31/12/2019

Comissão da própria Igreja aponta irregularidades na reforma da Matriz de Artur Nogueira

Relatório foi realizado por três especialistas contratados pela Diocese de Limeira

Michael Harteman

As obras da Igreja Matriz Nossa Senhora das Dores de Artur Nogueira continuam gerando polêmica, dentro e fora da igreja. O grupo denominado Movimento Pró-Matriz vem, desde setembro de 2018, fazendo diversas críticas às reformas. A suposta falta de diálogo com o pároco responsável, a destruição de aproximadamente 80% do prédio atual e a desfiguração da fachada da igreja são alguns dos pontos enumerados pelo grupo.

 


Movimento pede preservação do prédio da Igreja Matriz de Artur Nogueira

Reunião na Câmara analisa reforma da Matriz em Artur Nogueira


A discussão ganhou mais força recentemente após a divulgação de um relatório feito por uma comissão constituída pela própria Diocese de Limeira, que é a responsável pela Matriz de Artur Nogueira. De maneira independente e composta por três profissionais, a comissão elencou alguns supostos problemas com a obra, divididos em questões litúrgicas, históricas e arquitetônicas.

Por discordarem do modelo de reforma da igreja, o grupo realizou uma reunião no dia 13 de setembro de 2019. Além dos integrantes do movimento, participaram da reunião Dom Orlando Brandes, administrador Apostólico da Diocese de Limeira, e o Vigário Geral Padre Júlio Barbado. Uma ata foi redigida, relatando os pontos abordados no encontro. O Portal Nogueirense teve acesso exclusivo a ata e ao relatório final da comissão.

No início da reunião, segundo a própria ata, o grupo conta que há três anos foi informado pelo padre Edson Tagliaferro de que a igreja passaria por “uma simples reforma, porém ele não teria apresentado maiores detalhes, nem o que seria modificado”. Após irem até a Prefeitura Municipal, o grupo notou que a reforma seria mais radical e que “o patrimônio histórico [Igreja Matriz] poderia ser destruído”.

Em seguida, a ata começa a relatar as preocupações do movimento. “O povo está sendo enganado, não se trata de uma reforma, e sim uma demolição e uma reconstrução, sendo que dos 900 metros quadrados de hoje sobrará somente a torre do relógio (que é tombado), e mesmo este será encoberto pela construção de um campanário em sua frente, derrubando entre 75% e 80% de suas paredes e reconstruindo outras, para ficar com 1500 metros quadrados, segundo engenheiros”, relata um trecho da ata da reunião.

Em seguida, o grupo contesta a necessidade de uma reforma desse porte e cita o Papa Francisco como parte da argumentação. “Fica a dúvida da real necessidade dessa reforma no porte em que se pretende, inclusive diante da nossa realidade atual, até porque a população não se concentra mais no centro da cidade, diminuindo, portanto, as pessoas que frequentam a matriz […] O mesmo [Padre Edson] tem dito que será uma obra bonita, e que será a igreja mais bonita do Brasil, porém, baseado principalmente nos ensinamentos do Papa Francisco e, diante do perfil da igreja com um todo, o grupo entende que a obra pretendida apresenta muita ostentação, luxúria, agredindo nossa história, deixando muitos paroquianos descontentes”, afirma outro trecho.

A ata também afirma que um abaixo-assinado foi feito pelo grupo, reunindo mais de 600 assinaturas de pessoas que são a favor da reforma da Igreja Matriz, desde que ela mantenha sua identidade histórica.

Ao final da reunião, Dom Orlando se dirigiu ao Pe Júlio lhe fazendo alguns pedidos, dentre eles o de que uma comissão deveria ir ver a realidade das obras da igreja e que o padre Edson deveria parar as obras diante da aceitação do diálogo por sua parte.

