08/09/2012

ENTREVISTA DA SEMANA: Policial Clailson Vitória

Instrutor do Proerd fala sobre programa, drogas e educação

“O diálogo é o maior inimigo das drogas” (Clailson Vitória)

……………………….

Entrevista: Alex Bússulo / Produção: Myllena  de Luca / Fotografia: Renan Bússulo

Ele nasceu em Campinas e se mudou com a família em um sítio localizado no Bairrinho, em Artur Nogueira, quando tinha apenas quatro anos de idade. Com o jeito tímido e mais reservado descobriu cedo que queria ser policial militar.

Aos 10 anos de idade veio para a cidade, se mudando para o Jardim Planalto, onde terminou o Ensino Médio, na Escola Estadual Magdalena Sanseverino Grosso.

Trabalhou na indústria de brinquedos Bicolor até os 17 anos e, ao completar 18 anos de idade, prestou o concurso para a Polícia Militar, onde passou e começou a trabalhar na corporação. Por um período de oito meses deixava o município e ia trabalhar em Americana. Em 1991 conseguiu transferir-se para Artur Nogueira. Em 2008 concluiu e se formou em Direito, pelo Instituto Superior de Ciências Aplicadas (Isca). É casado com Raquel Cordeiro e tem duas filhas: Verônica e Raíssa. Está na corporação há 22 anos, sendo 12 anos dedicados ao Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd).

Quando foi que você percebeu que poderia ser um policial? Para falar a verdade, foi uma abordagem policial que mexeu comigo pela primeira vez. Eu estava voltando para minha casa quando fui abordado por uma viatura. Na ocasião, o miliciano, de arma em punho, começou a gritar comigo, como se eu estivesse fazendo algo de errado. Não houve violência, mas fiquei assustado com a abordagem, pois até então nunca havia sido abordado pela polícia. Sempre fui uma pessoa de bem e sentia que não merecia ser tratado da maneira como fui abordado. Foi depois dessa abordagem que comecei a pensar em minha vida como PM. Pensava que se um dia fosse policial iria tratar as pessoas de maneira bem diferente comparada com aquela abordagem, seria mais profissional e respeitável.

Como foi que entrou para a corporação? Foi por influência de um vizinho, que trabalhava como policial militar. Ele chegou em mim e disse que as inscrições para a PM estavam abertas. Fui para Campinas, prestei o concurso e fui passando todas as etapas. Fiz o curso e, em aproximadamente um ano, me formei e comecei a trabalhar em Americana, onde fiquei por cerca de oito meses. Em 1991 tive a oportunidade e comecei a trabalhar em Artur Nogueira.

Quando foi que o Proerd entrou em sua vida? De 1991 até 1999 trabalhei no plantão policial, fazendo ronda pelas ruas de Artur Nogueira. No final deste período recebemos um e-mail solicitando que algum policial fosse voluntário do programa. Eu e o soldado Guimarães nos interessamos e nos inscrevemos no Proerd. Fizemos o curso e fomos aprovados. Foi neste curso que me vi ainda mais apaixonado e entusiasmado pela profissão. Em 2002 fui promovido a Cabo e designado para trabalhar na Zona Sul de São Paulo, no Jardim Ângela, onde fiquei até o ano de 2005 e fui transferido para Sumaré, onde trabalhei por um ano na escolta de presos. Em 2006, retornei para Artur Nogueira e retomei os trabalhos como instrutor do Proerd.

Como foi esse curso? Foi um curso de 15 dias, com dinâmicas e palestras, que abordavam o problema das drogas e como nós, policiais e futuros instrutores, deveríamos lidar e transmitir as informações para as crianças e adolescentes. No final houve uma avaliação para ver se estávamos aptos para a função. Após a aprovação, no segundo semestre de 1999, dei início ao programa nas escolas de Artur Nogueira. Hoje, após quase doze anos de trabalho, sempre participo de um encontro anual com todos os instrutores do Proerd, onde recebemos uma atualização dos conhecimentos.

Como funciona o Proerd? O programa é realizado em encontros semanais, sendo uma hora por semana em cada sala de aula. A gente faz uma reunião com as diretoras e com as professoras, realiza um cronograma de visitas que será colocado em prática durante todo o semestre. Ao todo são dez semanas, onde trabalhamos em cada uma um tema diferente. Esta semana estamos no segundo encontro, onde estamos falando sobre os malefícios do cigarro. É bom destacarmos também que o Proerd é uma marca registrada pelo estado de São Paulo e reconhecida em todo o país. Muitos policiais de outros estados vêm para São Paulo para serem preparados pelo Proerd.

Como é a aceitação das crianças? Elas adoram. É um programa que aborda um assunto sério e importante, mas transmitido de forma descontraída. No primeiro encontro fazemos a apresentação do programa. Explicamos o que é e como funciona o Proerd. Também apresentamos o Dare, que é o nosso leão mascote. Tudo bem dinâmico e divertido. É nesse primeiro contato que aproveitamos para entregar as cartilhas, que vão acompanhar e auxiliar os alunos por todo o semestre.

