26/01/2013

ENTREVISTA: Idealizador da Comunidade Vida Melhor fala dos perigos das drogas

Pastor Cristiano Bervint

 “A arma mais importante que temos contra as drogas não é um cassetete ou um revólver. É o diálogo entre pais e filhos” (Pastor Cristiano Bervint)

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Alex Bússulo

A história de vida do nogueirense Cristiano Bervint é inspiradora. Nascido em Campinas, passou boa parte da infância em Artur Nogueira. De família bem sucedida, o jovem entrou cedo para o mundo das drogas. Era um garoto tímido, de poucas palavras. Mas a curiosidade e a ausência familiar acabaram por desviá-lo do caminho.

Sofreu na pele as consequências de ser um dependente químico. Foi internado pela própria família em várias clínicas de reabilitação social. Mas foi em Deus que encontrou o verdadeiro significado da vida.

Entrou em uma comunidade religiosa que reabilitava usuários de drogas por vontade própria. Se libertou e reconstruiu a vida. Casou-se e cursou faculdade de Teologia. Depois de ter pastoreado nas cidades de Araras, São Joaquim da Barra e Mairiporã, retornou para Artur Nogueira em 2008, onde assumiu a frente da Igreja Missão e Vida.

Mas os planos de Cristiano foram além. O pastor criou e dirige até os dias de hoje a Comunidade Vida Melhor, que acolhe e reabilita moradores de rua e usuários de drogas, no bairro rural da Ponte de Tábua, localizado em Artur Nogueira.

Na entrevista desta semana, o pastor fala sobre os problemas das drogas e como resolver este problema que afeta milhões de famílias brasileiras.

De onde surgiu o propósito de ajudar os mais necessitados? Fui um usuário de drogas. Comecei aos 13 anos de idade. Minha família sempre foi bem sucedida financeiramente. Meus pais trabalhavam muito. E, muitas vezes, acabavam não tendo muito tempo para o filho. Eles supriam essa ausência com presentes. Ganhei meu primeiro carro assim que completei 18 anos de idade. Mesmo com todo esse conforto, entrei para este triste mundo. Por curiosidade, influência daqueles que se diziam serem meus amigos, enfim, eu era um garoto muito tímido. No começo, minha própria família me internou em alguns lugares de reabilitação, mas foi Deus quem realmente me libertou deste mal. Em uma ocasião fui abordado por uma pessoa em Cosmópolis que me apresentou uma comunidade que transformou minha vida. Me recuperei, construí uma maravilhosa família e me formei em Teologia. Hoje, me dedico para ajudar aqueles que precisam, assim como eu no passado.

Foi nesse período que foi criada a Comunidade Vida Melhor em Artur Nogueira? Depois de morar um tempo em Araras, retornei para Artur Nogueira com a minha família em 2007. Estava despertado com um grande desejo de instituir um espaço físico para acolher moradores de rua. Queria um local que abrigasse os necessitados, oferecendo moradia provisória, além de assistência médica, instrutiva e educacional. Tudo sem distinção de cor, credo ou política. Em abril de 2010 comuniquei a igreja, a qual estou como pastor, do propósito que Deus havia assentado em meu coração e que buscava pessoas para ajudar a compor a diretoria, através de uma assembleia, fundamos a Comunidade Vida Melhor.

Qual é a proposta da Comunidade? Nossa proposta é acolher e garantir proteção integral, oportunizar percepção e o fortalecimento de identidade e interesse comum por parte dos usuários, restabelecendo vínculos familiares e sociais, trabalhando com as famílias, possibilitando a convivência comunitária, promover acesso à rede sócio-assistencial, aos demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos e às políticas públicas setoriais. Nossa missão é favorecer o surgimento e o desenvolvimento de aptidões, capacidades e oportunidades para que os indivíduos façam escolhas com autonomia, promover acessos a programações culturais, de lazer, esporte e ocupacionais internas e externas, relacionando-as a interesses, vivências, desejos e possibilidades do público atendido. A proposta da comunidade visa também a capacitação, qualificação e requalificação profissional, encaminhando-os ao mercado de trabalho. Em casos crônicos encaminhamos os pacientes para a unidade da cidade de Leme – SP.

