21/05/2011

De Mercedes para Mercedita

Conheça a história da cantora que faz da Lagoa dos Pássaros seu palco



Alex Bússulo

Sem dúvidas, esta foi uma das entrevistas mais pedidas pelos leitores. Na rua, por e-mail, nos comentários, não importava onde eu estava sempre tinha alguém que falava sobre a ‘cantora da lagoa dos pássaros’.

Mercedes Tomé Gonçalves, nasceu em 1947, na cidade de Elisiário-SP, atualmente com aproximadamente três mil habitantes. Veio para Artur Nogueira quando tinha 12 anos com o pai e com 11 irmãos. De lá para cá trabalhou na roça, foi uma das mais famosas cabeleireiras da cidade, tentou ser vereadora e até abriu uma lanchonete. Atualmente chama atenção como ‘Mercedita’, nome artístico que adotou há três anos.

Faça chuva, faça sol, tenha público ou não, lá está ela todos os domingos na Lagoa dos Pássaros, cantando e animando quem passa pelo local.

Saímos atrás da nossa entrevistada na manhã da última quinta-feira (19). Por telefone agendamos um encontro em sua residência, às 15 horas do mesmo dia. No horário marcado, nossa equipe foi até o local combinado. Um quarteirão antes de chegarmos a sua casa já conseguíamos ouvir Mercedita cantando ‘Moreninha linda’. Ao entrar em sua casa, a cantora vestia uma blusa vermelha com um sobretudo branco e seu chamativo chapéu rosa, além dos óculos escuros.

Entramos e começamos o bate papo que durou mais de duas horas. Na entrevista, a cantora falou sobre sua vida, suas profissões, seus amores e, claro, sobre o seu lado artístico. Confira:

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COMO FOI QUE VOCÊ VEIO PARA ARTUR NOGUEIRA? Meu pai veio tomar conta de uma fazenda aqui, que ficava lá para o lado da Ponte de Tábua. Trabalhei muito na roça, cresci no sítio. Com 17 anos conheci um rapaz com quem namorei três meses e me casei.

COMO ERA A VIDA NAQUELA ÉPOCA? Vivi uma vida muito difícil. Trabalhava pesado. Meu marido só queria saber de cavalo e égua. Tudo o que eu ganhava no sítio ele comprava égua. Eu achava muito ruim, porque ele não me ajudava na roça, nem roupa para as crianças ele comprava. Aí decidi que ia me separar dele. Mas antes precisava juntar um dinheiro pra seguir minha vida. Bolei um plano. Comprei uma galinha e a coloquei para chocar, dela nasceu vários frangos que eu vendi e com o dinheiro comprei uma leitoa. A leitoa criou, eu tratei dos leitõezinhos, vendi e comprei uma novilha [vaca]. Mais uma vez eu cuidei da bezerra e quando ela estava no ponto, vendi e com o dinheiro comprei meu salão de cabeleireiro [risos].

A PARTIR DAÍ FOI MAIS FÁCIL? Que nada. Comprei o salão, mas tinha que vir morar na cidade, mas não tinha dinheiro. Aí mudamos para um paiol no fundo da casa do meu sogro. Era uma dificuldade danada, tinha muito pernilongo e rato. A convivência com meu marido ainda era difícil, eu tive que aguentar porque não tinha alternativa. Chegava no domingo ele ia comer na casa da mãe dele e não comprava nem um macarrão para os filhos. Deu um ponto em que eu disse que não dava mais e no meio de uma noite, depois de discutirmos, peguei meus filhos, sai e nunca mais voltei.

E DEPOIS? Segui minha vida, vendemos o sítio e com a minha parte comprei uma casa no começo da avenida XV de Novembro, próxima ao centro. Ali eu morei e trabalhei mais de 20 anos. Nessa época, paguei por um mês uma professora para me ensinar a ler e a escrever. Só depois disso fui fazer um curso de cabeleireira em Campinas. Aí as coisas começaram a dar certo. Todo mundo vinha cortar cabelo comigo. Eu arrumei mais de duas mil noivas em Artur Nogueira.