Até alguns anos atrás, os alunos recebiam apenas um curso do Proerd, que acontecia na então quarta série do Ensino Fundamental. Diferente dos dias atuais, onde existe um segundo curso para os alunos mais velhos. Como é esse processo? De fato, até 2009 as crianças só tinham contato com o Proerd em um único semestre. Hoje, os alunos do sétimo ano voltam a fazer o curso. No primeiro encontro a gente apresenta um modelo de tomada de decisão, onde trabalhamos quatro situações diferentes. O primeiro encontro é mais reflexivo e didático. Já o segundo é mais técnico e detalhista, onde explicamos os malefícios das drogas ilícitas e lícitas. Essa segunda etapa foi criada justamente pelo aumento das ocorrências relacionadas às crianças e adolescentes envolvidos com drogas.

Você disse que o programa existe em Artur Nogueira desde 1999. De lá para cá, quantas crianças já foram atendidas? É só a gente fazer os cálculos. Por anos trabalhamos com cerca de 900 crianças. Essa quantidade multiplicada por doze dá um número próximo a onze mil crianças e adolescentes. Tenho orgulho em falar para qualquer pessoa que o Proerd fez a diferença na vida dessas crianças. Lógico que não podemos achar que o simples ato da criança passar pelo programa vai deixá-la livre das drogas. Acredito que fazemos 90% do trabalho. Os outros 10% é de responsabilidade da família.

Acredita que os pais estão mais preocupados com a questão das drogas? Sim. Eles estão mais atentos a esse problema. Sabem que muitas vezes que as drogas podem ser um caminho sem volta. Nenhum pai quer ver o filho perdido nas drogas. Hoje, tenho a felicidade de presenciar pais que querem a presença do Proerd nas salas de aulas. Às vezes acontece algo que acaba atrasando o início do curso e os pais já ficam cobrando. Isso é muito interessante.

O que leva uma criança a consumir drogas? Eu acredito que é a curiosidade. Claro que associada com a pressão de pessoas que se intitulam amigos. Muitos querem apenas experimentar para saber como é que funciona e é aí que está o maior perigo. Depois do primeiro contato é difícil a pessoa conseguir parar. Como instrutor do Proerd, nunca levo drogas para a sala de aula, justamente para não darmos atenção para o problema. Se levasse o entorpecente provavelmente teríamos um efeito contrário, pois estaríamos aguçando mais ainda essa curiosidade. Tudo é muito delicado.

Por que é importante falarmos sobre as drogas? Porque o problema está aí. Ele está em todos os lugares. Não adianta pensarmos que estamos livres dele porque não estamos. É necessário debatermos cada dia mais o assunto. Incluir o tema nas escolas, nas casas, nas igrejas e todos os locais que conseguirmos. O diálogo é o maior inimigo das drogas.

Como os pais podem contribuir para o combate às drogas? Como disse anteriormente, o Proerd é o responsável por uma parte desse combate. É necessário o trabalho e a participação dos pais nessa luta. E não adianta só a mãe ou o pai, individualmente, abordar o problema, tem que ser um trabalho dos dois, tanto do pai quanto da mãe. Tirar um tempo para uma conversa aberta sempre é um bom caminho. A Internet está aí, acessível a todos, os pais podem pesquisar sobre as drogas e conversar com os filhos a respeito dos perigos que elas causam.

Qual é a droga mais problemática em nossa região? Eu acredito que ainda são aquelas lícitas, como o álcool e o cigarro, por serem mais baratas e de fácil acesso. As bebidas alcoólicas são extremamente perigosas, assim como o cigarro, é um câncer em nossa sociedade. Elas servem como porta de entrada para outras drogas, como a maconha e o crack.

Hoje é proibido a venda de bebidas alcoólicas e cigarros para menores de 18 anos. Quem faz essa fiscalização em Artur Nogueira? Se nós, policiais militares, depararmos com a situação devemos agir de imediato por dever de ofício, assim como qualquer outro órgão, Guarda Municipal,  Conselho Tutelar, Fiscal de Postura e a Vigilância Sanitária, com  encaminhamento de dados para Delegacia de Polícia.

Normalmente cabe a Polícia Militar fazer um trabalho de retirada dos traficantes das ruas. O Proerd trabalha com a educação, para evitar que as crianças entrem em contato com os entorpecentes. O que é mais importante, educar ou repremir? Os dois são importantes. É um trabalho em conjunto. A PM tem que estar nas ruas retirando os criminosos que traficam e o Proerd tem que estar nas escolas prevenindo e alertando as crianças. Andamos de mãos dadas. Nos encontros, dentro das salas de aulas eu nunca entro armado. Deixo meu colete, arma e munições de fora, justamente para não criar um clima intimidador, afinal eu sou um amigo orientador, isso é o mais importante.

Gostou da entrevista com o Clailson? Sugira os próximos entrevistados! Clique aqui e participe. 


Comentários

Não nos responsabilizamos pelos comentários feitos por nossos visitantes, sendo certo que as opiniões aqui prestadas não representam a opinião do Grupo Bússulo Comunicação Ltda.