07/05/2011

Nair, a maior mãe de Artur Nogueira

Conheça a emocionante história da mulher que cuida de mais de setenta crianças


Alex Bússulo

Difícil não se emocionar conversando com esta senhora de quase oitenta anos. Conhecida por boa parte da população, Vó Nair, criou em sua casa, a Instituição Evangélica Filadélfia de Artur Nogueira (Iefan), que cuida a 13 anos de mais de setenta crianças, de três a 14 anos. Viúva e mãe de seis filhos, Vó Nair carrega uma história de trabalho e solidariedade, que emociona até os mais durões. Em homenagem ao dia das mães a equipe do NOGUEIRENSE visitou e conheceu a história desta senhora. Numa conversa de mais de três horas, Nair falou sobre sua vida, suas dores e de sua missão. Confira.

COMO FOI QUE A SENHORA VEIO PARA ARTUR NOGUEIRA? Eu saí do Maranhão montada em um jumento. Trabalhei na roça até me casar, depois vim para São Paulo, onde trabalhei por mais de 40 anos. Depois que me aposentei, meu marido queria morar em um lugar mais tranquilo. Meu filho mudou para Cosmópolis e eu sempre ia visitá-lo. Aí conheci Artur e me apaixonei por esta cidade. Minha filha comprou esta casa e se mudou aqui primeiro que eu.

A SENHORA VEIO PARA ARTUR NOGUEIRA EM 1997, MAS QUANDO FOI QUE COMEÇOU A CUIDAR DE CRIANÇAS? Foi nesse mesmo ano. Na época eu tinha uma doença que nenhum médico conseguia descobrir. Vivia com várias feridas pelo corpo. Até que em uma segunda-feira, minha nora me levou ao posto de especialidades de Cosmópolis e lá um médico, que era doutor na Unicamp, descobriu junto com seus alunos que eu tinha uma doença que se chamava fogo selvagem. Foi muito complicado, porque ninguém conhecia. Tinha medo de transmitir aquilo para as pessoas que eu amava, mas fui tranquilizada pelos médicos que falavam que aquela doença era só minha e que eu ia viver para sempre com ela. Passei a tomar remédios e continuei levando minha vida.

MAS, E AS CRIANÇAS? No fundo foram elas que me encontraram. Eu havia alugado uma casa aqui, que ficava de frente com um campo cheio de mato. Quase todos os dias eu via crianças usando e transportando drogas. Era uma coisa triste que me doía muito. Eu sentia Deus falando comigo que eu deveria fazer alguma coisa. Mas fazer o quê? Uma velha que mal recebia um salário mínimo e que morava em uma casa alugada paga pelos filhos? Mas, fiz o que eu podia fazer. Comecei a convidar aquelas crianças para comer bolo e tomar um suco. E aos poucos eles começavam a vir. Uns, dois, de repente vinham dez, quinze. Todos os dias. Vinham porque tinham fome. Todos sujos, com os cabelos todos embaraçados, cheios de piolhos. Tinham pais, mas muitas vezes eram alcoólatras e drogados, que só viviam espancando os filhos.

FOI ASSIM QUE COMEÇOU A IEFAN? Foi assim que eu descobri a minha missão. Eu não tinha dinheiro. Tinha dia que as crianças vinham em casa e eu não tinha leite nem pra mim. Aí eu fazia bolinho de chuva, cortava uma moita de erva cidreira que tinha em casa, batia com limão, adoçava e dava pra elas. Não me esqueço do jeito que as crianças me chamavam.

COMO? Todos da época me conheciam como ‘muié rica’. Mal eles sabiam que eu muitas vezes tirava da minha boca para dar para aquelas crianças que eu nem conhecia. Comecei a ensinar ponto cruz, crochê e a falar de Deus. Eles nunca tinham ouvido falar Dele. Não pensavam e não queriam estudar de jeito nenhum. Muitos deles mal tomavam banho. Mas, eu dava uma coisa que abria a oportunidade deles conhecer coisas boas da vida: carinho que muitas vezes eles não tinham em casa.

NESSA ÉPOCA A SENHORA VIVIA SOZINHA? Não, vivia eu e o meu marido, que também era doente. Ele tinha um problema renal, vivia fazendo hemodiálise. Foi nessa época que eu me vi curada da minha doença. Os médicos não viam cura. Mas, Deus viu e permitiu que eu continuasse a viver. Daí em diante, passei a cuidar de mais de vinte crianças numa pequena área de casa.