Apontamentos da Comissão

O pedido do grupo resultou em uma visita da Comissão de Bens Culturais Eclesiásticos, vinculada à Diocese de Limeira. Da visita surgiu um relatório assinado por três profissionais: João Paulo Berto, historiador com ênfase em Patrimônio Cultural, mestre em História Cultural e doutor em História da Arte; Juliana Binotti Pereira Scariato, arquiteta e urbanista, especialista em Patrimônio Histórico e Arquitetônico, mestre em Engenharia Civil – Patrimônio e Paisagem, doutoranda em Arquitetura; e Ronei Costa Martins Silva, arquiteto e urbanista, especialista em espaço litúrgico.

A visita do trio especialista ocorreu no dia 28 de setembro de 2019. Além de olharem todo o espaço da igreja, os integrantes também conversaram com o Pe Edson. As considerações foram divididas em dois aspectos: as questões litúrgicas, relacionando a arquitetura e o contexto do local; e as questões arquitetônica e histórica, entendendo a importância da edificação no desenvolvimento da cidade e relacionando o novo projeto ao contexto da paisagem urbana.

Questões Litúrgicas

Após uma parte teórica, com o objetivo de fundamentar às críticas das questões litúrgicas, o relatório faz alguns apontamentos. O primeiro deles é o lugar de batismo, segundo o texto, o batismo tal como projetado está inacessível. Segue um trecho dos apontamentos do relatório em relação ao local de batismo:

A atual Fonte Batismal está situada numa parte do presbitério localizada acerca de setenta centímetros da assembleia. Seu acesso somente é permitido após o neófito, pais e padrinhos, vencerem a subida de quatro degraus. Não há, no projeto, a indicação de rampas, que permitam a acessibilidade de todos. E esta condição exige desta comissão dois apontamentos necessários: primeiramente a seletividade do sacramento do Batismo. Uns podem se aproximar e outros não. E a fronteira entre uns e outros é a sua condição de mobilidade. Sabemos que há em nossa sociedade pessoas que precisam de cadeira de rodas, ou porque estão temporariamente impossibilitadas de caminhar, devido à um acidente, procedimento cirúrgico ou doença reversível, ou porque possuem alguma deficiência permanente. Acrescente-se à esta análise as pessoas idosas, cuja mobilidade também pode estar reduzida. Não é aceitável que uma igreja não acolha estas pessoas. O outro apontamento se refere à condição simbólica da rampa. Mesmo que a rampa nunca seja demandada, mesmo que pessoa alguma precise desta rampa, a simples existência deste acessório arquitetônico de mobilidade é um sinal para a comunidade, mostrando que ali todos, independentemente de sua condição, são chamados à se aproximar e se integrar na comunidade dos cristãos.

Em seguida, o relatório faz outros apontamentos no que diz respeito a ícones que ficam dentro da igreja. Sendo esses itens: Mesa da Eucaristia, Capela do Santíssimo Jesus Eucarístico, Capela da Reconciliação, Lugar para o Dízimo e Lugar do Coral. Segue o trecho que faz os apontamentos de cada item.

A Mesa da Eucaristia – é também aconselhável que seja acessível. Pelas mesmas razões já expostas na análise do lugar do Batismo, o altar, a mesa do banquete, também deveria permitir a aproximação de todos, independentemente de sua condição de mobilidade.  

Capela do Santíssimo Jesus Eucarístico – também está inacessível. Com o tabernáculo localizado a três degraus (cerca de 52cm) acima do nível da nave, seu acesso fica praticamente impossível para pessoas que possuem alguma dificuldade de mobilidade, seja permanente ou temporária.  

