa que eu fazia era motivo para levar surra de deixar marcas no corpo.

Boa parte de sua vida o senhor morou na grande São Paulo. Como foi que descobriu Artur Nogueira? Por parentes da esposa que já moravam aqui. Queria viver em um lugar mais tranquilo, eu com a minha mulher buscávamos mais sossego. Quando encontramos esta cidade percebemos que aqui seria um ótimo lugar para viver.

O que mais marcou sua vida? O dia em que mais ficou marcado em minha vida, que eu fiquei bobão de tudo, foi quando meu primeiro filho nasceu. Eu fiquei nas nuvens. Depois vieram as outras duas filhas, também fiquei muito feliz, claro, mas o primeiro marcou muito. Ser pai é algo inexplicável.

Você frequenta alguma Igreja? Fui criado na Igreja Batista, hoje eu me considero apenas um cristão. As pessoas retalham muito a Igreja. Muitos abrem igrejas com o intuito comercial, menos o de servir a Cristo. Confesso que como evangélico me sinto muito decepcionado. Eu costumo dizer que a sociedade estaria muito melhor se as Igrejas assumissem a responsabilidade de praticar o evangelho. Elas deveriam procurar as pessoas problemáticas e tentar ajudar. Tentei muito, como presidente do Conseg, fazer esse tipo de parceria, mas não deu certo. A grande maioria das Igrejas está preocupada em atrair gente bonitinha, cheirosinha, bem arrumada, que não dão problemas e que, de preferência, dê boas ofertas. As Igrejas deveriam se preocupar com os piores da sociedade. Mas eu também sou drástico, existem aqueles sujeitos que não querem ser ajudados e causam danos à sociedade, esses já estão perdidos…

O senhor é a favor da Pena de Morte? Eu sou, mas quando ela é o último recurso. Temos que dar todas as oportunidades às pessoas. Tem gente que é nociva e perigosa para a sociedade.

Ela contribuiria para uma sociedade melhor? Ela diminuiria os problemas. Se você analisar, a maioria dos assassinos são aqueles que ou fugiram da cadeia ou foram colocados legalmente para conviver com a população. É quase como fazer uma escolha, uma vai ter que morrer: uma pessoa boa ou uma pessoa nociva à sociedade. Tem gente ruim mesmo que não tem mais jeito, essa ação diminuiria a violência. Temos presos, somente no estado de São Paulo, mais de 170 mil pessoas. Um custo elevado para a sociedade e as pessoas de bem que pagam por isso. Tem muita gente que não pode estar em convívio social. Digo mais uma vez, as Igrejas devem fazer de tudo para tentar salvar as pessoas do crime, se ajudar aqueles que mais precisam vamos precisar cada vez menos da polícia, do judiciário.

De quem é a principal responsabilidade da Educação de uma criança? É dos pais, mas o Estado fica querendo atropelar, inclusive com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em que diz que uma criança não pode trabalhar. Eu acho que em algumas ocasiões essas leis acabam prejudicando. Uma criança pode trabalhar como aprendiz a partir dos 14 anos. Lógico que não podemos generalizar. Colocar uma criança na exploração não é justo. Eu sou a favor que as crianças dos dias de hoje se ocupem fazendo algo de útil. Trabalhar em uma empresa da família, que traga benefícios educacionais e sociais eu não vejo problema. Hoje, vemos por aí crianças de todas as idade nas ruas, se perdendo nas drogas porque essa foi a única oportunidade que a sociedade deu para elas.

Como o senhor vê essa questão das drogas? A expectativa é piorar cada vez mais e isso me desespera muito. Parece que a sociedade não está nem aí para o problema. São poucos aqueles que lutam contra esse mal. As delegacias de policias estão todas sucateadas pelo Estado, mas fazem o que podem. Se a sociedade não se mobilizar estaremos todos perdidos, porque as drogas já estão fora do controle. Cada um tem que assumir a responsabilidade de melhorar o mundo em que vive. Eu faço a minha parte, se resolve eu não sei, só sei que quando eu for prestar conta para Deus estarei com o coração limpo e poderei dizer: ‘eu fiz a minha parte, não consegui, mas tentei’.

