08/03/2016

Em nove meses, 159 mulheres foram vítimas de violência doméstica em Artur Nogueira

Dados da Delegacia apontam que uma mulher é agredida a cada 1,7 dia no município.

Por Isadora Stentzler

Na data em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher, um balanço da Delegacia de Artur Nogueira denuncia que para muitas delas, o tão falado 8 de março não vem com flores, mas com marcas da violência doméstica. De acordo com os dados, só nos primeiros nove meses de 2015, 159 mulheres foram agredidas por seus companheiros, o que constitui crime contra gênero. O número alerta que a cada 1,7 dias uma mulher sofre violência no município e, mesmo havendo um serviço de amparo das vítimas no Centro de Referência Especializado em Atendimento Social (Creas), ainda é irrisório o número de mulheres que o procuram.

O balanço encomendando pela coordenadora do Creas, Sarah Abijah, para a Conferência de Políticas para as Mulheres, surpreende pelos números. Os dados apresentam o balanço de janeiro a setembro de 2015 e consideram como violência doméstica mulheres vítimas de ameaça, injúria – xingamentos –, lesão corporal e vias de fato – quando não há marcas de lesão corporal.

No índice, o mês que apontou maior número de casos foi fevereiro, com 25 denúncias, seguido de janeiro (24) e abril (23). Março, o mês da mulher, teve 15 casos, e de maio a setembro os números sempre estiveram abaixo dos 20, sendo que o mês com menos registros de violência foi o de julho, com cinco casos.

Apesar disso, em todo o ano passado o Creas atendeu apenas oito mulheres vítimas de violência doméstica e atualmente trabalha com apenas seis. O que Sarah percebe é que embora as mulheres denunciem, muitas delas não procuram atendimento posterior a agressão, já que é comum as vítimas voltarem aos seus companheiros. “A mulher é orientada a vir, mas ela vem se quiser. E há um contraste muito grande das mulheres que fazem a denúncia e das que são atendidas. Ano passado só tivemos oito mulheres atendidas aqui, sendo que são dezenas por dia. Então precisamos fortalecer este movimento de mulheres.”

Entre os motivos pela possível não ida ao Creas de vítimas que denunciam os agressores, Sarah cita o “arrependimento” das mulheres que fazem o Boletim de Ocorrência (às vezes motivado por ameaça), o medo, dependência financeira e a violência psicológica sofrida pelo agressor.

Porém, de acordo com a jornalista Jhenifer Costa, autora do livro “Depois do Sim”, em que relata histórias de mulheres vítimas de violência doméstica, embora exista um número alto de denúncias na cidade, ele não pode ser visto como um reflexo da realidade, uma vez que há muitas denúncias não realizadas. “Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2015, (Violência contra a Mulher e as Práticas Institucionais) apontou que 9% das vítimas se sentem culpadas pelas agressões que sofrem. Esse número constata que as vítimas se sentem merecedoras da violência, dando ao agressor mais poder, inconscientemente. Diante disso, a situação é muito mais delicada, mas felizmente, tem solução. Eu acredito que a única forma de mudar isso é através da educação e da conscientização das vítimas.”

Jornalista de Artur Nogueira escreve livro sobre violência doméstica

Ajuda

Responsável pelo atendimento direto com as vítimas em Artur Nogueira, a assistente social Josiane Pinheiro Alves aponta que o foco do trabalho realizado no Creas  é exatamente esta conscientização e educação que Jhenifer fala, em que o objetivo é empoderar as mulheres para que elas voltem ao círculo social. Para isso as vítimas são enviadas ao Caps, para assistência psicoterápica, e acompanhadas por Josiane.

