02/03/2013

ENTREVISTA DA SEMANA: Juninho Sarpa

Produtor musical fala sobre talento, sucesso e trabalhos em Artur Nogueira

Juninho Sarpa“Acredito que a função do produtor não seja exatamente transformar o artista, mas sim, conduzi-lo” (Juninho Sarpa)

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Alex Bússulo

Quando o irmão de Juninho Sarpa desistiu da locadora de som e a vendeu, alguns equipamentos sobraram em casa. Foi um prato cheio para Juninho dar os primeiros passos no mundo da música. De uma brincadeira, mexendo no equipamento do irmão, o nogueirense percebeu que podia levar jeito para a coisa.

Depois de um tempo, montou um pequeno estúdio em um quarto da casa dos pais. Uma mesa de som, um microfone, um toca fitas e um computador ‘bem ruinzinho’ – como ele mesmo lembra.

Paralelo a essa vida de produtor aspirante, Juninho já tentava ganhar a vida como músico, animando as noites de Artur Nogueira como tecladista.

Os anos passaram e o nogueirense foi em busca do primeiro emprego. Prestou Concurso Público e foi trabalhar na então Divisão Municipal de Cultura. “Quando recebi meu primeiro salário e vi o quanto esse emprego iria me render por mês fui na Loja da Música, do meu grande amigo e parceiro Ronaldo Berni, e fiz uma compra de alguns equipamentos um pouco mais modernos que formariam o meu primeiro ‘home-studio’. O engraçado é que eu trabalhei na Prefeitura só o tempo suficiente pra eu conseguir terminar de pagar essa compra que, detalhe, as parcelas consumiam o salário inteiro! Todo mês eu sacava o salário no banco e já deixava ele todo na Loja da Música”, relembra o produtor nogueirense.

Depois, Juninho se mudou para São Paulo, onde estudou, conheceu pessoas, passando pela faculdade de Produção Musical na Universidade Anhembi Morumbi.

Quando decidiu voltar para Artur Nogueira já estava com todos os planos na cabeça. “Eu vim com o pensamento de ‘opa, agora não pode ser mais aquele quartinho na casa dos meus pais, tem que ser uma coisa de verdade’. Procurei meu grande irmão e parceiro de banda Marcos Baratha. Nessa época o Baratha dava aulas de violão em casa, então contei de todas as ideias que eu tinha na cabeça. Falei ‘Eu quero montar um estúdio de verdade, um lugar no centro da cidade. Você dá aulas na sua casa, de repente a gente consegue unir isso’. E não teve erro, funcionou. A partir daí surgiu o Groove – Centro Livre de Aprendizagem Musical e o JR Estúdios e, confesso, com proporções bem maiores do que imaginávamos no começo”, afirma Juninho.

Hoje, o produtor calcula que mais de 600 alunos já passaram pelo Groove, um número que aumenta a cada dia. Na entrevista desta semana, Juninho Sarpa fala sobre produção artística, talento musical e o que define o sucesso de um artista. Confira:

Como descobriu a paixão pela música? Nossa Alex, nunca imaginei que um dia eu tivesse alguma dificuldade em responder essa pergunta. Mas vamos lá: provavelmente quem for da minha idade e, principalmente, quem for um pouco mais velho deve lembrar de um menininho branquelo, loirinho, com uma voz ardida que cantava ‘Galopeira’ em todas as quermesses e bingos daqui da cidade. Pois é, aquele lá foi o começo do meu eu de hoje. Desde muito pequeno sempre fui ligado à música. Minha família sempre foi muito intensa com música, daquelas que se reuniam em volta do toca-discos novo para conhecer o aparelho, ouvir como ele soava. Sou o filho caçula. Minha irmã mais velha estudou organ, fez conservatório, etc. Meu irmão do meio tocava violão, era fuçador em equipamentos de áudio, chegou a ter uma empresa locadora de som. Meus pais tocavam violão na igreja, enfim, todo mundo sempre muito próximo da música, porém, tudo como hobby, de forma amadora. Eu acho que a minha paixão pela música começou antes mesmo de eu poder conhecer outra paixão, não deu tempo de outra possibilidade. Desde muito criança sempre foi a música que me atraiu. Obviamente meus pais tiveram total responsabilidade por essa minha paixão pela música. O incentivo esteve presente em minha casa o tempo todo. Talvez essa frase soe meio clichê, mas ela funciona muito bem para resumir essa história: talvez eu não tenha escolhido a música, mas sim, ela à mim.