O senhor é contra dar esmolas? Sem dúvidas! Dar esmola humilha a pessoa que recebe. Se é uma pessoa incapaz de se manter, tudo bem, nesse caso ela deve ser assistida, é obrigação da Igreja, da sociedade ajudar, dando uma cesta básica, coisas do tipo. Agora, dar dinheiro nas ruas, sem saber e conhecer as pessoas eu acho completamente errado. Não ajuda em nada. Pelo contrário, quando a gente dá dinheiro para alguém estamos incentivando a pessoa a ganhar dinheiro fácil. Isso é vagabundagem. Temos que trabalhar a autoestima das pessoas.

Mas não dá pena quando vemos um senhor pedindo uma contribuição para comprar comida ou remédio? Olha, pode até dar pena, mas se darmos dinheiro estaremos incentivando ele a ficar na vagabundagem. A maioria daqueles que pedem esmola nas ruas é vagabundo mesmo. Eles bem que poderiam estar fazendo alguma coisa ou então se realmente não tem condições deveriam estar sendo assistidos por alguma instituição. Se as pessoas querem contribuir dando dinheiro, que faça isso a alguma associação assistencial.

Já que estamos falando neste assunto, como o senhor vê a questão dos flanelinhas, que vivem pedindo dinheiro para cuidar dos carros na feira de domingo? Já faz mais de 10 anos que eu venho combatendo isso. A maioria desses garotos tem mãe e pai em casa que dão o sustento para a casa, então não há necessidade da esmola. Outra coisa, essas crianças estão aprendendo a ganhar dinheiro da maneira mais fácil. E o fim deles, vendo os exemplos de cidade maiores, será a cadeia ou o cemitério. Eles não estão fazendo nenhum serviço em prol à sociedade. Pede esmola na cara dura, disfarçados de utilidade. Eles enganam a população, dizem que estão cuidando dos veículos, mas e se chegar um bandido e querer roubar o carro, o que eles vão poder fazer? Sem contar que eles estão fazendo algo ilegal, porque eles estão loteando um espaço público.

Como se resolve essa questão? Essa situação tem vários culpados. Ultimamente, a Guarda Civil Municipal abraçando sugestão do Conseg, começou a fazer panfletagem na feira com intuito de conscientizar as pessoas a não dar esmola para essas crianças e o que vimos foi que tivemos um retorno positivo, percebemos que houve uma diminuição dos casos. O importante é a população se conscientizar que somos os responsáveis pelo futuro dessas crianças.

Por que as pessoas não se importam muito com a sociedade? Porque são muito egoístas! E vou além, acho que elas são burras, porque não percebem que ajudando o próximo elas estão se ajudando também. O pensamento deve ser: se o meu vizinho for um bandido ele vai me atacar. Mas ninguém pensa assim. Só se preocupam quando alguma desgraça próxima a elas acontece.

Você também já foi professor em uma escola técnica. Como vê essa profissão atualmente? Eu li uma vez no Nogueirense uma reportagem sobre a agressão feita a um aluno pelos próprios colegas. O que me deixou mais angustiado foram os comentários dos leitores. Mães e pais culpando os professores, a escola, um verdadeiro absurdo. Não podemos transferir a responsabilidade de educar. Teve gente lá que escreveu que os professores não cuidavam dos alunos. Mas como? Tem pais por aí que não conseguem cuidar nem de um filho direito, imagine a missão do professor, que é educar mais de 40! Não podemos fechar os olhos e dizer que não é problema meu ou seu. O problema é de todos e só será resolvido quando todos se mobilizarem.

Você acha que os professores estão desmoralizados? Completamente. É claro que existem professores que não estão no lugar certo, que não nasceram para a coisa e tal. Professor bom é aquele que gosta do aluno e que contribui para o aluno crescer. Os professores são desmoralizados muitas vezes pelos próprios pais dos alunos, as autoridades também desmoralizam pagando aquele salário vergonhoso.

