11/12/2016

Cubano fala dos desafios vivenciados no ‘Mais Médicos’ em Artur Nogueira

Juan Miguel Arias é médico e está em Artur Nogueira há 3 anos

Texto: Daniela Fernandes / Foto: Alex Bússulo

Desde 2014 no Brasil, o médico cubano Juan Miguel Arias atua no programa governamental ‘Mais Médicos’. Contando sobre a decisão de deixar seu país, Arias se emocionou e contou com exclusividade ao Portal Nogueirense que sente saudade da esposa e dos dois filhos que ficaram em Cuba. No entanto, ele enfatizou que sentirá falta do Brasil e do acolhimento dos brasileiros. “É uma mistura de sentimentos. Estou ansioso para voltar a Cuba, porém triste que deixarei o Brasil”, disse.

Formado em 1991, pela Universidade de Oriente Santiago de Cuba, o experiente médico de 49 anos faz parte dos cerca de 19 mil cubanos participantes do programa de atendimento médico. O contrato com o Governo está no fim, por isso, conversamos com Arias para saber das dificuldades enfrentadas na adaptação ao país, das experiências que teve ao longo dos três anos trabalhando nos postos de saúde do bairro Coração Criança e Parques dos Ipês em Artur Nogueira, de sua opinião acerca do líder Fidel Castro, entre outros assuntos.

Leia a entrevista e descubra mais sobre a história do médico cubano Juan Miguel Arias.

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Como foi o período de adaptação ao chegar ao Brasil? Eu vim sozinho para cá, deixei minha esposa e dois filhos em Cuba, além do meu pai e minha mãe. Quando cheguei, em março de 2014, o aspecto mais difícil enfrentado foi a comunicação. Ainda estava aprendendo o português, por isso, o primeiro mês em São Paulo foi bem complicado. Foi um período de adaptação não só da língua, mas também aprendendo sobre os programas de saúde do Brasil. Fizemos exames da língua portuguesa e de conhecimentos técnicos da área médica. Esse tempo foi muito estressante, porém passou. Além disso, estou longe de meus familiares. Só vou de ano em ano visitá-los, por isso, tive que me adaptar a isso também.

Sofreu algum tipo de preconceito ou xenofobia? Não. Ouvi falar que o primeiro grupo de médicos que vieram para o Brasil tiveram uma certa rejeição de determinados grupos contrários ao Programa Mais Médicos. Contudo, com relação a nós que viemos em 2014 correu tudo bem, tanto em São Paulo quanto em Artur Nogueira. A população nos recebeu de braços aberto.

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Qual a realidade da saúde que encontrou em Artur Nogueira? Quando falaram para mim que era uma cidade do interior, pensei que encontraria uma situação mais precária. Mas na verdade achei que não. Claro que tem algumas coisas que devem ser melhoradas ainda, por exemplo, a necessidade de dois médicos atendendo no posto. Todo o tempo que estive aqui apenas um médico atendeu a população. Acho que os indicadores do município são bons.

Conhece algum cubano que pediu asilo no Brasil? Diretamente não conheço, mas sei de alguns casos. Eu respeito a decisão dessas pessoas, mas não acho isso certo. Cuba é o país que nos formou e não pagamos um centavo pela nossa formação. Lá, todo profissional – não apenas o da saúde – tem ensino de graça. Meu pai é uma pessoa pobre, contudo eu sou médico, meu irmão é médico e minha filha está se formando em medicina. Tudo bem, é certo que Cuba tem um problema do ponto de vista econômico muito difícil, principalmente com os Estados Unidos. Acho que é por esse motivo que há pessoas que optam por pedir asilo no Brasil, pela questão financeira.


“Eu vim sozinho para cá, deixei minha esposa e dois filhos em Cuba”


Quais os pontos positivos que a medicina cubana trouxe ao Brasil? É muito difícil para eu responder essa pergunta. Talvez os pacientes possam responder com mais propriedade, já que o brasileiro estava precisando reforçar o seu atendimento médico. Segundo pesquisas, mais de 80% da população aprova o Programa Mais Médicos, é um dos programas sociais mais aceitos não apenas no Brasil como também no mundo. Eu penso que as autoridades daqui tem essa preocupação prioritária com a saúde, mas Cuba é pioneira no mundo na chamada medicina da família. É um dos primeiros países que começou esse programa da família, que atende os pacientes de maneira preventiva. Temos que prevenir para evitarmos que pessoas fiquem doente, além disso essa é uma medicina muito mais econômica. Não se investe em uma pessoa doente, evita-se que ela contraia algum tipo de enfermidade.

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Como é viver em um país socialista? Eu falo e já falei para muitas pessoas aqui no Brasil que há uma visão errada da realidade que tem Cuba. Cuba é um país socialista, e viver lá é muito bom. A educação é gratuita, a saúde é gratuita, com acesso direcionado a todos e um atendimento de primeiro mundo. O índice de mortalidade infantil, por exemplo, é apenas 4 falecidos para cada 1000 nascidos; ou seja, uma relação de país de primeiro mundo, como Noruega, etc. Já a expectativa de vida é de 79 anos. A condição de saúde, segurança e educação nos garantem o direito à vida, carências materiais ficam em segundo plano.

Dia 25 de novembro, Fidel Castro veio a óbito. Em seu ponto de vista, o que Fidel representou para a nação cubana? Fidel para mim foi como meu segundo pai. Eu chorei quando soube da morte do Fidel e ainda me emociono quando falo dele. É o melhor homem que eu conheci. Não vou comparar Fidel a Deus, no entanto, no campo terrenal…é uma pessoa muito boa, de uma visão muito longa, que sempre quis ajudar, sempre quis ajudar…Falam o contrário dele, mas é mentira. No funeral de Fidel, os cubanos se mobilizaram para estar presente e choraram. Eu, por exemplo, tive que ligar para minha mãe para consolá-la. Minha mulher chorou por Fidel. Toda a minha família… Você acha mesmo que um tirano e um assassino receberia todo esse carinho da população? Existe apenas uma minoria que não concorda com ele, mas isso tem a ver com o aspecto econômico. É certo que há limitação em Cuba mas o culpado não é Fidel. Fidel deu garantia de vida aos cubanos.


“Não se investe em uma pessoa doente, evita-se que ela adoeça”


A comunidade nogueirense demonstra gostar do trabalho de vocês? Tenho algumas referências e elas dizem que estão gostando do trabalho. Algumas pessoas até se demonstram triste, já que retorno a Cuba em fevereiro ou março de 2017. Cheguei a me apaixonar pela população, então fico chateado tanto quanto vocês. Eu gostei muito dos brasileiros, assemelham-se bastante com o meu povo. Eu vou sentir muito, vou chorar muito… O sentimento que fica é que eu já tenho Cuba como meu país e, agora, terei o Brasil também.

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Avalie os pontos positivos e negativos durante a sua estadia. Positivo é o acolhimento que recebi de toda a população e das autoridades do município. Sempre disponíveis a ajudar em que precisasse. Além disso, positivo foi ter condições adequadas para poder trabalhar. E de negativo vejo a barreira da língua durante o período de adaptação. Tive uma comunicação mal fluída, havia pessoas que não entendiam nada. Incomodava porque médico tem que ter a plena certeza do que está falando e do que está ouvindo. Muitas vezes me apoiava nos companheiros de trabalho para traduzir, mas enfim foi uma coisa que foi se superando com o tempo e se tornou uma boa experiência de vida.


“Fidel para mim foi como meu segundo pai”


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