Quais atividades são desenvolvidas no local? Além de acolher, abrigar, alimentar e transportar, a comunidade oferece atividades para diminuir a ociosidade gerada pela espera de algo a ser alcançado como o estado de origem. As atividades realizadas são: socioeducativas, aconselhamento, orientações sobre os direitos, confraternizações, comemorações de datas cívicas e aniversários, trabalhos manuais, atividades lúdicas e, claro, apoio espiritual.

Como a entidade se mantem financeiramente? Atualmente a comunidade se mantém através de doações das igrejas, empresas privadas e doações diversas. Os recursos também são provenientes de campanhas e alguns eventos realizados pela comunidade. Esperamos conseguir uma subvenção municipal para contribuir como parte do sustento da comunidade, como equipe técnica, entre outros investimentos.

Boa parte das pessoas que são atendidas pela comunidade são usuárias de drogas. Como o senhor vê esse problema social? O números de usuários de crack no Brasil cresce a cada dia. Em 2011 eram cerca de 1,2 milhão de usuários. Em 2012 este número saltou para dois milhões. Infelizmente falar de droga ainda provoca um certo desconforto no seio da população, pois para muitos é um problema complexo, rodeado de preconceitos. Mas é de extrema importância tratarmos desse assunto. O consumo de droga é uma problemática que traz consequências no qual os consumidores não conseguem ter essa percepção. A dependência, o desemprego, o isolamento social e afetivo, a degradação das famílias, criminalidade e o crescente aumento da lotação nas prisões são consequências de que a sociedade é responsável pela sua prevenção, uma vez que a dependência é um problema social.

De quem é a responsabilidade do problema das drogas? Meus pais sempre dizem que na época de infância deles os filhos tinham que trabalhar para ajudar em casa. Hoje, no Brasil, isso é crime. Adolescente não pode trabalhar mesmo que ele queira. Ou seja, eles podem roubar, matar, traficar, pois não serão presos. Ficam ociosos demais, o que leva na maioria dos casos ao usos das drogas. Quando você me pergunta de quem é a culpa, penso que seja dos pais, do sistema e da sociedade em geral. Temos que rever alguns conceitos, como por exemplo o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Qual é o papel da família no combate às drogas? Os pais devem orientar os filhos desde os primeiros anos de vida, não adianta esconder, pois as drogas estão instaladas em toda nossa sociedade. A prevenção começa com os pais e as famílias, e requer o apoio das escolas e das comunidades. A arma mais importante que temos contra as drogas não é um cassetete ou um revólver. É o diálogo entre pais e filhos. Os pais podem prevenir o uso de drogas, sentando com os seus filhos e conversando de forma honesta e aberta sobre os perigos das drogas para a vida e os sonhos dos jovens.

Como os pais devem falar sobre as drogas para os filhos? O primeiro grande problema que se apresenta nessa questão é que frequentemente os jovens são mais informados a respeito de drogas do que os próprios pais. Quando forem falar de drogas, os pais devem se basear em substâncias que eles realmente conheçam, como por exemplo, o álcool ou tranquilizantes. Os pais em geral têm mais dificuldade em falar sobre drogas ilegais, mas grande parte das informações a respeito de drogas legalizadas, como o álcool e tranquilizantes, tende a ser igualmente válida para as ilegais.