Capela da Reconciliação – percebe-se atualmente dificuldades em relação a celebração do Sacramento da Penitência, como por exemplo, a baixa procura pelo Sacramento. Essas dificuldades podem ocorrer por diversos fatores, sendo um deles a ausência de um local específico e adequadamente ambientado para a celebração do sacramento. O fato do atendimento das confissões ocorrer em salas de escritórios paroquiais ou no banco das igrejas, onde não há certa privacidade, o acolhimento e a vivência da Misericórdia, pode ser um fator que desestimule o fiel ou o iniba na procura pela vivência deste sacramento. Notamos no projeto que a Capela da Reconciliação está vinculada a uma Sala de Atendimento e, pior, está situada na parte frontal do projeto da igreja e com acesso pela parte externa, ou seja, fora do espaço sagrado. Alertamos para o fato de que este sacramento é também sinal de união/reencontro entre Deus e a humanidade. Por esta razão, é preciso um espaço mais coerente com a sua importância na liturgia e tradição da história do povo de Deus. O estudo 106, da CNBB, que trata de Orientações para Projeto e Construção de igrejas, em seu parágrafo 44, diz: “o lugar da Reconciliação pode estar em ralação com o lugar do Batismo, e por sua dimensão comunitária, com o espaço de celebração.”  

Lugar para o Dízimo – já a Sala do dízimo está voltada para o espaço sagrado. Com um balcão, ostensivo defronte para a Nave. Dízimo não é sacramento, é serviço, e assim sendo, não deveria estar na nave, mas sim no átrio, junto a outros serviços. O estudo 106, da CNBB, em seu parágrafo 87 é taxativo: “é bom prever uma sala própria para, perto do acesso ou da secretaria, mas não dentro do espaço de celebração.”  

Lugar do Coral – Ensina a IGMR, em seu parágrafo 312 que: O grupo dos cantores, segundo a disposição de cada igreja, deve ser colocado de tal forma que se manifeste claramente sua natureza, isto é, que faz parte da assembleia dos fiéis, onde desempenha um papel particular; que a execução de sua função se torne mais fácil; e possa cada um de seus membros facilmente obter uma participação plena na Missa, ou seja, participação sacramental.  

Pois bem, no projeto em análise, o grupo de cantores está situado na lateral esquerda, dois degraus elevados do nível da assembleia. Esta distinção não condiz com a orientação do Missal Romano.

Questões Históricas e Arquitetônicas 

Em seguida, o relatório começa a abordar questões históricas e arquitetônicas. Boa parte da preocupação desse trecho está na manutenção dos aspectos arquitetônicos históricos da Igreja Matriz. O documento mostra as diversas reformas pelas quais o templo já passou, mas destaca que tais aspectos foram mantidos.

Em determinado momento, o relatório afirma que aspectos fundamentais vão ser deixados de lado. “O que nos chama a atenção no novo projeto é que nenhum elemento da história arquitetônica da Igreja Matriz será preservado. O novo projeto elimina qualquer registro histórico e cria uma construção totalmente incoerente com a paisagem urbana da cidade”, afirma o trecho.

O relatório também afirma que a haverá uma desconexão entre a nova igreja e o entorno dela no que diz respeito a construção. “A nova torre a ser construída será mais que o dobro da altura da atual igreja, mostrando a total falta de sensibilidade no trato da cidade, desvirtuando completamente com o cenário urbano da área. Obras de conservação/manutenção ou mesmo reformas devem acontecer, porém, deve-se ter uma leitura da realidade local e de seus usuários”, argumenta um trecho, e acrescenta: “Sua nova arquitetura contrapõe com a realidade e desrespeita completamente a paisagem cultural nogueirense”.

Segue um trecho da conclusão da comissão:

Em linhas gerais, entende esta Comissão que uma condição predominante para um bom projeto é que a comunidade seja respeitada em sua vontade e que a construção da igreja seja pretexto para o fortalecimento dos laços cristãos entre todos, como se a cada tijolo colocado na construção, outro fosse colocado na comunidade viva, povo de Deus. Um ponto a ser esclarecido é que é imprescindível uma reforma na referida igreja matriz, especialmente no que se refere a adequações litúrgicas e arquitetônicas (como acessibilidade) – sendo louváveis diversos elementos no projeto analisado. Contudo, esta deve ser feita de modo ponderado com outras questões, desde as que envolvem o poder aquisitivo da comunidade às necessidades por ela apresentada.

O Portal Nogueirense entrou em contato com o Padre Edson Tagliaferro e uma nova reportagem será elaborada com a resposta dele.

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