03/02/2016

Conheça os nogueirenses que pararam de comer carne pela saúde e por amor aos animais

Eles são veganos e vegetarianos. Também não gostam de rodeios e evitam produtos testados em animais

Por Isadora Stentzler

Começou com uma aposta na escola. Um pacto que daria R$ 11 àquele que ficasse mais dias sem comer o lanche do colégio, um assado de presunto. Era coisa fina. De lamber os beiços e de querer que o sabor impregnasse na ponta dos dedos para chupar antes de voltar à sala de aula. Ainda mais se viesse com queijo. Aí era preferível a uma refeição. Brincadeira que começou no ano de 2006 e não teve fim. Não para Natália. Que não viu a cor dos R$ 11, mas que também nunca mais sentiu o sabor de um presunto com queijo.

Natália Marques Soler tem hoje 24 anos e é professora de Português. É dona de uma pele lisa, alva. Engana a identidade, pois de vista aparenta ser uma adolescente de 16. Mora em Artur Nogueira e trabalha em Cosmópolis. Ao Portal Nogueirense contou que quando apostou, oito anos atrás, ficar sem comer o lanche com presunto, nem imaginava que estava dando o primeiro passo para um decisão definitiva: a de ser vegana. “Eu não perdi nada. Só ganhei. Meu cabelo está da melhor forma que já tive. Me sinto bem, disposta. Fez muito bem para a minha saúde.”

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De acordo com a descrição da Sociedade Vegana, o veganismo adotado por Natália é um estilo de vida que busca eliminar toda e qualquer forma de exploração animal. Ou seja, no que diz respeito à alimentação, pratos a base de carne são banidos. Seja um bife, um hambúrguer, uma salsicha, uma fatia de queijo ou algo feito com manteiga. Mesmo massas que possuam ovos entre os ingredientes são boicotados. Mas vai além. Isso porque o veganismo não é apenas uma dieta, é um estilo de vida em que os adeptos se propõem a não usufruir produtos, roupas, comidas ou divertimentos que usem animais. Rodeios, por exemplo, são eventos abomináveis. Shampoos ou condicionadores testados em não humanos também entram na lista dos desprezados.

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Em Natália a decisão de ser vegana partiu de uma compaixão aos animais somada ao desprezo pela carne. À época, uma adolescente, ela não sentia prazer nos bifes bem ou mal passados que despejavam no seu prato. Mas este não foi o fator determinante. “Eu gostava de assistir um seriado e um dia passou uma cena de um cara entrando em uma granja. Estava tudo meio escuro e ele chutava as galinhas… e eu fiquei perplexa. Depois comecei a ir atrás [de informações].” Aos 17 anos Natália parou de comer todos os tipos de carne e se tornou uma ovo-lacto-vegetariana, adotando uma dieta em que se aceita derivados de ovo e leite. “Eu não vejo animais como coisas. Eu vejo como uma vida. Como um ser. Então tem que ser respeitado.”

Apesar de estar convicta na decisão, a escolha não foi vista com bons olhos pelos demais. E, de acordo com a professora, por não se alimentar como a maioria passou a ser vista como uma ‘ET’. Uma ‘fresca’. Uma mimada. Uma ‘anormal’. O que se agravou em outubro do ano passado quando saltou da dieta ovo-lacto-vegetarina para uma vida vegana. “Eu fui em um evento vegano, em São Paulo, e acho que ali eu abri a minha mente. Vi gente enjaulada… e na hora fiquei meio assustada, porque a gente não vê essas coisas por aqui. Mas foi um lugar em que não precisei me preocupar com o que eu ia comer, se eu podia ou não. E todo mundo também era vegano. Então eu me encontrei.”

Hoje Natália acredita que o cardápio dela está mais diversificado, pois não usando nada de origem animal ela aprendeu a fazer novas receitas com os produtos in natura.