Qual é a função de um produtor? Ele pode transformar um cantor naquilo que ele não seria sozinho? Eu acredito que a função do produtor não seja exatamente transformar o artista, mas sim, conduzi-lo. O produtor tem uma visão do artista diferente da que o próprio artista tem de si e isso ajuda muito na hora de conduzir o trabalho, tanto na produção musical quanto na elaboração de uma carreira. O artista, a banda, o músico rende muito mais quando há alguém dirigindo o trabalho e eu sinto isso na pele. Vou te explicar: além de trabalhar artistas meus, ou seja, que eu estou produzindo, eu também atuo como músico, gravando para outros artistas e outros produtores do país e eu percebo que, pelo menos no meu caso, quando o produtor está ali, me dando as coordenadas do que ele quer para música ou, de que a música precisa, fica muito mais fácil executar o meu trabalho como músico. Assim funciona com os artistas, músicos, bandas que estão sendo dirigidos por um produtor. O produtor é o cara que diz para o cantor: ‘Ei, vamos fazer mais um take?’ ou ‘E se tentarmos de ‘tal’ forma?’ ou ainda ‘Relaxa! Vamos tomar um café ali e daqui a pouco a gente volta para gravar’, porque temos que perceber quando o artista não está a vontade, não está dando o seu máximo. O produtor é o profissional que precisa conhecer muito bem o artista com qual ele está trabalhando, precisa conhecer todos os instrumentos, precisa saber como todos os elementos de uma produção, seja ela música, banda, peça publicitária ou trilha sonora vão se fundir e se tornar um material coeso.

Por que muitos artista surgem e desaparecem de uma hora para a outra? Eu não diria que minha resposta é a verdade absoluta e ponto. Esse assunto não é algo tão simples, mas eu acredito que o principal motivo seja uma palavra chamada ‘verdade’. Não é de hoje que o sonho de ser famoso faz parte dos travesseiros de muita gente, não é mesmo? Mas tem muitos artistas, e quando eu digo artistas, pode ser uma dupla, uma banda, um cantor, enfim, que para chegar em alguma coisa próxima desse sonho acabam deixando de lado a sua essência. Então o que acontece? Ele acaba fazendo uma música rasa, sem a sua verdade, sem um, digamos, alicerce e, desde que o mundo é mundo, nada fica em pé sem uma boa fundamentação. A mídia também ajuda um bocado nesse sobe e desce dos artistas.

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Você acha que com a facilidade em se gravar um disco acabou ocorrendo uma diminuição na qualidade artística? Eu acho que não. Tem muita gente boa produzindo trabalhos de altíssimo nível dentro do seu quarto com um notebook e um fone de ouvido. O que acontece é que o acesso à informação e a possibilidade de se comprar equipamentos que antes nem eram tão fáceis de se encontrar no Brasil, deixou muito mais próxima a maneira de se criar e gravar. O que pode ter acontecido, é claro, artistas e músicos ‘não tão bons assim’ podem hoje, com poucos recursos, tanto tecnológicos quanto de orçamento, fazer um disco, ou um single. Mas quem faz coisa boa vai continuar fazendo muita coisa boa e a tendência é sempre melhorar e não diminuir a qualidade.