E quando os pais não têm conhecimento sobre esse assunto? Seria aconselhável que os pais pudessem adquirir conhecimentos básicos sobre as principais substâncias de uso e abuso em nosso meio, para que não transmitam informações sem fundamento ou preconceituosas, como são habitualmente veiculadas em jornais, revistas, televisão, etc. Não há problema algum no fato de os pais admitirem perante os filhos o seu desconhecimento a respeito de drogas, quando for o caso. Relacionamentos familiares sólidos são mais importantes do que o conhecimento que os pais têm sobre drogas. Se no decorrer de anos de convivência as relações familiares forem bem constituídas e solidificadas, dificilmente o uso de drogas irá se tornar um problema. Por outro lado, se a qualidade dos relacionamentos for precária, os pais deverão ficar atentos não apenas ao problema das drogas, mas também a outros aspectos da vida familiar. Infelizmente, quando isso acontece, os pais nem sempre têm consciência do distanciamento que existe entre os membros da família. É frequente que nessas circunstâncias os pais assumam atitudes autoritárias perante os filhos, aumentando ainda mais essa distância. Diante dessas dificuldades, os pais devem recorrer a outras pessoas que possam ajudá-los.

O cigarro e o álcool são considerados drogas lícitas. Isso quer dizer que eles são menos perigosos? De forma alguma! O álcool é uma das piores drogas, pois é a causadora da maioria dos acidentes automobilísticos. Cerca de 70% dos acidentes é uma consequência do uso e abuso do álcool. O cigarro por sua vez causa muitas doenças como câncer, enfisema pulmonar, impotência sexual, entre outras doenças crônicas.

Qual é a droga mais perigosa que existe? Vou falar das dez drogas mais perigosas do mundo segundo uma pesquisa do Comitê Cientifico Independente para drogas da Grã-Bretanha. O estudo levou em consideração os danos para o usuário, como mortes causadas direta ou indiretamente pelas drogas, além de dependência e perda de relacionamentos. Os danos para os demais incluem criminalidade, dano ambiental, conflitos familiares, danos internacionais, custos econômicos e prejuízos à coesão comunitária. Por ordem, são elas: (1) álcool, (2) heroína, (3) crack, (4) metanfetaminas, (5) cocaína, (6) tabaco, (7) anfetaminas, (8) maconha, (9) benzodiazepínicos e (10) ketamina.

O senhor é a favor da legalização da maconha? Não posso ser a favor de algo que traga malefícios a sociedade e a própria pessoa que a utiliza. Sou a favor da vida e não da morte.

Começou a funcionar nesta semana, em São Paulo, o serviço que possibilita a internação imediata e compulsória de usuários de crack. Qual a sua opinião sobre isso? Internar “à força” um usuário vai ajudar em algo? Primeiro vamos analisar o seguinte: será que realmente as autoridades estão preocupadas com as pessoas doentes ou teriam outros motivos para limparem as cidades? Me perdoe a expressão, mas é assim que os usuários de drogas são visto pela maioria da sociedade, como uma escória, são os leprosos do século 21. Infelizmente é assim que a maioria os vê. Por outro lado, o valor oferecido às clínicas de reabilitação não geraria mais um comércio utilizando vidas, assim como acontece em alguns hospitais psiquiátricos hoje em dia. Na última quinta-feira (24), assisti uma reportagem em que algumas clínicas recebiam do governo para tratar de pessoas com transtornos mentais e faziam mau uso do dinheiro público. Quando expulsaram os usuários de crack do centro de São Paulo (Cracolândia) havia certos interesses na valorização do local, simplesmente maquiaram o problema e não o resolveram, mas ainda assim tenho que acreditar que em alguns casos isso pode vir a funcionar. Não utilizo esse método, pois 90% do tratamento está no querer da pessoa, é entendido também que em casos crônicos a pessoa não tem mais noção do perigo que ela representa a sociedade e a ela mesma. Neste caso, o método poderá contribuir para o tratamento desde que a família seja acompanhada também e seja oferecido um tratamento não apenas clínico, mas espiritual. As drogas, em si, não são o maior problema, mas sim a ferida que existe na alma das pessoas que a procuram. As drogas são apenas reflexos externos da sociedade que vivemos. A sociedade precisa de cura, precisa de Deus.

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Os interessados em conhecer mais sobre o trabalho do Pastor Cristiano podem entrar em contato pelos telefones (19) 7807-8450 e 9787-3344.

Fotos: Renan Bússulo

Caricatura: Tomás de Aquino


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