TEM UMA HISTÓRIA DE QUE VOCÊ ABRIU UMA LANCHONETE EM UMA ÉPOCA. É VERDADE? Sim. Eu ia bem com o salão de cabelo, ganhava muito bem ali, mas queria mais. Aí comprei uma lanchonete em Engenheiro Coelho. No começo, o negócio não ia pra frente, porque eu era sozinha e precisava de alguém para me ajudar, precisava de um garçom, mas era muito caro. Até que apareceu um rapaz e me disse que trabalharia para mim desde que eu desse um lugar para ele morar. Dito e feito. Coloquei o rapaz para morar em três cômodos que havia no fundo da minha casa e levava ele trabalhar todo dia comigo. Um doce de homem. Passados alguns meses, eu comecei a achar estranho, pois ele trabalhava honestamente em troca só de comida e um lugar para dormir. Não demorou muito para ele chegar em mim e dizer que estava loucamente apaixonado. No momento não via motivo para não me relacionar com ele e comecei a namorá-lo. Ele era bem mais novo do que eu, era bonitão, trabalhador, pra que eu ia querer mais?

VOCÊ ENCONTROU O PRÍNCIPE DA SUA VIDA? Príncipe que nada! Depois que eu me envolvi com o sujeito, ele se mostrou quem realmente era. Em três meses foi um santo, depois começou a beber e foi uma desgraça atrás da outra. Ele fez tanto barraco na lanchonete que eu fiquei desacorçoada e acabei vendendo tudo. Disse pra ele ir embora, mas ele falava que não me largava nem depois de morto. E não largou mesmo. Ficou lá no fundo de casa por nove anos!

NOVE ANOS? Sim, até que um dia, antes de sair de casa passei nos fundos para dar uma olhada nele. Entrei no quarto e ele estava dormindo bem encolhidinho. Nem falei nada e sai. Só fui voltar à tardezinha, mas achei estranho porque a casa estava do mesmo jeito que havia deixado. Fui ao quarto e o encontrei do mesmo jeito que estava cedo. Lembro que gritei brincando pra ele levantar e ir cuidar da vida, mas ele não se mexeu. Puxei a coberta e vi que ele estava roxo. Saí feito uma louca gritando.

ESTAVA MORTO? Sim, morreu de tanto beber. E coragem para ficar naquela casa depois disso? Ele vivia dizendo que não ia sair da minha vida nem depois que morresse. Eu tinha medo dele aparecer pra mim. Convidei uma amiga para passar a noite comigo e a danada foi na cozinha e voltou assustada dizendo que queria me falar uma coisa. Eu me desesperei. Pensei que ela tinha visto ele. Nem quis falar com ela. Sai da casa do jeito que eu estava. Depois acabei vendendo a casa e fui morar com minha filha, comprei outro salão na rua Rui Barbosa e continuei trabalhando. Mas as coisas não foram muito bem. Fui perdendo a freguesia, até que parei com tudo e me aposentei.

E A SUA AMIGA NÃO DISSE O QUE TINHA VISTO? Você acredita que depois de alguns anos, depois de quase ter me matado de medo, ela chegou em mim e falou que estava na cozinha e tinha batido a cabeça…

SÓ ISSO? Só. Queria falar pra mim que estava morrendo de dor na cabeça e eu pensei que ela tinha visto a assombração [risos].

VAMOS FALAR DAS VEZES QUE VOCÊ TENTOU SER VEREADORA. Nossa! Foram quatro tentativas!

VOCÊ DISPUTOU QUATRO ELEIÇÕES? Sim, e não ganhei nenhuma [risos]. Nem bem votada eu fui. O povo mandava eu me candidatar que eles votariam em mim. Eu saia na rua em época de eleição e era aquele alvoroço, todo mundo vinha me abraçar, falava que eu ia ganhar, mas no final sempre perdia.

