05/11/2011

ENTREVISTA DA SEMANA: Mano Fromberg

Depois de anos em silêncio, jornalista desabafa pela primeira vez

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Alex Bússulo

Somente quem conhece o trabalho de Maninho consegue defini-lo. Jornalista, artista, historiador e até tatuador são algumas das profissões deste homem que marcou a história de Artur Nogueira e agora repete sua façanha em Cosmópolis.

Em abril de 1997, Mano criou a Revista Mais, que retratava o que acontecia nos poderes Executivo e Legislativo, tentando aproximar a população da política.

Também escreveu o livro da história geral de Artur Nogueira e auxiliou seu irmão, Sérgio Fromberg, na execução do livro da história política de Artur Nogueira – “Janela Aberta”.

Após três anos de pesquisas, lança, neste final de mês de novembro, o livro “Cosmópolis, de fazenda funil à cidade universo”, referente à história geral do município cosmopolense, onde reside há seis anos.

Trata-se de uma obra de fôlego com 744 páginas, ilustrada com mais de 2.200 fotos que remontam ao início do século passado até os dias atuais. Sua edição teve o patrocínio da Petrobras.

Também artista plástico, Mano representa Cosmópolis no Mapa Cultural Paulista deste ano, a exemplo do que fez em 2009. Em 2007, foi premiado neste mesmo evento, então como representante da cidade de Engenheiro Coelho. Foi o quarto colocado, dentre cerca de mil artistas participantes de todo o Estado.

Em 2008, Mano deixou de trabalhar em Artur Nogueira e de lá para cá nunca mais falou com nenhum jornal sobre os motivos que o levaram a sair da cidade. Hoje, aos 57 anos de idade, Mano vive em Cosmópolis com sua companheira, Ana Maria Barbosa.

A entrevista aconteceu na casa de Maninho, localizada próxima a Rodoviária de Cosmópolis. Em uma conversa de quase duas horas, o homem que sempre foi o entrevistador se transforma pela primeira vez em entrevistado e desabafa.

Quando foi que você saiu de Artur Nogueira? Vim para Cosmópolis em agosto de 2005. Queria ampliar meu trabalho e não daria para escrever de uma cidade se eu não morasse nela. A ideia inicial era fazer com que meu irmão Sérgio Fromberg cobrisse Artur Nogueira e eu fizesse as matérias daqui de Cosmópolis. E assim foi feito. Trabalhamos desse jeito por um ano. Logo no começo as pessoas se dividiram em dois grupos, os que adoraram nosso trabalho e os que odiaram.

Por quê? Pela nossa forma independente de trabalhar. Fazíamos um Jornalismo um pouco mais crítico e opinativo, algo nem sempre muito palatável. Com o passar do tempo, nossos patrocinadores, todos de Artur Nogueira, começaram a se incomodar com o espaço dedicado a Cosmópolis, e Cosmópolis, por sua vez, passou a se sentir incomodada com a nossa presença. Assim, paramos com a circulação por aqui e ficamos apenas com a população nogueirense. Eu, porém, segui residindo em Cosmópolis.

Seu trabalho em Artur Nogueira continuou até 2008. Por que afinal você decidiu parar? A proposta do nosso trabalho sempre foi criar um fórum de debate entre o Executivo, Legislativo e a população de Artur Nogueira. Porém, sempre tive dificuldades de relacionamento com o Executivo, desde o início da revista, o que, de certa forma, nos deixava “manco”. Em 2008, estávamos tendo um relacionamento difícil com o Executivo, praticamente sem acesso, diálogo, entrevistas, etc… E isso se tornou cansativo demais. Com os ex-prefeitos Luiz de Fáveri e Nelson Stein também tive problemas em função do meu trabalho, mas conseguia driblá-los com maior facilidade. Sempre tive a mão pesada ao escrever, com todos, mas com o PT foi diferente. Ele se fechou demais e perdi o ritmo, o interesse pelo que fazia. Aí decidi investir em novos empreendimentos, como na pesquisa e redação do livro da cidade de Cosmópolis. Após três anos de trabalho, ele deve ser lançado neste final de mês.

Como era fazer Jornalismo em Artur Nogueira? Difícil… Como seria fazer a revista em qualquer outro lugar. Tive amigos que disseram que se eu fizesse meu trabalho em outra cidade, certamente estaria morto. Tinha um amigo meu que todo mês que eu lhe entregava a revista ele brincava: “E aí, Mano, e aí Tim Lopes, ainda está vivo?” Nunca fui comerciante, não sei escrever “A” se estou vendo que a letra correta é “B”. No começo, eu com o Sérgio, imprimíamos as revistas, colocávamos em um saquinho e saíamos de bicicleta distribuindo. Aquilo sempre foi paixão, muito mais do que um negócio.

