16/12/2014

Um saco para comprar carvão e algumas chicotadas – presentes de Natal

Por  Camilo Martins Netto Era cedo de manhã. Eu, meus irmãos e meus primos brincávamos felizes da vida com os brinquedos de natal que havíamos ganhado dos nossos pais e tios. Havia tempos que não ganhávamos brinquedos de verdade, tendo que nos contentar em fazer nossos próprios brinquedos… “Carrinhos”, feitos de latas de sardinhas com rodas […]

Por  Camilo Martins Netto

Era cedo de manhã. Eu, meus irmãos e meus primos brincávamos felizes da vida com os brinquedos de natal que havíamos ganhado dos nossos pais e tios.

Havia tempos que não ganhávamos brinquedos de verdade, tendo que nos contentar em fazer nossos próprios brinquedos… “Carrinhos”, feitos de latas de sardinhas com rodas de borracha de chinelos velhos, “carretas tanques”, feitas com latas de óleo vazias, “cavalinhos de pau”, “espadas”, feitas de madeiras e etc. Daí era só pegar um lençol, amarrar no pescoço, e pronto! Estava feita a capa e a brincadeira de Zorro, de Super-Homem, ou de Tarzan, quando íamos ao rio Parnaíba, que ficava a três quadras abaixo de nossas casas, e gritávamos de cima de uma enorme pedra à beira do rio, mergulhando nas águas gostosas – o que sempre era arriscado e perigoso. E ainda havia outras brincadeiras… Criança tem muita imaginação!

Mas, naquela manhã era diferente. Tínhamos brinquedos mesmo! Lindos carrinhos. Tinha até um de fricção. Ah, que emoção! Havia sorriso em todos os rostos e a brincadeira se prolongou por muitas e felizes horas, não lembrávamos nem da hora das refeições!

No entanto, não foi por isso que aquele Natal se tornou inesquecível, pois um fato a certa altura da brincadeira me chamou a atenção e eu nunca pude esquecê-lo, um fato comovente e real, que me marcou muito. E olha que já faz tempo e foi muito longe daqui, lá no meu pobre Piauí.

Havia um garoto pobre que morava na outra rua. Não tinha pai, e a mãe havia perdido o filho mais velho, que lhe auxiliava, mas que caiu e afogou-se nas águas do rio Parnaíba, enquanto pescava. Ela também era pescadora e chamava-se Dona Tinoca, eu me lembro muito bem dela, pois muitas vezes eu ia lá na sua casa comprar ou às vezes pedir (pois éramos pobres também) peixes para alimento da nossa família.

Vicente, o garoto pobre, estava passando por nossa rua com um saco de estopa nas costas e quando nos viu brincando, com os olhos brilhantes de admiração, parou e ficou ali a nos observar as brincadeiras… Quando o notei, ele já deixava cair algumas lágrimas, então perguntei comovido:

– O que aconteceu, Vicente?

– Nada, não! – foi a resposta.

– Mas, por que então você está chorando? É porque você não ganhou um presente de Natal? – insisti com Vicente, já com os meus olhos cheios d’água também!

– Sabe, – disse ele – tudo o que eu ganhei foi este saco de estopa vazio para ir comprar carvão e acender o fogo lá em casa e algumas chicotadas nas costas, porque eu não queria ir comprar esse bendito carvão!

Depois que ele disse isso, ia saindo cabisbaixo e chorando baixinho… Meus amigos que observavam o diálogo sorriram, pois foi até engraçado a maneira como ele falou e seria cômico, se não fosse real. Então eu, comovido, corri ao seu encontro e dei para ele um dos meus carrinhos que havia ganhado de presente. Sem dizer nada, meus primos e amigos ficaram com “cara de goiaba com tosse”, como diria a Emília, do sítio do pica pau amarelo, pois não acreditavam no que viam! Logo eu, que gostava tanto de carrinhos e de brincar e há tempos não ganhava um brinquedo de verdade, agora dar aquele brinquedo… E o Vicente saiu em disparada, mas tão rápido que, em segundos, eu não o vi mais e fiquei tão feliz com aquela cena que parecia que tinha sido eu a ganhar o presente. E quando os meus pais souberam o que eu tinha feito, pois todos os meus amiguinhos tinham visto e ouvido e foram contar a eles, me deram mais brinquedos e eu brinquei mais contente ainda por ter deixado uma criança muito feliz também. Como disse São Francisco de Assis: “É dando que se recebe”.

E você, vai fazer alguém feliz neste NATAL? Lembre-se: As coisas boas a gente nunca esquece! Mesmo que tenha acontecido quando éramos ainda criança!  Há muito tempo.

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