22/02/2017

Capela centenária de Artur Nogueira está em ruínas

Reportagem especial do Portal Nogueirense mostra estado de abandono de igreja e revela que ela pode ser a estrutura mais antiga do município

Alysson Huf

Situada próxima ao Rio Pirapitinguí, em Artur Nogueira, a centenária Capela de Santa Cruz (ou só Capelinha, como também é conhecida) está em ruínas. Abandonada, a estrutura do prédio histórico carrega as marcas do esquecimento: paredes cheias de rachaduras; telhado parcialmente desabado, com telhas quebradas; altar sujo e empoeirado; imagens de santos danificadas; e muitos marimbondos no local.

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João Santiago Martins, o Tataio, é o atual proprietário das terras onde a Capelinha foi construída e mora no local desde pequeno. “Eu me lembro de festas e de missas que eram celebradas aqui antigamente”, recorda. Segundo ele, o prédio está fechado há 30 anos. “Eu gostaria de vê-la bonitinha de novo, pois ela conta uma história”, lamenta o senhor de 73 anos.

A equipe do Portal Nogueirense foi até a capela, no Bairrinho, e elaborou esta reportagem especial sobre este que, possivelmente, foi um dos primeiros pontos habitados na região que viria a se tornar o município de Artur Nogueira. Marco da história nogueirense, o prédio também é testemunha do longo e sangrento período de colonização do Brasil. Confira:

Descanso para os viajantes

Apesar do atual estado de abandono, a capela já pode ter sido um ponto importante de parada para viajantes que saíam de São Paulo com rumo a Goiás na época do Brasil Colônia (1500-1815). Ao que tudo indica, a vicinal que atravessa a SP-107 (Artur Nogueira-Holambra) em direção ao Bairro Palmeirinha fez parte do antigo Caminho dos Goiases, aberto por bandeirantes que desbravaram o interior do país nos séculos 17 e 18.

Segundo o engenheiro Helton Filippini, um amante da história nogueirense e descendente de pioneiros do município, a região do Bairrinho era um pouso de tropeiros, onde viajantes e cavaleiros pernoitavam. “Aqui era o lugar onde se parava para descansar, tanto por quem estava indo quanto por quem estava voltando da viagem”, conta Filippini.

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No círculo vermelho, trecho do Caminho de Goiás em que está o Bairrinho

Um levantamento histórico, feito pela arquiteta Alessandra Strassa em sua pesquisa de Mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, encontrou dois documentos no Arquivo da Prefeitura de Artur Nogueira que apontam para essa hipótese. O primeiro é um registro do historiador paulista Afonso de Taunay com o título ‘Distâncias de pouso a pouso desde a cidade de São Paulo até Goiás’.

Nele, o autor mede as distâncias (em léguas) de um ponto de descanso a outro em todo o percurso. Como era costume na época, esses pontos constituíam-se de pousadas e/ou capelas. O documento aponta que havia uma parada no Rio Jaguarí e uma no Rio Pirapitinguí, distantes 2,5 léguas uma da outra. Na sequência, havia outro ponto de descanso, no Rio Mogi.

O outro registro, do botânico e viajante francês Auguste de Saint-Hilaire (que esteve no Brasil entre 1816 e 1822), revela que havia um engenho da cana-de-açúcar a cinco léguas de Mogi Mirim (SP), onde o autor teria pousado por uma noite em sua viagem. Embora não provem a existência da Capelinha naquela época, os dois documentos apontam fortemente para essa possibilidade.

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Em destaque, descrição do engenho de Pirapitinguí feita por Saint-Hilaire

Santa Bárbara

Tataio também defende a ideia de que a capela tenha servido como pousada para peregrinos – e dá até uma data para a inauguração: 3 de outubro de 1663. Segundo ele, a construção foi iniciativa de um missionário chamado Heitor Rodrigues, que desejava catequizar os índios que viviam na região. “Foi assim que a região se desenvolveu, e a capelinha está até hoje entre nós. Ela foi planejada, construída e inaugurada por Heitor Rodrigues”, explica.

