19/10/2024

Em ‘Resgate’, cineasta de Artur Nogueira fala sobre saúde mental masculina e pressão sobre homens

Produzido com apoio da Lei Paulo Gustavo de incentivo à cultura, trabalho convida audiência a repensar arquétipo do ‘homem super-heroi’

Filme de cineasta nogueirense fala sobre conflitos internos e masculinidade | Reprodução/Caio Godoi

Felipe Pessoa

A recente leva de produções culturais sobre saúde mental, que acompanhou o aumento do debate sobre o tema, expandiu o panorama de dificuldades que certos recortes sociais enfrentam para ver seus conflitos representados na mídia. Foi pensando nisso que Brunno Vaz, 32, ator e cineasta independente de Artur Nogueira, criou a proposta do filme “Resgate”, obra que conta com recursos da Lei Paulo Gustavo de incentivo à cultura para ser produzida, além de apoio de empresas privadas.

Na trama, Gabriel, interpretado por Brunno, que também dirige o filme, é um socorrista dedicado do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) que, sob a superfície heroica, passa por conflitos emocionais. Gabriel é obrigado a enfrentar as questões que ignora e secundariza depois de falhar em um dos resgates, que termina com a morte da vítima. Uma crise de pânico faz com que o protagonista entre em uma espiral de angústia ante a descoberta de que, em algum momento, precisará encarar as próprias emoções.

Brunno relata que, antes de ter sua primeira sinopse contemplada pela lei, a ideia do projeto tinha uma estrutura modesta. “Essa ideia eu tive no ano passado, quando estava no elenco da Hora do Horror, do Hopi Hari [parque de diversões em Vinhedo], mas seria algo bem mais simples, nessa mesma temática. Gabriel sendo do SAMU, mas sem mostrar ele no trabalho. Seria um vídeo com dois atores, eu e minha colega de elenco da época”, disse.

Mas, depois que teve a certeza do apoio financeiro, expandiu o escopo da produção. “Quando veio o incentivo da Lei Paulo Gustavo para Artur Nogueira, escrevi a sinopse e, quando fui aprovado, comecei a elaborar o roteiro com mais detalhes, porque agora eu tinha recurso financeiro para a obra. Então, agora, Gabriel é casado e tem uma filha! Tem a equipe do SAMU, com a qual ele trabalha… Mais personagens do que no princípio da ideia”, contou.

Brunno destaca que foi uma escolha deliberada trabalhar a questão da saúde mental sob o recorte da masculinidade. “Hoje se fala mais sobre saúde mental, então os jovens de hoje têm mais acesso a esse cuidado e consideram normal ter um acompanhamento psicológico, coisa que nossos pais não tinham. Não era bem visto pela sociedade alguém fazer terapia. E aí entra a questão do homem, da masculinidade.”

Na trama, Gabriel é um socorrista do SAMU que falha durante a ação e entra em jornada de autoconhecimento | Reprodução/Caio Godoi

“Esse acontecimento (a morte da vítima atendida por Gabriel) é apenas a ponta do iceberg, porque, após esse episódio, ele revisita momentos de trauma causados pela masculinidade tóxica do pai, impossibilitando que ele continue sua função no SAMU até realizar o tratamento. É aqui que vamos conhecer as dores do protagonista que foram moldadas pela visão de mundo que o próprio pai deu a ele”, explica o cineasta.

Brunno diz que, apesar de observar uma mudança no nível das conversas sobre saúde emocional, ainda é necessário um debate que foque em desconstruir percepções distorcidas da realidade, inauguradas por figuras de autoridade ainda na infância. “De geração em geração, temos melhorado nossa visão de mundo. Mas muitos de nós carregamos palavras que ouvimos dos pais, cuidadores, professores, que criaram crenças limitantes que precisam ser quebradas para que tenhamos vida em abundância”, diz.