ENTÃO ANO QUE VEM TEREMOS A MERCEDES COMO CANDIDATA MAIS UMA VEZ? Deus me livre. Não quero mais saber disso não. Tentei por quatro vezes, se o povo não quis, fazer o quê?! Na última eleição, eu queria muito ser vereadora, queria ser tanto que acabei virando crente!

MUDOU DE RELIGIÃO? Sim, o pastor falava que o que a gente pedisse na fogueira santa ele nos dava. Eu me vesti do jeito que ele falou, coloquei umas fotos no meu corpo e fui pra tal fogueira, mas não recebi nada em troca. Aí eu saí da religião e falei que nunca mais voltava [risos].

QUANDO FOI QUE NASCEU A ‘MERCEDITA’? Em 2009, um amigo que sempre me via cantando no videokê nas lanchonetes, disse que eu levava jeito e que deveria gravar um CD. Coloquei aquilo na cabeça e não consegui tirar mais…

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[Neste momento, nossa entrevista é interrompida pelo toque do celular de Mercedes, que atende e começa a falar com um homem, no começo a conversa parece meio romântica, mas depois Mercedes diz que não pode falar porque está dando uma entrevista. Para minha surpresa ela joga o telefone em minhas mãos e pede para que eu fale com o sujeito. Um tal de Chico. Muito simpático, diz que está apaixonado e que quer namorar a Mercedes. Ainda segundo o homem, a cantora faz jogo difícil. Mercedes pega novamente o telefone e diz que não é mais para ele ligar para ela. Desliga].

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QUEM É ESSE? É um que não larga do meu pé. Quer de tudo jeito namorar comigo, mas eu não quero mais saber de homem. Só namoro se aparecer um que tenha as características que eu procuro. Mas eu sei que um homem com essas características não existe.

QUAIS? Eu cheguei até escrever uma carta para Jesus, pedindo que me mandasse um homem que não bebesse, não fumasse, não tenha filhos, não tenha ex-mulher no pé e que tenha seu próprio carro, para que não use o meu [risos]. Só isso que eu peço. Mas até agora nada!

VAMOS VOLTAR A FALAR DA SUA CARREIRA COMO CANTORA. Depois que meu amigo me incentivou a cantar, comecei a ensaiar e não parei mais. Eu mesma produzo e gravo meus CDs.

E OS SHOWS NA LAGOA DOS PÁSSAROS? Fui para lá porque não tinha onde cantar. Ficava só aqui em casa e ninguém vinha me ver. Aí pensei e fui para a lagoa. Já faz dois anos que eu canto lá, todos os domingos, das 15h às 18h. Levo meu microfone, minha caixa de som e fico lá cantando.

VAI BASTANTE GENTE TE VER? Se vai pra me ver eu não sei, só sei que a Lagoa não fica vazia.

VOCÊ POSSUI ALGUNS VÍDEOS NO YOUTUBE DE SUAS APRESENTAÇÕES. COMO ELES FORAM PARAR POR LÁ? A molecada que coloca. Não sei se é porque eles gostam ou se é pura gozação, mas eu gosto e não acho ruim não. Porque eles estão me ajudando a ficar famosa. Qual mulher aqui da cidade tem a honra de estar na internet? Eles colocaram um vídeo meu fazendo a dublagem da música do Titanic [veja] e escreveram embaixo, que foi por isso que o navio afundou [risos]. Hoje eu não posso cantar olhando para os homens que eles se encantam. Por isso que eu canto muitas vezes de costa para o público.

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Finalizamos a conversa, mas antes de irmos embora, Mercedita fez questão de cantar e mostrar como é seu show. No final da apresentação fomos presenteados com um de seus CDs. Se você gostou da entrevista e quer conhecer ou acompanhar a cantora, não deixe de ir na lagoa. Garantimos que você vai se divertir muito… Ah vai!



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