Avaliando hoje o seu trabalho, você analisa que fez um Jornalismo imparcial ou opinativo? Ah, opinativo, sem dúvidas! Sempre foi opinativo, que é também uma forma de fazer Jornalismo.

Já se passaram alguns anos, mas eu queria saber qual é a sua sensação quando você se depara com este material? [Abro minha bolsa e retiro de lá a primeira Revista Mais, Mano fica surpreso e emocionado] Cara… Isso é história. Isso é o que vale a pena. Não troco isso por um carro na garagem. Isso aqui sou eu. Se eu tivesse uma Ferrari, seria a mesma Ferrari do fulano, do sicrano. Isso aqui, no entanto, sou eu, é a minha história de vida, a minha identidade. É um filho. Teve uma época que eu rodei o jornal em Campinas e tinha que trazer dois mil jornais de ônibus circular. Era coisa de maluco, e muitos achavam que eu não batia muito bem da cabeça. Era engraçado porque os próprios passageiros ajudavam a não deixar aquela pilha de jornal cair. Aquele trabalho sempre foi emoção, paixão, entrega total.

Qual foi a reportagem que mais te marcou? [pensativo] Cara, foi bem no começo do meu trabalho, no final dos anos 80, em outro órgão de imprensa. Recebi uma ligação de um marido que havia acabado de sepultar a mulher. Ele me procurou dizendo que a esposa teve um forte sangramento depois de ter um filho, sendo levada a um hospital da região. O seu médico, em vez de atendê-la pessoalmente, de sua residência receitou o remédio por telefone. A mulher acabou piorando e faleceu. O marido acreditava que a morte poderia ter sido evitada com um pronto atendimento. Fiquei super envolvido com o caso, peguei o homem e fui para o hospital. Era noite quando chegamos. Queria informação, mas ninguém sabia o que dizer. A enfermeira que havia recebido a paciente estava em dia de folga, então a procuramos em sua casa. A mulher falou sobre o ocorrido, saímos e fomos para a Delegacia. Chamaram o delegado e o marido registrou um B.O. Foi pedida a exumação do cadáver e deu o maior bafafá, processo e tudo mais; a TV Globo compareceu… Era o tal Jornalismo investigativo, preocupado com a apuração real de um caso… Nunca gostei de receber matéria pronta de assessorias disso ou daquilo.

Em uma edição antes das eleições de 2008, você entrevistou os candidato para prefeito Júnior Barros e João Carlos. Por que não saiu a entrevista com o Marcelo Capelini? Porque ele disse que não tinha tempo para me receber e que eu deveria enviar as perguntas que ele me responderia por e-mail. Isso eu não fazia. Gostava de entrevistar assim, olhando nos olhos, se não o texto ficava muito engessado.

Se o prefeito Capelini não tivesse ganhado as eleições você continuaria com seu trabalho em Artur Nogueira? Se o João Carlos tivesse ganhado eu continuaria, pelo menos por um período, até saber como ele agiria em relação à revista. Se houvesse diálogo e abertura para trabalhar com ele, não haveria problema. O Marcelo Capelini foi, para mim, o melhor vereador de oposição que a cidade já teve. Ele é um cara inteligente, crítico, interessado no que faz. Fomos processados juntos em uma ocasião, ele pelo que disse em uma sessão de Câmara, e eu por ter publicado o que ele falou. Fomos no mesmo dia para o Fórum de Mogi-Mirim. As acusações acabaram sendo retiradas e a coisa não deu em nada. O prefeito Luiz de Fáveri passou por situações delicadas nas mãos do vereador Marcelo, que sabia pegar como ninguém. Quando o Marcelo Capelini assumiu o Executivo, porém, por força do cargo, apenas devido a isso, ele teve que mudar em alguns aspectos, teve que fazer concessões que certamente não faria como vereador. De minha parte, contudo, segui fazendo o meu trabalho de sempre, e isso acabou criando um clima desfavorável para a manutenção do relacionamento profissional que sempre tivemos.

Como assim? Em uma das entrevistas que consegui fazer com o prefeito Capelini, por exemplo, ele me falou: “Temos uma nova secretária… Trouxe de uma cidade vizinha, mas nem me lembro do seu nome… É uma tal fulana, depois vejo certo para você…” Entende? O vereador Capelini jamais contrataria alguém, para o que quer que fosse, se não conhecesse a fundo as qualidades profissionais do cidadão. Isso o vereador Capelini jamais faria. Tivesse outro prefeito feito isso quando ele era vereador, Marcelo destruiria o sujeito, e com razão.

Em quem você votou em 2008? Votei aqui em Cosmópolis, já residia aqui.