Trabalho como válvula de escape de homens para problemas emocionais é tema da obra independente | Reprodução/Caio Godoi

Kiko Pissolato, ator convidado para o elenco, conta que conheceu Brunno quando ele passou a ser seu aluno em um curso de teatro. Depois, Brunno virou membro do grupo fundado por Kiko. Foi de Brunno a iniciativa de convidar o ator para o trabalho. “Eu também dirijo, escrevo, produzo e faço roteiro, mas a atuação é em primeiro lugar”, declarou Kiko, que completa 20 anos de atuação em 2024.

“Eu queria colaborar com esse primeiro trabalho dele também por ser um roteiro muito interessante, com viés psicológico importante, com o conteúdo muito embasado”, falou o ator. “Acredito que consegui contribuir um pouquinho com essa minha experiência e acho que o filme vai ficar muito legal”, acrescentou.

“Acho que o roteiro fala sobre saúde mental das pessoas em geral”, apontou Kiko. “Mas, como a personagem principal é um homem…, a gente sempre tem a dificuldade dos homens falarem dos próprios sentimentos. Então, também é um convite a essa reflexão, da necessidade dos homens perceberem que eles não são super-heróis, que eles precisam se tratar”, concluiu.

Brunno, à esquerda, ao lado de Kiko Pissolato; atores se conheceram em curso de teatro ministrado por Kiko | Reprodução/Caio Godoi

Brunno relata que um momento que marcou sua relação com a atuação aconteceu quando ele tinha por volta de sete anos e foi ao Hopi Hari assistir a um musical. “As imagens são vivas na minha memória até hoje”, disse. “Saí de lá e falei ‘um dia vou trabalhar como ator no Hopi Hari’”, lembrou.

Brunno realizou o sonho de infância e trabalhou como ator em duas temporadas da Hora do Horror. “Pode demorar o quanto for, mas, se você tem um sonho, não desista até que ele se realize”, aconselhou.

As referências culturais do ator se cruzaram com grandes nomes do cinema, em quem ele afirma se inspirar. “Com certeza Steven Spielberg!”, exclamou, quando perguntado sobre suas inspirações. “Quando criança, me imaginava como ator mirim correndo dos dinossauros nas aventuras de ‘Jurassic Park’ [longa-metragem lançado em 1993 sob a direção de Spielberg]. Sou muito apaixonado por musicais, pela presença da música e da dança, e, em 2021, Steven dirigiu ‘Amor, Sublime Amor’, um musical que ficou impecável”, declarou. “Sou fã, também, de Tim Burton”, disse.

Steven Spielberg, diretor que inspira Brunno, em foto com dinossauro | Reprodução/Jay Branscomb

Até a publicação da matéria, a equipe teve uma diária de gravação. Estão previstas, pelo menos, mais três. Eles compartilharam como foi o primeiro dia de filmagens no perfil de Instagram do projeto (@resgate.filme). “Nossa rotina no set é sempre muito descontraída, porque é a mesma equipe que grava os comerciais da VAZ Produções [produtora de Brunno], então já temos um entrosamento que contagia os novatos”, conta o ator sobre a dinâmica da equipe.

Reprodução/@resgate.filme

“Mas fazer cinema não é tão fácil. Por vezes, precisamos parar porque tem cachorro do outro lado da rua latindo e estoura no (áudio do) microfone. Ou quando vamos ver e não estávamos gravando o áudio, e retorna a gravação do início. Ou o Kiko (Pissolato, que integra o elenco) derruba toda a água no colo, molhando a poltrona que foi emprestada por um apoiador”, compartilhou Brunno.

Entre o elenco, estão Brunno Vaz, Kiko Pissolato, Ruan Bartarin, Giovana Lima e Eduarda Santos. A equipe técnica é composta por Caio Godoi (câmera), Natã Silva (Designer), Wendy Maira (Assitente Câmera), Jéssica Florêncio, Ana Carolina, Aline Verginio, Acaiene Costa (produção) e Heloisa Barrozo (preparadora de elenco).

A previsão para o lançamento do projeto é para o final de novembro deste ano.

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