08/06/2013

ENTREVISTA: Eles são cegos, estão casados há 55 anos e dão uma bela lição de amor

Conheça a história de Alice e Luiz Gallani

Alice e Luiz Gallani“Nunca nos vimos, mas isso não impediu o nosso amor” (Alice e Luiz Gallani)

………………………

Alex Bússulo

Será mesmo que o amor é cego? Como poderíamos definir um sentimento tão forte e poderoso quanto este? Confesso que não é fácil falar de amor. E quando digo amor é amor mesmo. Não me refiro a amizade ou paixão, muito menos a atração. Estou falando sobre este amor que já causou tantas alegrias, tristezas e histórias que ficaram marcadas em nossas memórias e, principalmente, em nossos corações.

Tolo é aquele que tenta definir o amor. Confesso que eu já tentei defini-lo e garanto que vive-lo é muito melhor do que tentar explicá-lo. Certa vez o filósofo indiano Osho afirmou que ‘as pessoas dizem que o amor é cego porque elas não sabem o que é o amor. Só o amor tem olhos. Além do amor, tudo é cego”.

Você já deve ter percebido que o tema da entrevista desta semana é sobre o amor. Toda semana, antes de escolhermos o entrevistado, fazemos várias reuniões a fim de encontrarmos pessoas que tenham boas histórias para nos contar. Em homenagem ao Dia dos Namorados, comemorado na próxima quarta-feira, 12 de Junho, encontramos a história de um casal nogueirense que vale a pena ser contada.

Alice e Luiz Gallani são cegos e estão casados há exatos 55 anos. Hoje, ela tem 78 anos de idade e ele 79. Ela nunca viu o marido, nem ele nunca viu a esposa. Moram em Artur Nogueira há quase 30 anos. Nesta semana nossa equipe foi conhecer a história deste casal especial. Digo especial não pela deficiência, mas pela trajetória de vida e pelo amor que os mantém unidos há tantas décadas. Quer história de amor mais bela do que esta?

Alice Patrocínio de Moraes Gallani nasceu em uma pequena cidade chamada Bocaina, no Estado de São Paulo. A infância dela foi normal. Entrou para a escola, onde aprendeu a ler e a escrever. Aos treze anos descobriu que tinha glaucoma, uma doença ocular. “Na época, minha família me levou em vários médicos, mas o tratamento era muito difícil e limitado. Depois dos meus 13 anos nunca mais enxerguei”, conta dona Alice.

A mesma doença atingiu o senhor Luiz, que perdeu a visão com apenas seis anos de idade. “Não me recordo muito das imagens, pois fiquei cego muito cedo. Tive que aprender como lidar com essa deficiência logo no início de minha vida”, relembra o aposentado.

Luiz sempre foi apaixonado por música. Antes mesmo de ficar cego ganhou um cavaquinho do pai e vivia tocando o instrumento. Após a doença, foi encaminhado para o Instituto de Cegos Padre Chico, em São Paulo. “Quando completei 11 anos de idade fui para o colégio Padre Chico, uma escola especializada em educação para cegos. Foi lá que eu aprendi teoria musical e me aperfeiçoei na música”, conta Luiz.

Alice e Luiz Gallani

Os anos se passaram e o destino fez questão de cruzar os caminhos do casal. Devido a deficiência, dona Alice foi morar no Lar das Moças Cegas, um Centro de Educação e Reabilitação para deficientes visuais na cidade de Campinas.

E foi neste mesmo lar que Alice conheceu Luiz. “Na época eu já ganhava a vida tocando em bailes e rádios espalhadas pelo país. Em uma de minhas passagens por Campinas decidi passar no Lar das Moças Cegas e me apresentaram a Alice. Depois daquele dia nunca mais nos separamos”, afirma Luiz.

Dona Alice dá risadas ao lembrar como foi o primeiro encontro. “Minhas amigas, que também eram cegas, começaram a falar que eu combinava com o Luiz, devido às nossas idades”, conta a aposentada.

Mas engana-se quem pensa que o namoro foi igual ao dos dias atuais. “Eu tinha que ficar esperto porque namorávamos em baixo dos olhos das freiras. O namoro era bem diferente de hoje. Sentávamos em um banquinho e ficávamos conversando. Beijo não existia. Só nos beijamos no dia do nosso casamento”, afirma Luiz.

Sem poder enxergar a namorada, Luiz conta que se encantou pela voz da jovem mulher. “Como não víamos nada, o negócio era conversar [risos]. Eu viajava muito para fazer minhas apresentações e acabava tendo muitas histórias para contar. Lembro-me como se fosse hoje. A voz dela sempre foi linda. Foi isso que me chamou a atenção. Até hoje gosto da voz dela. Embora tenha passado todos esses anos essa voz continua a mesma”, elogia o marido.

Alice e Luiz Gallani

Dona Alice conta que antes de conhecer Luiz nunca havia namorado ninguém: “Eu sempre fui mais tranquila. Ao contrário dele, que já havia namorado muitas outras…”. O marido interrompe e se defende dando risada: “Só foram três! Mas para falar a verdade eu sabia que não ia dar certo. Todas as minhas ex-namoradas enxergavam e isso não poderia acabar bem. Eu pensava que se casasse com uma mulher normal ela me deixaria para trás. Ela iria querer viajar, passear e eu não teria condições. Encontrei alguém igual a mim e isso deu certo”, afirma Luiz.