Você acabou de assumir que se o João Carlos tivesse sido eleito você continuaria em Artur Nogueira. Isso significa que você queria que o João ganhasse? Não é que eu o queria prefeito, mas talvez ele fizesse um trabalho diferenciado daquele que eu já conhecia. Eu teria permanecido por mais um tempo para ver como seria a sua atuação. O trabalho do PT eu já conhecia e, pelo menos comigo, foi uma relação desgastante. A última entrevista que fiz com o Marcelo nem cheguei a terminar… Saí antes. Não deu para conversar…

Por quê? Creio que já não havia mais respeito mútuo entre nós dois enquanto profissionais.

Por que você acha que o Marcelo perdeu o respeito pelo seu trabalho? Teve uma foto que publiquei na capa do jornal que bateu de frente com ele. Creio que isso pesou. No final de 2007, a Câmara votou e aprovou uns reajustes de impostos e quando os vereadores foram na prefeitura protocolar os documentos, fotografei o prefeito com representantes de sua bancada em um momento em que estavam rindo. A chamada de capa foi  algo como: “Ano político fecha de maneira vergonhosa”. Marcelo disse que eu havia sido injusto, havia sido maldoso, porque estavam rindo de uma piada que haviam contado, não do aumento do imposto que acabavam de protocolar. Disse que eu sabia do fato e havia sido desleal. Daí em diante nossa relação profissional nunca mais foi amigável, ou melhor, praticamente não mais aconteceu.

Se arrepende de alguma coisa que fez? Alguma reportagem? [pensativo] Eu acho que não. Lógico que se pudéssemos voltar ao tempo, sempre faria algumas coisas de forma diferenciada, mas nada que fiz profissionalmente me deixou com remorso ou tirou meu sono.

O que foi mais difícil, escrever a história de Artur Nogueira ou a de Cosmópolis? Ah, cada uma teve as suas próprias particularidades. Mas acho que a de Cosmópolis foi mais difícil. Eu já tinha bastante material daqui, mas a minha cobrança pessoal por resultado foi muito maior. Em Artur escrevi sobre 18 famílias, aqui tem 80. Lá o livro teve 360 páginas, aqui fechamos com 744 páginas. Sempre fui perfeccionista, sempre quis que meus trabalhos ficassem melhores a cada ano, por isso aqui acabou sendo um pouco mais dificultoso. Lá em Artur Nogueira a ideia de escrever o primeiro livro nasceu depois que eu tentei entrevistar prefeito da época, Ederaldo Rossetti.

Como assim? Eu queria entrevistar o prefeito, mas o Ederaldo me pediu uns três meses de prazo. Ele queria se preparar para a conversa e concordei, afinal ele sabia muita coisa sobre Artur Nogueira. Porém, um mês depois ele morreu, levando consigo tudo o que sabia. Aí pensei em escrever um livro, para que novas mortes não comprometessem ainda a memória municipal. Um livro registraria todas essas histórias e seus agentes. Foi assim que nasceram os livros de Artur Nogueira e agora de Cosmópolis.

Vamos falar sobre o Projeto Casulo, que você idealizou, enterrando na Praça do Coreto vários objetos, filmes, fotografias de Artur Nogueira para serem desenterrados depois de 100 anos. Como surgiu essa ideia? Foi engraçado. Em 2000, eu estava refazendo a reedição do livro da cidade de Artur Nogueira e tinha umas perguntas sobre as quais não havia resposta. Aí eu brincava comigo mesmo, pedindo:  “Pô… ô major Arthur Nogueira, baixa aqui! Desce um pouquinho e me explica algumas coisas” [risos]. É claro que o tempo passou e ninguém baixou de lugar algum do além para me ajudar. Até que um dia eu fui assistir ao “A Bruxa de Blair”, um filme que conta a história de alguns jovens que fazem uma filmagem em uma floresta. Aí deu um estalo. Pensei comigo, poxa eu não posso trazer o centenário Arthur Nogueira de volta para me contar nada de seu tempo, de sua vida, de sua história, mas posso deixar algo para a geração futura, para o nogueirense da virada do século XXI para XXII. Posso contribuir para quem quiser saber e conhecer a história da minha cidade em 2100. E foi isso que aconteceu. Hoje temos um material muito rico devidamente acondicionado em um “casulo”, especialmente criado para a finalidade, enterrado na Praça do Coreto. São mais de 130 horas de filmes, cerca de mil fotografias, documentos, jornais, redações de alunos falando da Artur Nogueira do ano 2000… Tudo retratando a Artur Nogueira atual para o povo do futuro.

Agora que terminou de escrever a história de Cosmópolis, você pretende voltar para Artur Nogueira? Não. Não saberia o que fazer exatamente por lá.

O que você pretende fazer de hoje em diante? Sou um cara movido à paixão. Francamente, não sei o que sou. Na verdade, não sou nada, apenas um curioso. A curiosidade é o que me alimenta. Vou procurar pelo que me interessar e seguir adiante. Desenho, pintura, tattoo, novos livros… Quem sabe. Vida leva eu…


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