30/06/2017

Uso de crack atinge nível preocupante em Artur Nogueira

Confederação Nacional dos Municípios coloca município ‘Berço da Amizade’ na categoria mais crítica de ranking sobre a droga

Da redação

Rogério Garrote carrega no olhar as marcas de uma vida atormentada pelas drogas. O morador de Artur Nogueira teve 17 anos de sua existência minados pela dependência química, sendo que três foram completamente roubados pelo crack, que tirou dele a esposa, os filhos, o emprego, as posses materiais e a dignidade, segundo o jovem.

Aos 15 anos, Garrote já havia sido internado devido a problemas com drogas e bebidas. Tempos depois, após se divorciar da companheira, se envolveu com pessoas que eram, como ele mesmo chama, “barra pesada”. “Para poder amenizar o sofrimento da minha separação, do meu sofrimento com os filhos e o emprego, eu experimentei o crack em 2010”, conta.

Iniciou-se, então, a trajetória rumo ao fundo do poço. O jovem possuía duas casas e dois terrenos em seu nome, contudo, para alimentar o vício, vendeu tudo o que tinha. Assim, em menos de três anos, estava morando na arquibancada do campo municipal. Carregava consigo apenas as roupas do corpo e outra muda com peças limpas, com as quais trajava a fim de realizar “bicos” – com duração de um dia – para juntar dinheiro e comprar mais crack.

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“O primeiro trago do crack te dá uma sensação fora do comum. Você esquece de tudo, de família, emprego, filhos, problemas e até de sexo. Você parece que encontrou o sentido da vida”, explica. Segundo ele, a partir desse momento começa uma busca incessante pelo efeito daquele primeiro trago. “Mas no final vira só compulsão e obsessão”, adverte.

Um dia, deitado na arquibancada, “em um raro momento de lucidez”, Garrote refletiu e fez um balanço sobre as situações que se submeteu em busca do êxtase. Pensou na esposa que perdera, nos filhos, nos imóveis vendidos, nos velhos amigos, no futuro promissor que um dia possuíra. Raciocinou e constatou: “havia perdido tudo”.

Mas Garrote não foi o único. O crack destruiu, e ainda destrói, a vida de muitos nogueirenses.

Alerta

Artur Nogueira possui nível alto de problemas com o crack, assim como outros 190 municípios do interior paulista. A informação é fruto de um levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que analisou dados de todas as cidades do Brasil. O ranking é constantemente atualizado com informações enviadas pelas Prefeituras.

Embora não apresente números, o levantamento coloca Artur Nogueira na categoria mais crítica do ranking, a dos que possuem alto nível de problemas com o entorpecente. Indagada, a Prefeitura do município também não apresentou dados sobre o assunto nem uma estimativa do número de usuários de drogas na cidade.

Até o fechamento desta matéria, o Poder Executivo também não apresentou as medidas que toma para prevenir e tratar as vítimas do crack no município.

No entanto, para se ter uma ideia, ao digitar o termo “crack” no campo de buscas do Portal Nogueirense, o leitor irá se deparar com 84 matérias que falam do entorpecente. A grande maioria são notícias de prisões por tráfico de drogas, mas há também entrevistas com especialistas e estatísticas, como a de que o tráfico representa 38% das prisões em Artur Nogueira.

Na região, as cidades de Cosmópolis (SP), Paulínia (SP), Americana (SP), Sumaré (SP), Hortolândia (SP), Mogi Guaçu (SP) e Itapira (SP) também foram classificadas com o nível alto de problemas com crack. Engenheiro Coelho (SP), Mogi Mirim (SP), Limeira (SP), Holambra (SP) e Santo Antônio de Posse (SP) receberam classificação de nível médio. Já Nova Odessa (SP) e Jaguariúna (SP) aparecem no ranking como tendo baixo nível de problemas com o entorpecente.

Crack

O crack é um subproduto da cocaína, mais barato e mais acessível, porém com efeito muito mais devastador. É assim que Alexandre Castanheira define, resumidamente, o que é a droga. “O crack, por si, é o fim”, afirma, referindo-se à busca pelo “barato”, o efeito entorpecente das drogas. “De cada 100 que experimentam o crack, 99 ficam viciados”, alerta o psicoterapeuta da Clínica Huxley.

Castanheira comenta que a fumaça do crack vai direto para o sistema nervoso central, provocando um “barato” intenso e imediato. Em seguida, surge uma sensação de compulsão e obsessão, pois o usuário passa a querer mais e mais o entorpecente. “Só que chega num estágio em que aquela loucura não aumenta; só aumentam as lesões pulmonares e cerebrais”, explica.

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Segundo o psicoterapeuta, há um teto para o efeito da droga. Depois que se alcança esse limite, o viciado aumenta cada vez mais as doses, todavia nunca chega ao efeito desejado. Em vez disso, os estragos físicos e emocionais são agravados pelo consumo crescente e descontrolado do crack. Os usuários, então, passam dias sem dormir, comer e até beber água, buscando aumentar o efeito da substância. “Eles começam a vegetar, não mais viver”, assevera.

O pior efeito do crack, de acordo com Castanheira, é a amortização emocional. “Eles ficam sem saudade, sem compaixão, sem higiene e qualquer preocupação com sua apresentação; eles vivem para usar e usam para viver”, afirma. “Então o dependente não se preocupa com a mãe, com os filhos, com ninguém, porque a emoção dele está morta. As sensações vêm só pela droga”, explica Castanheira.

Saída

O psicoterapeuta ainda ressalta que há muito preconceito com os dependentes químicos. “As pessoas acham que os dependentes químicos são vagabundos ou bandidos”, lamenta. Na verdade, segundo ele, o envolvimento com as drogas geralmente funciona como uma fuga. “Uma fuga do vazio, do fracasso nos relacionamentos, no trabalho, na vida”, exemplifica.

Quanto à solução para a dependência, apesar do tratamento em clínicas de reabilitação, como a Huxley, Castanheira destaca que só há um jeito de escapar do vício. “A única saída é Deus”, declara. “A única coisa que preenche o vazio é Deus. A droga só entra na vida de pessoas vazias”, acredita.

Para Garrote, que havia perdido tudo para o vício em crack, a afirmação de Castanheira é carregada de verdade. Após sua reflexão, naquele breve momento de lucidez na tarde do dia 7 de agosto de 2013, ele reuniu o que lhe restava de forças e caminhou metade da cidade até o escritório da Clínica Huxley, onde reencontrou Castanheira e deu início a um novo tratamento.

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Como parte do processo de recuperação, entrou em contato com literatura religiosa. Para o ex-usuário de crack, o aspecto metafísico da reabilitação foi fundamental. Preencheu seu vazio e o ajudou a recuperar, aos poucos, as emoções que o torpor do crack lhe havia roubado. Hoje, aos 31 anos, Garrote ainda tem um olhar marcado, mas também carrega o sorriso de quem conheceu o fundo do poço e conseguiu sair de lá. E o melhor: não está mais sozinho.

Após dar início ao tratamento, o jovem motorista teve o casamento restituído e vive hoje com a esposa e os dois filhos.

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O 26 de junho é considerado o Dia Internacional de Combate às Drogas.

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