O senhor não vê esperança? Sinceramente, não. Os jovens estão por aí enchendo a cara e a sociedade permite que isso aconteça como se isso fosse normal. Todas as festas em Artur Nogueira tem bebida alcoólica, um verdadeiro câncer em nossa comunidade. Eu enfrento a realidade, mesmo já tendo recebido ameaças de morte. Não sou covarde como muitos, nem que isso custe a minha vida eu jamais abrirei mão de lutar por aquilo que eu acredito.

O senhor é uma pessoa realizada? Sinto-me realizado em duas coisas: como pai, pois criei e eduquei três excelentes filhos, todos são muito melhores do que eu e me deram quatro netos que estão indo todos pelo mesmo bom caminho. Segundo, me sinto muito bem realizado também profissionalmente, fiz um bom nome como profissional. Como comerciante sou um desastre, não sei vender nada, nem meus serviços [risos]. Como voluntário que não me sinto realizado, pois o retorno a todo esforço investido tem sido muito baixo, a meu modo de ver. Como agora me dedico somente a servir à comunidade, nesse aspecto não me considero realizado.

Qual é a maior dificuldade que o Conseg enfrenta? Como já disse, em primeiro lugar é o desinteresse da comunidade que precisa aprender a participar para ajudar a solucionar os problemas de segurança de sua cidade, a começar pela segurança de sua própria casa; em segundo o relacionamento das autoridades políticas com a comunidade, que demonstra não saber praticar governança participativa. Essa situação fica clara quando procuramos alguma autoridade para solucionar um problema e nos vemos no meio de um jogo de empurra-empurra no qual o cidadão não tem seu problema resolvido. Mas a população em geral costuma ter culpa nessa situação por dois motivos: não aproveita as oportunidades que tem participando de reuniões de Conselhos do Município; e não cobra persistentemente das autoridades o atendimento que tem garantido por lei.

Renato, o senhor tem 74 anos de idade, é economicamente bem resolvido e tem uma família que o ama. Nunca pensou em abandonar tudo e ir curtir a vida, assim como quase todo mundo faz, sem se preocupar com os demais? Sempre gostei de trabalhar. Se você quiser que eu morra é só me impedir de fazer o que eu faço. Eu sou assim, igual a uma bicicleta, preciso estar sempre em movimento, porque se não eu caio. Não é fácil fazer o que eu faço. Minha mulher não gosta muito do meu envolvimento com o Conseg, meus filhos temem que eu sofra algum tipo de violência devido as denúncias que eu vivo fazendo, enfim, motivos não faltaram para que eu abrisse mão de tudo, mas o ideal fala mais alto dentro de mim. Essa foi a educação religiosa que eu tive, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Eu aprendi assim.

Qual é o seu sonho? Olha… [pensativo] Nessa altura da vida a única coisa que eu espero é a minha salvação. Porque, com toda a sinceridade, eu não acredito que este mundo vá melhorar [emocionado]. Eu faço a minha parte para piorar mais devagar. Fico indignado com o monte de velho que fica em praça pública jogando baralho, sem fazer nada, enquanto poderiam estar fazendo algo de útil para a sociedade. O que eles estão fazendo lá? Esperando a morte chegar? Uma vida completamente inútil. Não me conformo com isso. Não vou ficar jogando cartas ignorando a realidade que estamos vivendo.

Você acha que as pessoas deveriam aproveitar mais a vida? É, aproveitar a vida sendo útil para a comunidade. Se cada um resolvesse descruzar os braços e fizer pelos menos alguma coisa de melhor nosso mundo seria outro.


Comentários

Não nos responsabilizamos pelos comentários feitos por nossos visitantes, sendo certo que as opiniões aqui prestadas não representam a opinião do Grupo Bússulo Comunicação Ltda.