MAS POR QUE A SENHORA NÃO PROCUROU A PREFEITURA? Na época eu procurei a assistente social, mas não fui atendida. Depois, escrevi uma carta para a primeira dama da época, a Fátima Stein. Passado alguns dias, ela veio até a minha casa e ficou emocionada com a quantidade de crianças que eu cuidava. E a partir daquele dia as crianças passaram a receber pão e leite. Acabou o mandato e entrou o Luiz de Fáveri, que continuou a me ajudar. Certo dia, em um evento público ele me chamou e disse que ia me dar um terreno de mil e quinhentos metros. Eu fiquei muito feliz, pois poderia construir a minha instituição. Minha irmã me ajudou e conseguiu apoio da empresa Ford, que se propôs na época a construir o prédio. Vieram seis pessoas representando a empresa para Artur Nogueira junto com o construtor. Fizeram tudo. As plantas e os projetos, uma coisa linda. Havia salas de aulas, biblioteca, videoteca, sala de dentista, um verdadeiro sonho. Mas, o prefeito não recebeu a gente. Fiquei desesperada. No final das contas acabei descobrindo que não poderia construir mais nada naquele terreno porque o local era uma área de preservação. E está lá até hoje. Eu perdi a oportunidade, mas quem mais perdeu foram as crianças.

E DEPOIS? Depois minha filha, que morava nesta casa, mudou-se para outro lugar e eu vim pra cá, que era bem maior do que a casa que eu estava. E continuei minha missão.

OS POLÍTICOS ATUAIS AJUDAM A INSTITUIÇÃO? Ajudam. O prefeito Marcelo Capelini me ajuda desde quando ele ainda não era vereador, com as questões legais da instituição. Atualmente, a prefeitura nos dá um subsídio de cinco salários mínimos. Outras pessoas que me ajudam bastante e estão sempre aqui são: a vereadora Zezé da Saúde e a assistente social, Tereza Fernandes. Quero agradecer também a ajuda do Deputado Federal Vanderlei Macris que doou para a Iefan uma Kombi. Tem também a empresa Kells, além de outras pessoas que nos ajudam todos os meses.

ESSA AJUDA É SUFICIENTE? Não, filho. Infelizmente ainda falta muito. Este mês vamos ficar devendo mais de dois mil reais. Atualmente, apenas as crianças da manhã tomam leite, as da tarde tomam suco, porque não temos dinheiro. Mas já tiveram dias piores. Teve uma vez que eu só tinha comida para as crianças da manhã, não tinha nada para os pequenos que iam chegar à tarde.

E O QUE VOCÊS FAZEM? O mesmo que há 13 anos: entregamos nas mãos de Deus, e Ele sempre resolve. Teve uma vez que era quase meio dia, as crianças da tarde já estavam chegando e eu não tinha nada para eles comerem. Já estava quase me desesperando, mas entreguei nas mãos de Deus, conversei com Ele e pedi que nos ajudasse. Passados alguns minutos, bateram palma aqui e um homem disse que um amigo dele pediu a ele trazer trinta reais. O dinheiro salvou o dia e também a semana. Foi como o milagre da multiplicação dos peixes. Cada vez que íamos ao mercado, alguém ajudava com mais um pouquinho e conseguíamos comprar o leite das crianças.

SEU ESPOSO SEMPRE APOIOU ESSA MISSÃO? Sempre. Lembro que ele comprava em outra cidade um saco de café em grãos. Nós dois moíamos e ele saia vender pela cidade. Com o dinheiro comprávamos leite, comida e roupas para as crianças. Ele acreditava nisso assim como eu. Até que o pior aconteceu com a gente.

O QUÊ? Foi numa noite de junho de 2003, estávamos sozinhos em casa. Por volta das duas da manhã acordamos com alguém batendo palmas. O Tom [companheiro da Vó] disse que era para atendermos, pois podia ser uma das mães pedindo ajuda. Como sempre acontecia. Levantei, abri a janela, mas não vi ninguém. Fui até a cozinha, olhei pelas grades, mas não tinha ninguém na rua. Quando voltei para o quarto, vi um homem segurando meu marido pela garganta. Ele ainda estava do lado de fora, mas conseguiu puxar o Tom pela grade da janela. Disse que se eu não abrisse a porta ele mataria meu marido. O Tom havia acabado de fazer hemodiálise, e estava com os curativos ainda. Fiquei desesperada, pois tinha medo de perder meu companheiro. Sai do quarto e passei pelo telefone, liguei para um dos meus filhos, disse desesperada o que estava acontecendo e abri a porta.

O BANDIDO ENTROU? Sim, me derrubou e me puxou pelos cabelos até o quarto. Meu marido tentou me defender, mas o bandido começou a chutar ele [emocionada] Eu estava caída no chão, mas pedia pra ele parar, falava pra levar o que quisesse, mas ele continuava a bater. O bandido me bateu tanto que acabei com o nariz e duas costelas quebrados. Depois de algum tempo o bandido ouviu a sirene da polícia e fugiu.

E VOCÊS? Ficamos caídos no chão. Na época foi muito dolorido. O Tom foi internado e não tínhamos dinheiro. Minha família, que tinha contatos em São Paulo, contou o ocorrido para a TV Record, que veio até a minha casa mostrar. Depois da matéria, a Hebe Camargo me ligou, disse que estava comovida com minha história e que ia depositar R$10 mil em minha conta para que eu cuidasse do Tom e de mim. Peguei o dinheiro e eu muito boba, nunca soube mexer com isso, depositei na conta da instituição. O Tom estava internado no Hospital Bom Samaritano e eu precisava pagar o hospital, peguei e tirei três mil da conta. Atitude que mais tarde, algumas pessoas começaram a falar que eu estava roubando a instituição. [neste momento, Vó Nair se emociona mais uma vez, pergunto se gostaria de pararmos por aí, mas ela disse que está tudo bem]. Depois o Marcelo Capelini mexeu nos papeis e afirmou que aquele dinheiro estava sendo devolvido a mim. Graças a ele eu não fui presa.