Normalmente o atendimento dura seis meses, mas em alguns casos o acompanhamento pode levar um ano. “O objetivo é interromper o ciclo de violência”, frisa Josiane. “Porque a violência não é só com a mulher, é uma violência que acontece com a família toda. Por isso nós estamos aqui para trabalhar a mulher como um todo. Infelizmente ainda há muitas mulheres que pensam que merecem isso ou que nasceram apenas para serem donas do lar, então temos que trabalhar com a autoestima delas e mostrar os meios delas se inserirem na sociedade.”

Como parte desse trabalho, o Creas realizou no ano passado em Artur Nogueira uma Conferência de Políticas para as Mulheres com o intuito de colocar a cidade dentro do debate nacional de espaço de gênero. Na ocasião, a doceira Maria Telma foi destacada para representar o município na 4º Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM) que acontece no próximo mês, em Brasília. O evento “Mais Direitos, Participação e Poder para as Mulheres” será para discutir meios de como fortalecer a política nacional para as mulheres nos eixos contribuição dos conselhos dos direitos da mulher e dos movimentos feministas para a efetivação da igualdade de direitos; estruturas institucionais e políticas públicas desenvolvidas para as mulheres em todas as esferas da nação; recomendações do sistema político com participação das mulheres e igualdade; e subsídios para um sistema nacional de políticas para as mulheres.

Ainda em 2015, Telma foi a Atibaia e representou a cidade no congresso do estado de São Paulo sobre o tema.

Recomeço

Embora a violência doméstica seja vista e encarada apenas como um mal que atinge fisicamente a mulher, ela não precisa de casos extremos para ser caracterizada como tal. A violência psicológica e as ameaças também são parte de relacionamentos abusivos e colocam mulheres a mercê de um mal que acontece dentro do próprio teto.

Aos 17 anos, uma moradora de Artur Nogueira que não quis se identificar, foi vítima de um relacionamento abusivo com um jovem de Itu. Na época, em 2013, ela estava na casa do rapaz quando no meio da meio da noite ele a atacou.

Segundo conta a vítima, o caso teria acontecido porque ela estava trocando mensagens com a ex namorada do jovem, que fazia insistentes perguntas à nogueirense.

Durante a agressão, o rapaz pegou a jovem pelo pescoço e a pressionou contra a parede, dizendo: “Ta branca agora, né?” Uma forma de intimidação para ressaltar o medo da vítima. “Eu nunca me senti tão mal”, relembra a jovem. “Nunca achei que um homem faria isso comigo e ele ali, me segurando, apertando meu pescoço, só frisava que ele era quem dominava a situação e eu era uma presa.”

Depois da agressão o jovem saiu do quarto, deixando-a trancada, voltando horas depois.

No dia seguinte, ele ainda forçou a jovem a ter relações sexuais com ele. Embora ela não quisesse, se submeteu por medo, o que caracteriza um estupro.

Após o caso, a jovem voltou para Artur Nogueira e rompeu o relacionamento, mas as marcas daquilo ainda lhe acompanham dois anos depois. “Nunca tive relacionamentos longos porque não gosto de me sentir pertencente a alguém, e aquilo me deu mais medo. O que as jovens têm que entender é que elas são donas de si e não precisam ficar nessas situações. Eu achava aquele garoto encantador, nunca imaginei que ele pudesse fazer algo assim comigo, mas aconteceu. Voltar para casa depois da agressão foi libertador para mim.”

Dia da Mulher

O Dia Internacional da Mulher é comemorado oficialmente desde 1975, quando um documento assinado pela Organização das Nações Unidas (ONU) quis homenagear as aproximadas 130 tecelãs que morreram carbonizadas em 1857 por reivindicarem direitos trabalhistas.

As operárias da indústria de tecelagem, que entraram em greve no dia 8 de março daquele ano, tomaram o prédio da indústria, solicitaram redução da carga horária de 16 para 10h/dia, equiparação de salário com o homem e respeito no ambiente de trabalho. A manifestação, que foi vista como vandalismo, encerrou quando atearam fogo no prédio da indústria, carbonizando todas as tecelãs.


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