Você considera download de música pela internet pirataria? Eita! Agora você me pegou. Existem várias formas da gente se posicionar em relação à pirataria. Naquela pirataria clássica, com produtos falsificados, não apenas discos, há muita coisa por trás envolvida. Além do prejuízo, claro aos profissionais que trabalharam naquela obra, como compositores, produtores, músicos, técnicos, artistas, etc., no caso de música, que não receberão a sua parcela da vendagem, esse comércio ainda envolve outros crimes, como tráfico de drogas, armas, etc. Ou seja, de fato isso não é nem um pouco legal. O download é uma faca de dois lados. Ao mesmo tempo em que está disponível para você baixar a música, o disco inteiro ou aquele filme sem pagar nada e assim, sem contribuir com os direitos de quem trabalhou naquela obra, o trabalho desses artistas está chegando num número maior de pessoas. Pessoas que vão aos shows, que vão pagar para assistir aquela atração de perto. Ainda que existam hoje vários meios de comércio de música digital pela internet, como o iTunes, grande parte dos artistas disponibilizam algumas de suas músicas para download no seu site, as vezes até o disco inteiro. Já conversei com artistas que colocaram o disco inteiro para ser baixado no seu site e, além disso, colocou à venda por R$ 5 também no mesmo site e afirmaram que muitas das pessoas, além de baixar o material digital, pagou os R$5 pelo disco físico para poder ter acesso ao material gráfico, ficha técnica, encarte, etc. Eu mesmo sou um aficionado por ficha técnica [risos]. A grande verdade é que hoje, os artistas famosos praticamente não fazem questão da venda do CD, como antigamente. O importante é a música chegar nas pessoas, criar fãs, seguidores e que essas pessoas ‘consumam o artista’ indo à shows, lotando os espetáculos, fazendo com que o artista seja mais solicitado. O mercado mudou. A maneira como se consome música mudou, e os artistas têm que acompanhar isso.

Com a praticidade e fácil acesso a tecnologia, qualquer pessoa pode hoje gravar um disco sem sair de casa. Por que ainda é aconselhável buscar ajuda profissional? Acredito que não só na música/gravação, como em todas as áreas a informação está escancarada pra gente. Basta pesquisa, paciência e saber separar as informações que prestam das que não prestam. Dá pra gente fazer uma comparação rápida: ‘Ah, eu vou pintar minha casa e quero fazer um trabalho de textura na parede’. Hoje o cidadão entra no Google, pesquisa, encontra até vídeo no YouTube, com o passo-a-passo de como diluir a tinta, como trabalhar com a massa da textura, enfim. Beleza, o nosso amigo cidadão pintou a casa dele, ele achou que ficou bacana e pronto! Pra ele está bom. Mas eu tenho certeza de que, se esse mesmo cidadão tiver uma loja, um comércio no centro da cidade, onde ele atende um público exigente, um monte de gente visita essa loja, aí ele contrataria um profissional pra cuidar dessa pintura, textura, etc. Acredito ser assim também na música. Nada impede de se fazer todo o processo em casa, descobrindo, testando. Isso é muito prazeroso e deve ser feito quando há possibilidade, fazer uma pré-produção. Mas tudo depende do foco e do direcionamento do trabalho. Se é algo pra registrar as suas ideias, gravar suas composições, criações, acho perfeitamente válido fazer isso em casa. Porém, um trabalho de carreira é algo muito sério. Envolve muitos outros processos que, com o auxílio de um profissional, alguém que você conheça o trabalho, confie e sobretudo, alguém que estudou, vivenciou e vivencia diariamente tanto a parte técnica, estética e de mercado, e olhando com outros olhos, outros ouvidos, enfim, outros sensores, com certeza o projeto terá mais chances de ser um bom produto, ser algo que desperte algum sentimento em quem irá ouvir e ‘consumir’ esse trabalho.

O que você busca em um artista quando vai trabalhar com ele? Primeiramente, eu preciso conhecer esse artista. Qual o gênero, o que ele ouve, o que ele gosta, quais são as influências no trabalho dele. Depois disso, saber qual o propósito do projeto desse artista. O que ele pretende, onde ele quer chegar e o que/como ele pretende fazer para chegar. A partir daí eu preciso estar sincronizado com esse artista para que essa direção aconteça naturalmente, sem forçar nada e sem perder o foco. No caso de uma banda, obviamente vou tentar fazer com que os músicos toquem direitinho, orientar a melhor maneira de gravar, de tocar, tentar deixar tudo ‘nos trilhos’ para que a música aconteça de maneira clara e precisa. Nos cantores, preciso fazer com que se sintam à vontade com a sua música, com a forma com que ela está sendo feita. Que cantem afinados, que passem todo o sentimento, toda a sensação que aquela música, ou aquele trecho, aquela frase precisa. E o principal de tudo: manter a verdade. Fazer com que o fundamento, aquele ‘alicerce’ do artista, esteja ali pra todo mundo ouvir, escancaradamente.

