ENTREVISTA DA SEMANA: Lelo Townsend
Organizador da Vaca conta as curiosidades do bloco mais famoso do interior
“Meu maior sonho é ver um monumento da Vaca construído em Artur Nogueira” (Lelo Townsend)
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Alex Bússulo
O nome dele é Geraldo Townsend, mas todos o conhecem por Lelo. Um senhor de 78 anos de idade, que nasceu em Americana, mas vive com a esposa em Artur Nogueira desde os 28 anos. Ao todo, são cinco décadas vivendo e respirando o município que é considerado ‘Berço da Amizade’.
Lelo é um homem simples, humilde, que adora dar uma boa gargalhada. Talvez seja isso que o deixa tão especial – a vontade de ser alegre e fazer alegria, tão raro nos dias de hoje nas pessoas.
Felicidade é a característica fundamental para o título que lhe foi dado, ser considerado como o pai de uma das maiores tradições do interior paulista, o Bloco da Vaca.
Junto com Duda, David, Cridinho, Ditão, Gugu e Romildo, Lelo puxa a fila e demonstra ainda ter muita energia e disposição para animar a folia nogueirense.
A conversa durou cerca de uma hora e aconteceu no espaço do Teatro Municipal René Marcos Posi, que está desativado para reforma e sendo utilizado para construção e ensaios da Vaca. Enquanto a entrevista foi sendo realizada, Duda e a atriz Elaine Queiroz se dedicavam na confecção da Vaca, costurando o tecido de uma das armações. Acompanhe.
O senhor nasceu em Americana, mas mora em Artur Nogueira há 50 anos. Por que decidiu se tornar um nogueirense? Em toda a minha vida eu sempre trabalhei na roça. Sempre tirei meu sustento da terra. Aos 28 anos de idade, já casado e com meus três filhos, fiquei sem trabalho em Americana e comecei a procurar serviço pela região. Não demorei muito e encontrei um sítio em Artur Nogueira para tomar conta e plantar. Morei lá por seis anos, mas por causa da escola das crianças tivemos que mudar para a cidade.
Foi aí que o senhor teve o contato com a Vaca? Foi mais ou menos nessa época mesmo. O bloco de antigamente era bem diferente do que vemos hoje na avenida. Naquela época tínhamos a ‘Banda do Boi’, que era um verdadeiro desfile. Com direito a uma banda de verdade seguindo a folia. Sempre teve esse negócio de homem se vestir de mulher e sair levando chifradas, mas com o passar do tempo, a Vaca foi perdendo um pouco da sua característica inicial.
Como assim? A Vaca é uma bagunça. Sempre foi e eu acho que sempre vai ser. Mas uma bagunça gostosa, sem maldade. Antigamente o povo tinha medo da Vaca, quando ela saia na rua o pessoal realmente fugia. O que tornava a situação engraçada. Ver aqueles marmanjos fugindo de uma vaca de pano e cipó. Hoje, devido a grande quantidade de foliões, a Vaca tem que fazer um baita de um esforço para conseguir sair do lugar. A turma cai em cima mesmo. O gostoso da brincadeira é ver ela ‘evoluir’, ganhar velocidade, e chifrar quem der bobeira, mas ultimamente está difícil até mesmo sair do lugar.
Vendo a construção da Vaca, percebo que ela é bem reforçada. E tem que ser assim, se não ela não aguenta a pancada [risos]. Se todos que saíssem na brincadeira tivesse a intenção de fugir da Vaca e desse espaço para ela correr ela aguentaria uns cinco anos…
Mas o que acontece? A turma vai para cima dela. Imagine só aquele monte de gente empurrando, puxando o rabo, batendo na cabeça. Não há estrutura que resista. É por isso que temos que construir duas Vacas, uma para o domingo e outra para a terça.
Duas? Mas e aquela? [pergunto me referindo a uma terceira Vaca, de porte um pouco menor comparado às outras] Aquela é a Vaca Mirim, que criamos para as crianças. Na sexta-feira (17), acontece ‘Os Filhos da Vaca’, onde essa vaquinha sai divertindo e alegrando a molecada.
E as crianças costumam sair na folia? Nossa e como! Meu bisneto, o Bruno, já incorporou o espírito. E com certeza vai continuar com a tradição.
