27/10/2012

ENTREVISTA: Presidente da Apae fala sobre filho deficiente e aniversário da associação

João Viveiros

“A Apae não precisa de piedade de ninguém, ela precisa é de oportunidade” (João Viveiros)

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Alex Bússulo

Nascido na cidade vizinha de Limeira, João Nunes de Viveiros Filho sempre foi um homem regrado e valorizador da disciplina. Casado com Maria Imaculada da Conceição Viveiros, ficou pai após exatamente dois anos de casamento. A gestação e o parto do primeiro filho, Gustavo, foram normais. Até um ano e meio de vida era igual a qualquer outra criança. Gostava de pular e brincar, mas por algum motivo o garoto não conseguia se comunicar com os pais. A partir de então, o casal iniciou uma longa jornada, que dura até os dias atuais, para o cuidado e atenção com o filho deficiente.

Gustavo possui algumas limitações, mas é um homem de muita inteligência. “Se alguém falar alguma palavra errada perto dele, ele corrige na hora. É ótimo no português”, lembra João da qualidade do filho.

A necessidade em se envolver com a Apae aproximou a família Viveiros da Apae de Artur Nogueira. Em 1998, a entidade nogueirense recebeu Gustavo para ser um assistido e possibilitou a mudança da família para a cidade ‘Berço da Amizade’.

Desde janeiro de 2011, João Viveiros responde como presidente da Apae de Artur Nogueira. Como pai, entende de perto a necessidade que a entidade vive diariamente. De opinião formada, conquistou, neste pouco tempo, críticas e elogios que marcam seu mandato.

O casal também teve outra filha, Mariana, que após formação acadêmica também decidiu ingressar e trabalhar na Apae.

Em comemoração ao aniversário de 26 anos da entidade, recebemos o presidente em nosso estúdio. Em uma conversa franca de mais de uma hora, João Viveiros fala sobre os desafios diários da entidade, qual é a maior barreira em ser pai de um filho deficiente e como as pessoas podem contribuir mais com a Apae. Confira.

O senhor é pai de uma pessoa com deficiência. O que isso significa em sua vida? O Gustavo é um presente de Deus. Ele nasceu há 31 anos, exatamente no dia em que eu e minha esposa completávamos dois anos de casamento. No início ele sempre foi igual às outras crianças. Nasceu de parto normal, fazia suas travessuras como qualquer outra da sua idade. Com nove meses já estava andando. Sempre foi um garoto muito esperto. Apenas começamos a perceber que havia algo de diferente quando ele estava com um ano e meio.

Como foi esse processo de descoberta? O que nos chamou a atenção foi a comunicação do Gustavo. Começamos a perceber que ele não nos entendia. Sabíamos que ele conseguia ouvir perfeitamente, mas por algum motivo ele não compreendia a informação. Ele não pronunciava nada, nem mamãe, nem papai, nem aqueles ‘gugu dá dá’. Foi aí que o levamos em vários especialistas e iniciamos a nossa luta.

Luta? Sim. É necessário muito amor e muita fé em Deus. Hoje, eu, ao lado de minha esposa, levo uma vida normal porque aceitei com a situação. Nós aceitamos a dificuldade de nosso filho cem por cento. O difícil sempre foi lidar com a nossa ansiedade, pois até hoje não tivemos um diagnóstico fechado do Gustavo.

O senhor se mudou em Artur Nogueira em 1998. Foi devido a Apae? Sim. Provavelmente não estaria morando aqui se a instituição não tivesse aberto as portas para o meu filho. Como nasci em Limeira, sempre conheci e visitava amigos que moravam aqui. Sempre gostei desta cidade. O Gustavo passou por várias escolas e instituições particulares de Campinas e Limeira. Quando recebemos a informação de que ele poderia vir para cá decidimos nos mudar. Ele entrou e nós também começamos a participar ativamente da Apae. Antigamente, a diretoria era constituída por indicação, não havia necessariamente uma eleição.

Qual é a maior barreira que um pai que tem um filho com deficiência enfrenta nos dias de hoje? Acredito que a principal barreira é a própria cabeça dos pais. É um obstáculo colocado por cada um. É aceitar as mudanças que a família terá que passar, porque afinal o pai e a mãe também passam a serem portadores de deficiência. É um desafio diário que vira rotina. Mesmo já tendo 31 anos de idade, meu filho não pode ficar sozinho de jeito nenhum. Sempre tem alguém cuidando dele. Isso é uma dedicação, uma entrega total, que um pai e uma mãe precisam aceitar. Tem que haver muita união, muito amor, dedicação e, principalmente, fé e confiança em Deus. Houve uma época que buscávamos a cura do nosso filho, hoje essa procura já não existe mais, o amor e aceitação falaram mais alto.

Como o senhor se tornou presidente da Apae? Costumo dizer que eu estou como presidente, não que eu sou presidente. Assumi essa missão em um momento difícil da Apae, em um momento em que ela poderia fechar as portas. Eu, devido a minha situação, sei mais do que ninguém a importância da instituição, tanto para os alunos assistidos quanto para a própria família. Não podia deixar que isso ocorresse. Então, em janeiro de 2011, aceitei o desafio e estou até hoje.