Mas em algumas refeições com amigos e familiares, ela lembra que chegou a passar fome, comendo apenas alface.  Já que, segundo ela, é dessa forma que alguns enxergam os não comedores de carne: miseráveis devoradores de mato.

A situação se repete com o publicitário Dhiego Damm. Ele tem 26 anos e é ovo-lacto-vegetariano há um ano. Sonha em chegar ao veganismo. Mas mesmo não tendo uma alimentação e um estilo de vida tão restrito, teve que achar um jeito humorado para lidar com as piadas dos amigos onívoros. “[Já ouvi] ‘você tá louco! a gente foi feito pra comer carne’, ‘você vai ficar doente’, sem falar no clássico ‘de onde você vai tirar proteína’”, cita.

A resposta veio em forma virtual. Em janeiro desse ano, Damm criou um canal no Youtube chamado Eu Não Como Mato, desenvolvido para difundir a cozinha vegetariana e tirar o tabu sobre o estilo de vida. Até agora o vlog tem dois vídeos, mas os planos são grandes. “O foco do canal é a alimentação. Mas uma vida saudável não depende só do que entra pela boca. Precisamos de exercícios físicos, isenção de stress, e por aí vai. No vlog, falaremos mais de comida, mas, vez ou outra, estaremos citando outras dicas.”

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Natália também achou uma alternativa às brincadeiras, na cozinha. Dos pratos e lanches veganos que fazia para levar ao trabalho, descobriu uma renda extra e uma forma de propagar a filosofia vegana e o ativismo que vive: criou o Cheiro Verde Culinária Vegetariana. Hoje ela faz encomendas de alimentos sem origem animal. Entre os lanches que prepara estão brownies veganos de morango, nozes, damasco, cookies integrais, pão de melado, pão de queijo – com queijo de mandioca –, pasteis integrais, quibes e hambúrgueres de grãos.

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Estatísticas

No Brasil, segundo estatísticas não oficiais do site Mapa Veg, há mais de 6 mil vegetarianos e quase 3 mil veganos. Porém como o site é atualizado por meio de inscrições, os números não representam a totalidade, uma vez que depende do interesse individual em se apresentar como vegetariano ou vegano na página. Até o dia 16 de janeiro, para se ter uma ideia, apenas 10.200 pessoas estavam cadastradas e dessas, 724 se identificaram como simpatizantes do estilo de vida.

Em Artur Nogueira um grupo no Facebook foi criado no final do ano passado para unir os interessados na dieta. Chamado de Veg(anxs)etarianos de Artur Nogueira a página conta com apenas 24 pessoas.

Nutrição

Mas há muitas perguntas que ficam no ar quando se fala de alimentação vegetariana. A primeira está atrelada a capacidade humana de viver sem carne e também se há a possibilidade de encontrar nos alimentos de origem vegetal a mesma quantidade de nutrientes que existe em uma dieta carnívora. Segundo a nutricionista Dalvineia Santana, o pensamento onívoro está centrado em um mito. “Não é necessário comer carne para uma vida saudável”, frisa. “Você tem um reino vegetal que pode lhe dar tudo o que precisa. E usufruindo dele, consequentemente terá mais longevidade.”

Dalvineia cita como exemplo a cidade de Loma Linda, na Califórnia, em que a expectativa de vida é de até dez anos a mais do que a média dos americanos, que vivem oitenta anos, devido ao estilo de vida. Uma vez que mais da metade dos 24 mil habitantes do local são Adventistas do Sétimo Dia e mantêm uma dieta vegetariana.

A ligação feita pela nutricionista é de que a manutenção da saúde depende dos alimentos naturais, e tudo o que se sabe sobre proteínas e nutrientes encontrados na carne também são achados no reino vegetal.

