02/10/2014

OPINIÃO: Quando a chuva caía

Por Camilo Martins Nesses tempos de escassez de água, reservatórios quase vazios e nuvens que bailam pra lá e pra cá sem derramarem uma gota para pelo menos apagar a poeira e melhorar a umidade relativa do ar, eu volto ao passado, para me alegrar com as lembranças de tempos idos… “Quase iguais a estes!” […]

Por Camilo Martins

Nesses tempos de escassez de água, reservatórios quase vazios e nuvens que bailam pra lá e pra cá sem derramarem uma gota para pelo menos apagar a poeira e melhorar a umidade relativa do ar, eu volto ao passado, para me alegrar com as lembranças de tempos idos… “Quase iguais a estes!”

Eu sou de uma região seca, nordeste do Brasil. Os meteorologistas falam que em um ano tem um tal de El Niño e no outro é La Niña… Assim sendo, num ano não chove e no outro também não! Quando resolve cair água do céu, daí vem demais e ocorre a tal da seca verde, é complicado. Mas minha cidade natal, a 87 km ao sul da capital piauiense, é zona da mata e, portanto, as chuvas anuais são mais regulares.

Quando eu era menino, brincando por aqueles rincões do Brasil, ficava feliz quando a chuva vinha. Lá longe, em cima da serra a gente via as nuvens negras, não precisava perguntar a nenhum entendido se iria chover ou não. Nós começávamos a pular, gritar e correr nas ruas de terra daquele interior. Logo começava uma ventania, as nuvens eram ligeiras e a felicidade era completa. Trovões e raios nos assustavam, mas, não tiravam a nossa empolgação. Meus primos, amigos e eu fazíamos os planos para quando a água começasse a descer.

Não demorava e a chuva caía. Quando a chuva estava forte nós, só de caução feitos de saco de açúcar e cordão para amarrar, começávamos a brincar de tomar banho na chuva!!

Aquelas ruas eram pequenas para nós! Íamos de um lado pra outro em segundos e aproveitávamos ao máximo aquele precioso líquido do céu.

A água que descia dos telhados era a nossa cachoeira e chamávamos de biqueira. Ali ficávamos enquanto durava a chuva, embaixo das biqueiras.

Minha tia Bilar tinha um tanque que captava a água da chuva com uma calha que descia do centro do telhado, ah, que “piscina” maravilhosa!!

Nas ruas de terra, com toda aquela água descendo, nós pegávamos pedras, pedaços de pau, terra e fazíamos uma “represa”, e com aquela água barrenta tentávamos mergulhar. Em frente à casa de minha avó Luiza havia uma grota que a prefeitura tinha feito, para a água da chuva não estragar a rua. Era como uma curva de nível que jogava a água lá pra dentro da mata e nela nós descíamos, levados pela água forte da chuva. O cheiro de terra molhada, o cheiro do carvão molhado nas roças queimadas, todos os cheiros que se misturavam estão indelével em minha mente até hoje, cada vez que lembro, ainda sinto todos eles.

Quando a chuva caía, começavam nossas aventuras! A vida é assim, o tempo passa e ficam as maravilhosas lembranças. A chuva tinha outro significado. Não estávamos preocupados se iríamos ficar sem água para tomar banho, lavar roupas ou mesmo beber. Não havia essa moderna preocupação de ficar doente, gripado, resfriado… Nada disso! A ansiedade era quando a chuva iria cair para tomar banho de chuva, se divertir, se alegrar e deixar brotar toda a felicidade do mundo.

Hoje quando vejo a chuva cair vem as lembranças e, claro, a saudade! O que me conforta é que posso ver através das minhas visões do passado como eu fui feliz e guardei esta felicidade até hoje. Não estou mais lá, raramente consigo ir e visitar o meu povo, a minha terra, rever a chuva. Mas, até penso que se isso acontece eu termino substituindo minhas imagens maravilhosas de menino por outras atuais, que não teriam hoje nenhum significado.

Poeta Camilo Martins
Aqui, hoje, 01.10.2014
20h36min [Noite]
Estilo: Crônica

camilo
Camilo Martins
 é escritor, jornalista e poeta residente em Artur Nogueira/SP. É presidente da Academia Nogueirense de Letras – ANL e presidente da Academia de Letras do Brasil-Região Metropolitana de Campinas-ALB/RMC. Membro da Academia Limeirense de Letras – ALL e e da Academia de Letras do Médio Parnaíba/Amarante-PI.


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