19/06/2016

Coordenadora do Creas fala sobre casos de estupro em Artur Nogueira

ENTREVISTA: Sarah Abijah garante que situação é preocupante e aponta o que pode ser feito para reverter a situação.

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Por Rui do Amaral

Estupro. A palavra é conhecida, mas não consegue carregar o peso do que representa. Talvez não exista palavra que expresse o que é ser desrespeitada, violada, estuprada. Após séculos de dominação humana sobre o mundo e muitos anos de “evolução”, parece que a sociedade ainda não conseguiu eliminar este mal que assola todos os lugares. No Brasil não é nenhum pouco diferente. Recentemente, o mundo ficou chocado com a notícia de uma jovem, no Rio de Janeiro, que foi estuprada por mais de 30 homens. 30 homens. Para alguns, o óbvio. Estupro. Crime. Outros tiveram uma visão diferente sobre o ocorrido, chegando a dizer que a vítima em questão mereceu a violência sofrida.

Em Artur Nogueira, foram registrados quatro estupros somente neste ano. Mesmo o número sendo 43% menos do que o constatado no mesmo período no ano passado, não se pode definir ou limitar estupros a pesquisas e números, até porquê, muitos dos casos não são registrados. O Portal Nogueirense decidiu conversar nesta semana com Sarah Abijah, formada em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Especialista em Violência Doméstica pela Universidade de São Paulo (USP). Atuante na área da violência há dez anos, Sarah nasceu em Registro-SP e trabalha no Centro de Referência Especializado em Atendimento Social (Creas) de Artur Nogueira há quatro anos. Nesta entrevista, Sarah fala sobre a realidade vivida pelas mulheres em nosso município e mostra que existe solução para mudarmos a dura estatística que aponta que, até você terminar de ler este texto, uma mulher será estuprada no Brasil.

Em primeiro lugar, como você vê a questão dos estupros em Artur Nogueira? Este tipo de violência, não só em Artur Nogueira, mas no Brasil, é uma questão de educação e esta é a chave para a transformação. Há uma concepção de alguns de que a mulher pertence e está disponível ao homem. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), organização não governamental (ONG) que formula análises e pesquisa as estatísticas sobre a violência no país, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada. Fazemos parte do Brasil, estamos nessa estatística. O problema é que a mulher tem medo de denunciar ou se acha culpada pelo ocorrido.

Foi constatado que nossa cidade apresentou uma ligeira queda no número de estupros no primeiro semestre deste ano. Mesmo com a apresentação destes dados, podemos dizer que a situação em Artur Nogueira é preocupante? Em todo lugar é preocupante. E não é uma questão de falta de segurança. Se uma mulher estiver inconsciente, não toque. Se ela não quiser, não toque.

Qual é a realidade da violência contra a mulher em nossa cidade? Dentro do nosso campo de atuação não temos uma pesquisa referente a isso. Mas chegam até nós todos os tipos de violência contra a mulher, muitas não desejam registrar BO porque temem por sua segurança.

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Todos os casos de violência contra mulher em Artur Nogueira são registrados? A Polícia Militar (PM) e a Guarda Civil Municipal (GCM) registram as ocorrências. São realizados Boletins de Ocorrência e conseguimos estes números através do Comandante da GM, porém não podemos precisar todos os casos de violência, haja vista que nem todas as mulheres registram a ocorrência e uma minoria procura o Creas para atendimento psicossocial.

Por quê, mesmo com tantas mobilizações no âmbito nacional, os casos de violência contra mulher são tão recorrentes? Acredito, como já disse, que seja pelo fato do homem achar que tem o direito de ser o dono da mulher, o que acaba sendo uma questão cultural também. Muitas mulheres acham que quem usa roupa curta está pedindo para ser estuprada, não só os homens. Por isso, quando ocorre uma violência contra mulher, ela também se acha culpada e pensa: “o que será que fiz para isso acontecer? ”. Sendo que foi o outro que não te respeitou enquanto ser humano, enquanto pessoa.

Qual o papel do Creas a respeito da violência contra a mulher em Artur Nogueira? Nosso papel é orientar a mulher sobre os seus direitos, os passos que deve realizar para se proteger, fortalece-la para superar a situação de violência. Estamos sempre abertos para ouvir, ela não é obrigada a tomar decisões que não queira. Encaminhamos a mulher para a rede de atendimento do município e, se necessário ajudamos a muda-la de município ou estado para se proteger e proteger sua família. Realizamos todos os encaminhamentos, inclusive fornecemos as passagens, porém, neste caso se faz necessário o boletim de ocorrência e a solicitação de medida protetiva, exceto se o caso demandar urgência.

Qual a dificuldade em lidar diretamente com mulheres violentadas ou até mesmo estupradas? A dificuldade que eu vejo consiste no fato de que a mulher muitas vezes se acha culpada e, por isso, tem vergonha da situação que sofre, naquele senso comum que muitas pessoas tem em achar que a mulher “fez por merecer”.

O Brasil ficou chocado com o caso envolvendo uma jovem do Rio de Janeiro que foi abusada por mais de 30 homens. Como você vê esta situação e por quê os nogueirenses devem se preocupar com isso? Eu conversei com algumas pessoas, inclusive adolescentes, que mantinham a opinião de que ela já estava acostumada a isso e ela pediu para que isso acontecesse devido a maneira que se portava, pelo seu jeito. Percebe? As pessoas não veem a vítima como vítima e sim como causadora da violência sofrida. Quem pede para ser estuprada? Quem quer ser violentada? Se não há consentimento, é estupro. Quanto a Artur Nogueira, vejo que isso pode acontecer em qualquer lugar, inclusive aqui, por isso cabe a nós, sociedade nogueirense, repudiar todo e qualquer ato de violência.

Se uma mulher sofre violência, seja ela sexual ou não, o que ela deve fazer em primeiro lugar? Uma mulher que sofre violência deve se preocupar primeiro com sua saúde e segurança. Deve procurar um hospital para procedimentos médicos e profiláticos, Delegacia para fazer boletim de ocorrência e dizer que deseja medida protetiva (caso seja Lei Maria da Penha), não necessariamente nessa ordem. Também deve buscar serviços de acompanhamento e orientação psicossocial no Creas. Caso tenha dúvidas de como fazer, onde procurar, deve ligar no número 180, um canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina em todo o país. Esta ligação é gratuita.

Qual o papel da população de Artur Nogueira na missão de diminuir ou zerar os casos de violência e estupro contra mulher no município? Acredito que seja educar tanto o menino e a menina sobre a condição de gênero. O menino pode lavar louça sim, o menino não pode beliscar a irmã e bater porque é homem, a menina não tem que apanhar porque é mulher, se a menina tem que aprender a lavar sua calcinha, o menino também tem que aprender a lavar sua cuequinha. Na escola, ensinar o respeito, os direitos iguais. É uma discussão muito complexa, porém a base está na educação vinda do lar e isso é a longo prazo. A violência ocorre em todas as camadas sociais. Ela é velada. Porém, digo as mulheres que se fortaleçam, não tenham medo, denunciem. Você, mulher, não é culpada pela violência que vem sofrendo ou que sofreu. Você é uma vítima, procure ajuda especializada. Nós do Creas, estamos abertos para recebe-la, ouvi-la e encaminhá-la para a rede de atendimento de forma sigilosa e segura.

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