Por isso Dalvineia cita que veganos não sofrem de deficiência proteica, já que leguminosas, castanhas e cereais integrais apresentam teores altos de proteínas. O mesmo vale para o cálcio do leite. “Eu li um artigo que falava que nunca houve uma época com tanto consumo de leite associado a um grande número de gente com osteoporose. Então é meio conflitante e até isso é algo que está sendo revisto.” No reino vegetal o mineral é encontrado em abundância nas folhas verdes escuras, sementes, gergelim e salsinha. Porém a nutricionista alerta quanto à vitamina B12, essencial para a função motora, e encontrada apenas em alimentos de origem animal. Nesses casos, ela recomenda o acompanhamento de um profissional e que se use uma suplementação. Mesmo em vista disso a opinião pessoal de Dalvineia é de que uma dieta com base em alimentos naturais é mais adequada.

O Governo Federal também reconheceu isso. No Guia Alimentar para a População Brasileira divulgado em novembro do ano passado, o Ministério da Saúde faz uma ressalva sobre a alimentação rica em produtos de origem vegetal. Em trecho o Guia frisa: “Alimentos in natura ou minimamente processados, em grande variedade e predominantemente de origem vegetal, são a base de uma alimentação nutricionalmente balanceada, saborosa, culturalmente apropriada e promotora de um sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável.” E ressaltou: “[Uma] alimentação adequada e saudável deriva de sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável.”

Foi a primeira vez que um documento do Governo Federal citou com condolências a alimentação vegetariana, associando-a ao cuidado do meio ambiente. Isso porque segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o desmatamento para pastagens já é responsável por 60% da emissão de gases do efeito estufa, além de que para a produção de um quilo de bife são gastos cerca de 15 mil litros de água.

No primeiro Guia Alimentar, publicado em 2005, o Governo já havia ponderado sobre o assunto com dados de pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Inglaterra. Na época o documento disse que as pessoas que aderem a um regime livre de alimentos de origem animal estavam sujeitas a “um menor risco de doenças cardíacas e de câncer” e que não apresentavam “risco maior de desenvolver osteoporose, quando comparados com não-vegetarianos”. À época o Guia concluiu: “Portanto uma alimentação vegetariana nutricionalmente adequada pode ser capaz de atender às necessidades nutricionais.”

A mudança surpreendeu Dalvineia que analisou o documento. “O Guia ficou mais claro e orienta para uma alimentação mais natural e rica em verduras. Isso surpreendeu pois mostrou que o próprio Governo já está atento a isso.”

É por vidas

Mas para Natália esse estilo de vida não tem tanto a ver com a própria saúde. É por um propósito além, que compensa cada refeição em que precisa se alimentar apenas de alface. É o fato de salvar vidas. Por isso quando questionada sobre os abatedouros, o tom de voz desce, as palavras saem lentas, embargadas, e se percebe que a tristeza se apodera da professora. “Dá repulsa [imaginar um abatedouro]. É desumano. É degradável. Quando eu paro para pensar, para ver o outro lado da vaquinha feliz da embalagem, ah… é algo muito ruim. Eu não consigo ver isso e ficar numa boa.”

Ao começar a assistir o documentário ‘Terráqueos’, que denuncia a indústria da opressão animal, ela pausou. Desligou o computador. A realidade que lhe foi apresentada caminhou em desencontro à vista nos pacotes de nuggets e hambúrgueres. E ela, embora frise que seja uma utopia, acredita que o mundo só será melhor quando as pessoas verem todos os seres como seres viventes e sencientes. “As pessoas acham que o leite aparece do nada. Que o frango feliz da embalagem é o frango feliz no abatedouro. É preciso pensar: da onde que vem o leite que está no seu copo? Ele não vem prontinho. E leite é uma coisa que está em tudo. A gente tem que pensar da onde que vem a comida que a gente come. Como o alimento veio parar na nossa mesa. Se todo mundo visse como a carne vem parar no nosso prato, todo mundo iria parar [de comer]. Hoje eu penso muito nisso. Não quero me satisfazer só por um momento. E acho que todo o sofrimento que os animais passam não vale minha satisfação momentânea.”


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