Como a Vaca é confeccionada? Cerca de um mês e meio antes do Carnaval começamos a construir a carcaça. Saímos atrás dos materiais, reunimos a turma e colocamos a mão na massa. A Vaca é confeccionada com cipó, amarrado com arame e borracha. Para fazer a cabeça, utilizamos a de uma vaca de verdade. Pegamos o osso, colocamos espuma, encapamos e pintamos. Aí é só colocar na rua que ela ganha vida sozinha.
E quem veste a Vaca? O povo! São os próprios foliões que estão na farra. Colocamos a Vaca na avenida junto com algumas pessoas da organização, que vão apenas para proteger e cuidar do material. Houve uma vez em que definimos quatro homens da própria organização só para fazer isso, mas não deu certo. A turma quer mesmo é participar e fazer a Vaca dar chifrada em quem estiver dando mole na avenida.
A Vaca já machucou alguém? Não. É claro que sempre acaba tendo os ralados e arranhões, que são normais para a brincadeira. Teve uma vez em que eu quase morri de tanto ri. Uma velha entrou no meio da rua, com a folia da Vaca, e foi lançada longe pelo chifre da Vaca. Graças a Deus não aconteceu nada, mas se ela não quisesse ser chifrada não deveria ter entrado na folia. A Vaca sempre respeita quem fica na calçada. A brincadeira tem que acontecer na rua e é isso que tem acontecido.
Em mais de 40 anos de Vaca é óbvio que o senhor já saiu na avenida vestido de mulher. Não! [risos]. Eu puxo o desfile, mas nunca me vesti de mulher, não gosto dessas coisas… [Neste momento, Duda que está ouvindo a entrevista, brinca dizendo que Lelo gosta sim, mas que tem medo de vestir saia e gostar da ‘coisa’. Todos riem].
Tudo bem. Vou acreditar que o senhor nunca teve vontade de se vestir de mulher. Mas, cá entre nós, o senhor já confundiu homem com mulher na avenida, não é mesmo? [risos] Ah, sim! E quem não confundiu? Já pensei muitas vezes que estava falando com mulher e na verdade era um macho que estava atrás da peruca e maquiagem. Teve uma vez que fui tirar uma lata da mão de um “homem”, mas quando eu o agarrei pela blusa percebi que era uma mulher. Quase apanhei nesse dia. O negócio é perigoso [risos]. O povo bebe e não sabe quem é homem ou mulher.
Normalmente, as esposas ficam preocupadas com as amantes. No seu caso, o senhor tem uma paixão por uma vaca. O que sua esposa acha disso? Ela não fala nada. Costuma ficar lá em casa mesmo. Ela nem sai na avenida. Houve uma vez que tivemos um problema na confecção da Vaca e ela deu uma mão na costura, mas foi só isso.
Como surgiu o costume da Vaca? A brincadeira começou na década de trinta, com algumas famílias tradicionais de Artur Nogueira, que inspiradas nas touradas espanholas, criaram a folia. No começo só os homens saiam fantasiados. Hoje sai todo mundo!
Aos 78 anos de idade, lidando com a Vaca a maior parte de sua vida, tem alguma coisa que o senhor ainda não realizou? Um sonho? Tem sim. Se eu pudesse escolher uma coisa, pediria que construísse um monumento da Vaca em Artur Nogueira. Uma estátua bem grande, que poderia ficar na Praça da Fonte, do Coreto, enfim, que representasse a tradição que foi criada no município. Eu morreria realizado se fizessem isso. Hoje, a Vaca é conhecida em todos os lugares. Muita gente vem, até de fora do estado, para brincar na folia. Até hoje nunca ouvi ou conheci algum lugar que faz o mesmo que fazemos.
Quem é o dono da Vaca? Ela não tem dono! É do povo. Nasceu de um costume e ganhou força através dos tempos. Sou a pessoa mais velha que ainda lida com o bloco e posso garantir que ela vai continuar existindo simplesmente porque ela vive dentro de cada nogueirense.
O que os foliões podem esperar para o Carnaval deste ano? Muita folia! O que depender de mim e da Vaca, vai ser o melhor Carnaval de todos os tempos. Eu garanto!
Arte: Renan Bússulo
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