SEU MARIDO CONTINUOU INTERNADO? Sim. Depois de uma semana ele entrou em coma, não resistiu e morreu.

DEPOIS DISSO TUDO A SENHORA NÃO PENSOU EM DESISTIR? De jeito nenhum. Deus permitiu que eu não morresse para continuar a cuidar das crianças. Meus filhos me levaram para São Paulo e disseram que eu não ia mais voltar para Artur Nogueira. Disseram que era para eu morar com eles, que eu não ia gastar nada, e o pouco que eu recebia da aposentadoria era para eu gastar em passeios. Como você pode perceber, recusei.

PERCEBO QUE A SENHORA É UMA MULHER DE MUITA FÉ. Sou sim. Deus é a minha vida e procuro transmitir Suas palavras aos pequenos. Certa vez, eu estava desesperada, as pessoas falavam que eu estava ficando maluca em querer cuidar de menores, faltava dinheiro e várias coisas acarretavam. Eu cheguei em casa, ajoelhei na beira da cama e, com a bíblia em minhas mãos, pedi a Deus que me desse uma resposta, que me guiasse ou tirasse aquilo da minha cabeça. Abri a bíblia diretamente em Apocalipse 3:8. [Vó Nair pede para que eu abra a bíblia, que está sobre a mesa e leia uma passagem, obedeço]

“CONHEÇO AS TUAS OBRAS; EIS QUE DIANTE DE TI PUS UMA PORTA ABERTA, E NINGUÉM A PODE FECHAR; TENDO POUCA FORÇA, GUARDASTE A MINHA PALAVRA, E NÃO NEGASTE O MEU NOME”. Depois disso nunca mais questionei nada.

QUAL É O SEU MEDO? Não tenho medo do que passou. Deus me deu forças para seguir em frente. Meu maior medo é de não encontrar alguém que continue com esta instituição. Já estou velha e não sei por quanto tempo viverei. Sei que enquanto estiver viva ninguém me tira daqui, das minhas crianças. Mas me preocupo com o futuro.

QUAL É A SUA MAIOR SATISFAÇÃO? É ver as crianças felizes. É saber que estou fazendo a diferença na vida delas. Assim que eu fundei a instituição, teve um caso de roubo. Uma das crianças entrou na sala em que eu guardava o dinheiro e roubou. Chamei todos em minha sala e individualmente fiz uma oração, perguntei se alguém sabia quem havia pegado. Era uma quantia muito baixa, mas nós precisávamos para comprar leite. Até que um menino chegou em mim e disse: “fui eu vó, eu peguei o dinheiro e escondi ali no portão, pra pegar na hora que fosse embora”. Dei um abraço nele e oramos juntos. Algum tempo atrás fui convidada para uma cerimônia da Petrobrás e um rapaz bonito, forte, subiu no palco e perguntou se eu não o estava reconhecendo. Era ele. O mesmo que havia escondido o dinheiro. Chorando, agradeceu a mim pela oportunidade que eu dei a ele. Essa é a minha maior recompensa. Não é salário, carro, não é nada disso.

COMO FUNCIONA A INSTITUIÇÃO ATUALMENTE? Atendemos cerca de setenta crianças, durante a manhã e a tarde. São crianças carentes, que muitas vezes não recebem nem um abraço dos próprios pais. Começamos o dia com uma oração, depois elas têm o acompanhamento das professoras e voluntários.

ESTAMOS NO MÊS DAS MÃES. O QUE A SENHORA GOSTARIA DE DESEJAR A ELAS? Peço primeiramente que Deus as abençoe. Peço às mães que tenham mais responsabilidade. O que falta no mundo é isso. Pensem antes de por um filho no mundo. Pensem nas responsabilidades. Ser mãe é maravilhoso, é uma missão divina. Desejo amor a elas.

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Dei um forte abraço naquela senhora, que ainda me fez questão de dizer que a Iefan precisa de ajuda, que todas as doações são muito bem vindas. Disse que as crianças precisam de leite e que a instituição fará um bazar beneficente no dia 15 deste mês, das 9 às 14 horas na Iefan. Quem quiser ajudar, o telefone é (19)3827-4138.

Depois de concluída a entrevista, confesso que deixei a instituição com um sentimento diferente. Sentindo-me uma pessoa que nada faz pela comunidade. Frequentemente vejo tantas pessoas, tantos políticos fazendo demagogias por aí e uma senhora de 78 anos, faz e dá um verdadeiro show em muita gente que vive reclamando da vida. Vó Nair, em nome de todos os nogueirenses, Obrigado!





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