Juninho Sarpa

Como você analisa a produção artística de Artur Nogueira? É uma cidade que tem potencial artístico? Sim! Sem dúvida alguma! Além de muitos músicos que já trabalham profissionalmente, acho muito legal ver gente nova querendo fazer seu trabalho! E não digo só na música não! Artes plásticas, teatro, cinema, fotografia. É disso que eu gosto. Movimentação! No caso da música especificamente, fico muito orgulhoso quando vejo banda nova na cidade, pessoal se encontrando pra ‘rolar um som’, até mesmo dentro do Groove. Alunos que compõem, que se juntam com outros alunos pra tocar junto. Eu acho que é por aí que a coisa deve funcionar. E gosto mais ainda dos que levam a sério! Querem produzir material de qualidade, querem fazer música com profundidade, não simplesmente por fazer!
Acredito que se pudéssemos promover festivais, saraus, encontros e ‘exposições’ de música independente, a cidade se surpreenderia com a quantidade, qualidade e diversidade musical que temos por aqui. Seria um incentivo e tanto pra quem está querendo mostrar o que faz.

Juninho Sarpa

Na última quarta-feira, foi lançado na internet um clipe da banda Finder que foi produzido por você. O que me chamou a atenção, além do talento dos meninos, foi a gravação do vídeo, que foi feita utilizando apenas um aparelho celular. Como foi que surgiu essa proposta? Isso! Estamos em processo de produção desse primeiro álbum da Finder. Chegou um momento em que eu falei: ‘Rapaziada, vocês precisam ser vistos! Se promover! O pessoal precisa saber que vocês existem antes do disco chegar’ e aí surgiu a ideia de fazer o videoclipe de uma faixa do álbum. Desde que eu comecei a me aventurar como ‘videomaker’, sempre fiquei surpreso com a qualidade e praticidade que os aparelhos de celular modernos nos oferecem, tanto em vídeo quanto fotografia, e sempre tive vontade de tentar fazer algo somente com o celular. Conversei com a Finder sobre o videoclipe, falei da ideia de tentar filmar somente com o celular e eles toparam na hora! Quando eles falaram ‘Demorô! Vam fazê!’ eu dei uma tremida na base, afinal, seria algo novo, que eu nunca tinha feito e que eu não tinha a menor ideia de como poderia ficar [risos]. E até finalizar o vídeo, eu ainda não tinha total noção de como seria o resultado. Mas acho que o resultado foi muito bacana, melhor que o esperado, levando em consideração todas as limitações.

[Assista o Clipe]

Quanto custa para eu produzir e lançar um disco? Uai!! Vamos fazer o seu? [risos] Existem várias formas e caminhos pra se produzir um trabalho. Antes da gente fechar um orçamento, alguns pontos precisam ser definidos em relação ao projeto: qual a finalidade, qual o público, qual a mídia e em quais veículos esse trabalho precisa chegar. Todos esses pontos vão alterar diretamente o custo total da produção. É difícil falar em valores sem pensar num projeto. O que eu sempre digo pra todos os que me procuram para trabalharmos uma produção, ou simplesmente tirar dúvidas sobre como proceder com o seu projeto, é que tenham uma boa produção executiva.

Como assim? Uma boa administração. Por exemplo: pode-se ter um valor X de investimento destinado àquele projeto e não se pode gastar nada além daquilo, então temos que trabalhar modificando as outras variáveis pra adequar o projeto ao investimento. Por outro lado, há casos em que formatamos todo o projeto, chegamos num orçamento, e a partir daí o artista vai captar recursos pra realizá-lo. Pra que tudo isso fique no eixo e não fuja do controle, tudo deve estar no papel e muito bem administrado. Fazendo assim, não tem erro!

Quais são seu planos profissionais? Continuar fazendo esse meu trabalho que eu amo incondicionalmente! Cada vez melhor, tentando inovar sempre, estudando muito, todo dia, e buscando oferecer um serviço cada vez de mais qualidade aos meus parceiros. Prefiro chamar assim, e não clientes. Não tem sensação melhor do que a de ver aquele sorriso aparecendo no rosto do artista quando ouve sua produção, seu projeto finalizado. Meus planos profissionais? É que esse sorriso apareça no rosto de quanto mais gente possível e cada vez com mais intensidade, seja ela artista, músico, banda, cantor, grupo, dupla ou ouvinte.

Fotos: Renan Bussulo

Juninho Sarpa

Juninho SarpaCaricatura: Tomás de Aquino


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