07/02/2016

Vídeo: mulheres opinam sobre assédio nas ruas de Artur Nogueira

Entrevistadas contam o que fazem para evitar assédio. Prática pode acarretar multa e, se houver contato físico, prisão ao agressor.

Por Isadora Stentzler

Quarta-feira, 4 de março. Saio de casa para a redação em mais um dia que apurarei sobre o assédio nas ruas. Cruzo a Lagoa dos Pássaros e sutilmente um olhar vindo de dentro de um carro, intimida-me. Visto uma calça jeans, uma regata folgada e tênis. Roupa comum do dia a dia e nada que coloque meu corpo a mostra. Subo então pela Tiradentes e a metros de mim caminha outra mulher. Também de regata e jeans. Observo que, ao dobrar a esquina, um motoqueiro faz a curva e instantaneamente se desequilibra ao virar o pescoço para ver a moça. Ele fita o corpo da jovem e desprende esforço e desatenção ao trânsito para isso. Não deu para ouvir se disse algo a ela. Sigo meu caminho. Já na Floriano Peixoto um caminhão estaciona. Dele, o caroneiro mete o rosto para fora da janela e esboça um ‘Meu Deus do céu’, em uma cantada falha. O tom de voz é de um sedutor fraco, que move o rosto em um olhar medonho.  Ainda nesta rua, antes de dobrar na XV de novembro, outro homem, dentro de um carro, coloca a cabeça para fora e quieto, observa. Cena repetida na XV, minutos antes de chegar ao trabalho.

E isso em um período de 15 minutos.

O caso não é peculiar. Uma pesquisa feita com mais de 7 mil mulheres brasileiras no ano passado e divulgado no site Thing Olga apontou que todas elas sofreram cantadas em lugares públicos e que, dessas, 83%, ou 6.389, se intimidaram com isso. A pesquisa foi realizada pela campanha Chega de Fiu-Fiu que combate o assédio sexual.

Os dados ainda apontaram outros lugares em que esse tipo de atentado é corriqueiro. Depois das ruas, que obteve 98% dos votos, festas e transportes públicos foram os mais citados. O que chama atenção é que 90% das mulheres, ou 6.928 delas, disseram já terem trocado de roupa por medo, e 81% (6.292) deixaram de fazer alguma coisa ou mudaram o caminho para evitar cantadas.

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Em Artur Nogueira qualquer mulher abordada na rua pode contar no mínimo um caso de assédio. Algumas falam do bem ao ego, mas mesmo essas apontam o medo que situações assim causam.

Maria anda de bike todos os dias na pista. Para se exercitar. Espairecer. Mas o que era para ser uma atividade tranquila nem sempre o é. “Ah sempre mexem comigo na rua”, conta. “Isso me deixa louca de ódio, coloco o fone pra nem dar moral.” São buzinadas, gritos de ‘Oh, lá em casa’, ‘Linda!’… que tiram a paz e amedrontam a jovem.

De acordo com o sociólogo Carlos Caressato as cantadas nas ruas estão ligadas com o atual molde social baseado em convenções machistas. “A sociedade se desenvolveu de uma forma machista, em que as mulheres, embora se tenha algumas em cargos de poder, ainda assim são minoria perto da quantidade dos homens que dominam”, aponta. “Enquanto sociedade não caminhamos para um avanço, mas sim para um retrocesso, aonde as mulheres seguem com salários menores mesmo desempenhando a mesma função que homens. E isso piora quando se fala da mulher negra, que é duplamente prejudicada.”

A fim de lutar contra esse problema movimentos feministas despontaram no mundo com o discurso igualitário entre os gênero.

Por definição, feminismo é um “movimento iniciado na Europa com o intuito de conquistar a equiparação dos direitos políticos e sociais de ambos os sexos”. O que não torna a causa uma versão feminina do machismo, uma vez que machismo, do dicionário, é uma “atitude ou comportamento de quem não admite a igualdade de direitos para o homem e a mulher, sendo, pois, contrário ao feminismo.”

São bandeiras feministas, por exemplo, licença paternidade e maternidade igualitárias, a equiparação de salários para os mesmos postos de serviço e descriminalização do aborto.

Lado a lado a estas estão às lutas pelo direito das mulheres em não serem criminalizadas por ações que homens usualmente não são. Como os rótulos de ‘vadia’, se praticou relação sexual no primeiro encontro, ou de ‘prostituta’, se saiu sozinha à noite.

Para denunciar esses tipos de abuso a campanha Chega de Fiu-Fiu criou um site que mapeia os lugares mais “incômodos e até perigosos para mulheres no Brasil”.

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De acordo com a advogada Gisele Truzzi, colaboradora jurídica do site Think Olga, se analisado, o mapa pode servir de utilidade pública às mulheres . “Acredito que o mapa poderá auxiliar no sentido de verificar quais locais possuem maiores índices de assédio, fazendo com que [as mulheres] fiquem mais alertas ao circularem por tais regiões.”

Segundo Gisele os dados computados até agora revelam que o assédio nas ruas não é um problema pontual e que este fenômeno ocorre devido a sociedade ainda ser por tradição machista. “Pelos relatos compartilhados no mapa da campanha, bem como pelo número de pessoas que chegam até nosso escritório por conta de questões relacionadas a divulgação de conteúdo íntimo (‘revenge porn’), crimes contra a honra em geral, cyberbullying, importunação ofensiva ao pudor, etc.; é fato que a questão do assédio definitivamente não é um problema pontual”, frisa. “Possuímos legislação aplicável a tais condutas, portanto não é por falta de enquadramento legal que isso ocorre. É uma questão comportamental que precisa ser discutida amplamente na sociedade, a fim de conscientizar as pessoas sobre o assunto.”

A página é alimentada por depoimentos de assédio nas ruas enviado por leitoras. Na descrição é detalhado os motivos: “Quando transformamos em coisa rotineira o fato da mulher não ter espaços privados – nem mesmo serem donas do seu próprio corpo –, incentivamos a violência. E isso não é normal. Vamos reforçar nossa luta contra o assédio, afinal, temos o direito de andar na rua sem medo de sermos intimidadas”.

No mapa de Artur Nogueira um relato de abuso foi registrado no dia 2 de abril de 2014:

Estava caminhando por uma rua do Bairro Conservani quando um homem, que estava numa moto, passou a mão na minha bunda. Fiquei sem reação e muito constrangida.”

A situação aconteceu no período da manhã, mas o caso não foi registrado na Delegacia de Polícia local.

Hoje a legislação brasileira no artigo 61 da lei 3688/41 assegura que “importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor” pode acarretar em multa, a ser definida pelo juiz. Caso a agressão saia da esfera verbal e se torne física, como uma passada de mão e mesmo o estupro, o caso se torna mais grave.

Mas para o sociólogo Caressato independentemente do tipo de assédio ele continua sendo cruel. “A cantada na rua sem o devido consentimento desta relação pelo outro, torna-se uma violência moral igualada a violência física, pois o sentimento de impotência, humilhação, sofrimento e medo dói tanto quanto a agressão na carne.”

Segundo ele a situação só irá mudar quando a sociedade tomar para si o problema e passar a respeitar o outro. “Se eu não gosto que cantem minha filha na rua, porque eu vou fazer isso com a filha dos outros? Ou por que eu vou permitir que façam isso com a filha dos outros? Só quando olharmos o outro dessa forma é que começaremos a melhorar enquanto sociedade.”


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