Respondendo como pai e como presidente, o que o trabalho da Apae representa hoje para Artur Nogueira? Representa oportunidade para aqueles que mais precisam. Eu fico preocupado com o que seriam de nossos alunos e assistidos se eles não frequentassem a instituição. Hoje temos 165 alunos, e esse número cresce a todo o momento. Atualmente atendemos pessoas de todas as idades. Alguns estão lá desde a fundação da Apae, em outubro de 1986, pois diferentemente das outras escolas, a Apae não tem um limite estipulado de permanência. Essas pessoas ganham a oportunidade de serem inseridas na sociedade, ganham a oportunidade de aprenderem e desenvolverem talentos. Hoje, a instituição oferece, além de salas de aula e oficinas com professores especializados, várias atividades como Equoterapia, Fisioterapia Motora e Respiratória, Terapia e Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Odontologia, Pediatria, Pedagogia e Neuropediatria, além de oferecer cursos de capacitação, como padaria e artesanato. Tudo isso de graça, sem nenhum custo para a família. Uma das coisas que me orgulho muito é poder dizer que atualmente não existe fila de espera. Todos que precisam são atendidos.

Como a Apae se mantêm atualmente? Antigamente, a maior ajuda que a Apae recebia era a arrecadada através de leilões. Hoje, a instituição sobrevive com a ajuda de convênios da Secretaria Estadual de Educação e do SUS. A Prefeitura ajuda muito através de 12 subvenções mensais, transporte escolar, disponibilização de dois professores, dentista e auxiliar e merenda escolar. Também arrecadamos com a realização de shows de prêmios, venda de flores, festas e jantares. A Apae de Artur Nogueira gera um custo mensal que gira em torno de R$ 60 mil.

Podemos notar que a Apae está passando por uma reforma que inclui pintura no prédio, instalação de uma academia adaptada e até um centro de reabilitação aquática. Qual a importância dessas obras? Tudo o que fazemos tem o objetivo de valorizar os alunos e assistidos. Buscamos diariamente a excelência no atendimento e que ela se torne referência em nossa região. Estamos trabalhando para que todos os professores tenham cursos especiais que se referem ao cuidado de pessoas com deficiência. O centro de reabilitação aquática já está sendo construído e contará com uma ampla piscina totalmente adaptada aos alunos e assistidos. As cadeiras de rodas poderão adentrar na água, permitindo que se possa praticar e desenvolver várias atividades. Este centro está sendo possível com a ajuda de uma verba parlamentar no valor de R$ 100 mil, vinda da deputada estadual Célia Leão (PSDB). Acreditamos que, em um prazo de seis meses, as obras sejam concluídas. A academia adaptada foi conquistada por verba parlamentar da deputada estadual Ana Perugini (PT), no valor de R$ 40 mil. Também estamos com um projeto que permitirá a Apae receber mais uma verba no valor de R$ 150 mil, do deputado estadual Barros Munhoz (PSDB), que pretendemos utilizar na construção de mais três salas de aulas e oficinas pedagógicas. Além de um completo sistema de segurança através de verba de R$ 50 mil do deputado estadual Cauê Macris.

O seu jeito de presidir já incomodou muita gente. Como o senhor rebate essas críticas? Realmente muita gente já me criticou. Mas nunca nenhum pai veio até mim e disse algo de errado do meu trabalho. Nunca nenhum pai ou mãe criticou o meu trabalho como presidente. Você pode chegar aos responsáveis de qualquer um dos 165 assistidos e perguntar isso. Os que mais criticaram foram aqueles que estavam em uma zona de conforto e eu fiz questão de mudar. Tirei muita gente de uma situação cômoda. Lá ninguém é protegido, ou recebe algum tratamento especial. Nem a minha filha, Mariana, que trabalha lá. Cobro a excelência de todos – da diretora a faxineira – para trabalhar na Apae tem que haver dedicação, amor e competência. Com base nisso, acredito seriamente de que nossa entidade está com uma cara nova, e muita gente concorda com isso. Se tem uma coisa que me incomoda muito é aquelas pessoas que tem dó da entidade. Isso me deixa fora do sério. A Apae não precisa de piedade de ninguém, ela precisa é de oportunidade. Se alguém quer ser amigo da Apae, seja amigo de nossos filhos.

Como uma pessoa pode contribuir com a Apae? Através do programa de sócios-contribuintes. Qualquer pessoa que se interessar pode contribuir mensalmente com qualquer quantia em dinheiro. A situação financeira da entidade sempre será um problema diário do presidente. Correr atrás de recursos, exigir o que é da Apae por direito, reunir voluntários, enfim, são coisas que eu busco todos os dias. Não importa o valor, pode ser R$ 10 ou R$ 15 por mês, tudo será muito bem-vindo.

Existe algum projeto que o senhor gostaria que tornasse realidade na Apae de Artur Nogueira? Sim, vários. Vou citar algo muito interessante que estamos planejando colocar em prática. Trata-se da Casa Abrigada, que pretende acolher pessoas com deficiência que já são idosas. Isso sempre foi uma preocupação minha e dos pais. Afinal, o que vai fazer um deficiente, que depende do apoio familiar, quando chegar na Terceira Idade? Seria uma entidade voltada aos idosos especiais. Uma ideia que não é tão simples, mas muito importante e necessária.

Fotos: Renan Bússulo


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