Embora não possua documentos que provem a idade da Capelinha, o sitiante alega que recebeu essas informações de antigos moradores do Bairrinho, incluindo seus pais e avós. Ele, porém, possui uma evidência física que corrobora sua afirmação e enche os olhos de quem a contempla.

Guardada com muito carinho em um quarto da casa de Tataio, uma imagem muito antiga de Santa Bárbara pode provar que a capela do Bairrinho tem mais de 350 anos. A relíquia possui aproximadamente 40 cm de altura e é mantida enfaixada em panos, longe da vista e das mãos de curiosos. Essa foi a maneira que Tataio encontrou para preservar o artefato.

Como você viu no vídeo, na base da escultura há uma inscrição que chama a atenção: HR 1663. Segundo o guardião da imagem, as letras são as iniciais de Heitor Rodrigues, e os números indicam o ano em que a capela foi inaugurada. A santa teria sido colocada lá como representação da padroeira da capela. Ela foi retirada do altar pelo pai de Tataio pouco antes de o prédio ser fechado.

Não existem documentos que revelem quem era, de fato, a padroeira do local, mas Tataio acredita que fosse mesmo Santa Bárbara. “Eu conheci como padroeira da Capelinha a Santa Bárbara. Agora, há outros que dizem ser São Jerônimo. Mesmo assim, acredito fortemente que seja Santa Bárbara”, afirma. Filippini concorda com o sitiante. “Segundo meu avô materno, que tem mais de 90 anos de idade, a imagem que ficava dentro da capela era de Santa Bárbara”, conta o engenheiro.

Registros oficiais

Tataio afirma que Heitor Rodrigues constituiu família na região da Capelinha e, com isso, o prédio foi passado para as mãos de diversas gerações. No entanto, segundo Filippini, os primeiros registros oficiais da utilização da Capelinha foram realizados pelo senhor Benedito Antônio de Almeida, que chegou ao município em 1840. Vindo de Campinas, Almeida comprou a fazenda Santa Cruz da Boa Vista, onde estava localizado o prédio histórico.

Depois de 37 anos, a fazenda passou para outras mãos. Foi através do casamento entre a filha do senhor Benedito, Carlota Maria de Almeida, com Luiz Filippini, em 1877, que a fazenda foi dada como herança ao casal. Segundo Helton Filippini, que é tataraneto de Luiz, o registro mais antigo da Capelinha é o do casamento de Benedito de Almeida, em 1840.

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Foto tirada por volta de 1900 mostra a família Filippini em frente à capela

Em alguns registros encontrados pela família Filippini é possível comprovar que havia um padre que atuava assiduamente na capela. “Nos registros são apontados vários batismos e casamentos”, explica Filippini. O nome do vigário Antônio Caravela aparece em alguns documentos. Mas o padre que está nas fotos não foi reconhecido. “Não sabemos ao certo se este é o padre francês, ou o padre José Michaud, que residia em Mogi Mirim na época da foto.”

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Reformas

Na época, a capela era de tijolos. Filippini não descarta a possibilidade de ter existido outra capela, de taipa, antes mesmo da construção conhecida pelas fotos – o que levanta as chances de a capela ter passado por uma reforma antes de existir qualquer registro.

“Eu acredito que meu tataravô tenha ajudado na reconstrução da capela”, palpita Filippini. “Acredito também que havia outra coisa mais precária e que ele construiu a que tem hoje. Isso deve ter acontecido no fim do século 19, porque em 1850 não se usava tijolo e sim taipa de pilão, ou seja, barro e palha”.

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Um outro item da Capelinha, e que chama a atenção, indica que o prédio passou por alterações adicionais posteriormente: uma privada. O objeto, que não estava na reforma do século 19, foi instalado na Capelinha pelo pai da nogueirense Scheila Pulz, há cerca de 20 anos.

Segundo ela, sua família não tinha onde morar, e os pais de Tataio, o casal Antônio e Dilma, cederam a capela para que eles morassem no local por um tempo. “Me lembro disso com muita emoção e gratidão a essa família que nos deu tanto apoio”, comenta.

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