Algumas pessoas foram contra o casamento do casal. Diziam e se perguntavam como duas pessoas poderiam construir uma família sendo que nenhum dos dois enxergam. Mas essas perguntas nunca abalaram o amor entre Luiz e Alice, que decidiram se casar um ano após o início do namoro. “Não havia motivo para esperar. Namoramos e decidimos nos casar. Quem não enxerga não existe essa coisa de beleza, roupa bonita, cabelo arrumado. Nunca nos vimos, mas isso não impediu o nosso amor. Quando a gente passa a mão no rosto de uma pessoa a gente consegue perceber a fisionomia dela. Sabia que a Alice era a mulher certa”, afirma Luiz.

A cerimônia aconteceu na Igreja Matriz do Carmo, em Campinas, no dia 28 de setembro de 1957. “Foi um dia muito especial para nós. Reunimos familiares e amigos em um evento simples, mas muito emocionante”, relembra Alice.

Alice e Luiz Gallani

Um ano depois, em 1958, nasceu a primeira filha do casal. Dona Alice conta que deu a luz em plena Copa do Mundo. “Da maternidade eu ouvia a comemoração dos torcedores. Era rojões para tudo quanto é lado. Minha gravidez foi tranquila e normal assim como das outras mulheres. Antes de nos casar, tanto eu quanto o Luiz, fomos ao médico para sabermos se nossos filhos poderiam nascer cegos. Os médicos garantiram que eles seriam normais, isso nos motivou ainda mais o nosso casamento. Depois do parto, recebi muito apoio da minha sogra. Ela me ajudava a cuidar da pequena Roseli”, conta Alice.

Oito anos depois veio o segundo filho. “Depois que a Roseli já estava grande, decidimos ter mais uma criança. Foi aí que nasceu o Luiz Rogério. Tivemos dois filhos saudáveis e normais que nos acompanham até hoje. São nossas duas joias”, afirma o pai.

Luiz ganhou a vida e sustentou a família graças ao dinheiro que ganhou como músico. E engana-se quem pensa que o nogueirense cantava apenas em bares. O músico tocou teclado e fez sucesso em vários estados brasileiros. Trabalhou por dez anos na Rádio Educadora, em Limeira, três anos na Rádio Piratininga, em São Paulo, além de ter participado de vários conjuntos musicais e ter se apresentado na Rádio Nacional, no Rio de Janeiro.

Luiz Gallani

Em 1985, o casal se mudou para Artur Nogueira. A filha casou e veio morar na cidade ‘Berço da Amizade’, os pais a acompanharam. Compraram um terreno e construíram uma casa próxima a Escola Cardona, onde vivem até hoje, com o filho e com oito gatos.

E assim o tempo passou. Os filhos cresceram e foram educados normalmente. O casal continua fortemente unido. Nem a deficiência nem os desafios do dia a dia foram capazes de separar Luiz e Alice. Em setembro deste ano, eles completam 56 anos de convivência.

Qual será o segredo para se manter um relacionamento por tanto tempo? É comum vermos casais se separando nos dias de hoje. Às vezes, o divórcio acontece por motivos banais. Luiz e Alice são um exemplo de superação e de amor. Dificuldades eles tiveram, e muitas. Segundo eles, o segredo é simples. “A coisa mais importante em um relacionamento é o diálogo, a conversa. O homem que não conversa com a esposa e a esposa que não conversa com o marido não terá um casamento feliz. Muita gente casa por beleza, pelo visual. Beleza passa, o que fica em um relacionamento é a amizade”, declara Luiz.

Dona Alice concorda com o marido e complementa: “Percebo que algumas pessoas não se valorizam como antigamente. Nem o homem, muito menos a mulher. A própria pessoa não se valoriza e quer ser valorizada. Algumas mulheres saem com os homens nos primeiros encontros. Tudo ficou fácil e rápido. E ninguém valoriza aquilo que é fácil”, afirma Alice.

Para o casal, não existe relacionamento perfeito. “É ilusão pensar que o casal vai se casar e ser feliz para sempre. Tem que haver sacrifício por parte dos dois. Muitas vezes existem desencontros, mas um relacionamento só pode ser construído com a união e a cooperação das duas pessoas”, afirma Luiz.

Dona Alice conta que é difícil definir o que significa o amor. “É um sentimento difícil de se explicar. Ele existe, mas não tem tanta explicação. Sempre amei o Luiz, mesmo nunca tendo enxergado ele. Acho que o amor é cego porque nós não temos garantia de nada, o futuro a Deus pertence”, conta a esposa.

Antes de ir embora faço uma última pergunta: Qual é o melhor presente para o Dia dos Namorados? Alice se apressa e afirma: “É a companhia”. Luiz, dá risada, pensa um pouco, e fala: “Chocolates”.

Sempre bem-humorado, Luiz nos presenteia com uma música tocada em seu teclado. E assim finalizamos e nos despedimos deste casal tão especial e que nos passou uma grande lição de amor e de vida.

Fotos: Gregory Pereira

Alice e Luiz Gallani

Alice e Luiz Gallani

Caricatura: Tomás de Aquino


Comentários

Não nos responsabilizamos pelos comentários feitos por nossos visitantes, sendo certo que as opiniões aqui prestadas não representam a opinião do Grupo Bússulo Comunicação Ltda.