05/03/2016

Primeira mulher vereadora de Artur Nogueira relembra carreira e como chegou ao legislativo

Floripes Aparecida Chiste foi eleita em 1988 por 250 votos. Na sua carreira política, lutou pelas comunidades do Bairrinho e se reelegeu em 2000, quando trabalhou na criação da Lei Orgânica do Município.

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Por Isadora Stentzler

“Minha mãe era feminista sem saber”, conta Izabel Cristina, filha da primeira vereadora mulher eleita em Artur Nogueira, enquanto olha para a tal, sentada a sua frente na distância de uma mesa. Ela e dona Floripes Chiste, uma senhora de aparente um metro e 60 e sorriso largo, recebem a reportagem no Bairrinho, caminho para Holambra, na casa que Floripes insiste em não deixar mesmo sendo grande demais para uma pessoa tão pequena. “O dia que não der mais, eu saio. Mas consigo me virar aqui”, reverbera enfática, da mesma maneira como lidava dos assuntos da Câmara Municipal em 1988, quando eleita por 260 votos pelo PMDB.

Naqueles tempos não dava para dizer que Floripes, com uma alfabetização herdada de um ano e meio de escola e adição e subtração aprendidas com o esposo, chegaria a um cargo de tamanha responsabilidade na cidade. Mas foi exatamente esse jeito humilde que a conferiu a honra. “Eu entrei pra ajudar as pessoas. Foi só por isso”, diz.

Apoiada na mesa da cozinha de casa, ela revive as lembranças de como foi eleita e entrou para a história da cidade. Com o auxílio de aparelhos auditivos, um em cada ouvido, ela escuta e responde sobriamente a cada pergunta, dando vida a um tempo que ela diz várias vezes que: “Valeu, valeu”.

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Daquela época, Floripes só manteve os cabelos curtos, que do preto passaram para o grisalho levemente pintados de louro, repaginados em um penteado novo, pois o desejo pelo mandato se foi – se bem que ela insiste em dizer que nunca o quis. “Eu não sou política. Eu me preocupo com as pessoas e não com a política.”

Mas é bem verdade que tudo isso quase não lhe aconteceu.

Aos 30 anos, na década de 60, Floripes sofreu um grave acidente, sendo arremessada do carro para a rodovia, entrando em coma instantaneamente. O passageiro que seguia com ela morreu no local e a notícia devastadora só soou aos seus ouvidos 20 dias depois, quando acordou em um hospital de Campinas. Foi um período difícil para a família que conviveu com uma mulher de tamanha independência, acamada. Difícil também para Floripes, que não ficou com memórias do acidente e se vale do que foi dito à filha para contar como se deu a tragédia.

A recuperação foi lenta, diferente da força de vontade de Floripes em voltar a se movimentar e a fazer o que mais gostava: servir.

Anos depois, outro acidente, menos fatal, lhe traria problemas sérios na coluna. Exibidos hoje nos “remendos” sentidos mão às costas da senhora.

História

Irmã de nove, Floripes Chiste foi a quarta a nascer da união de José e Cristina Mendes, em um verão de 1939.

A família grande vivia do lucro do trabalho do pai em uma casa de alvenaria no interior de Artur Nogueira. Até dava para se dizer que o homem era um fazendeiro, mas não dos muito abastados. Um que retinha o suficiente para sustentar os nove, ele e a esposa.

Devido ao trabalho de casa, Floripes teve de abrir mão dos estudos logo cedo. Aprendeu a ler, escrever e depois de um ano e meio na escola, teve de larga-la. Tinha sete anos na época e apenas seguia as instruções que lhe davam. Mas parecia que Floripes era do tipo de pessoa que já nascia com missão determinada. Por isso, ver que seus irmãos e família precisavam dela, ecoava mais alto que os próprios interesses – mesmo sendo uma garotinha.

Aos 17 anos, Floripes deixou o conforto da fazenda para alçar independência dos Mendes. Casou-se com Osvaldo Chiste e foi viver no Bairrinho.

Como crescera no universo doméstico, costurava como ninguém e achava ser este seu ofício. Mas também achava que poderia fazer qualquer coisa. Seu marido também. Ele, que tinha uma empresa de insumos agrícolas, chamou Floripes para lhe ajudar na secretaria do negócio e pediu para ela largar a costura.

– Não largo não! – respondeu teimosa ao interesse do esposo.

E não largou. Por três meses após o pedido, Floripes ainda se dedicou à costura, paralelo ao serviço realizado junto do marido.

Em uma época em que mulheres eram vistas apenas como donas de casa e cozinheiras, Floripes mostrava que mulher poderia estar no lugar que quisesse. Chiste, o marido, dava todo apoio à independência dela. Para isso lhe deu instruções de matemática e outros assuntos que ela não tivera a oportunidade de aprender, já que cedo fora retirada dos bancos escolares, além de a incentivar a dirigir.

E não foi uma só pessoa que chamou Floripes de ‘biscate’ por pilotar o carro da família e sozinha ir de cá a lá. Também não foi uma só pessoa que achou Floripes fraca e incapaz de realizar o serviço de administração com o marido. E, sobretudo, não foi uma só pessoa que julgou impossível Floripes se candidatar a vereadora.

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Já mãe de duas filhas, Izabel e Ilze, aos 49 anos de idade Floripes fora convidada por seu Claudio Alves de Menezes, do PMDB, para ingressar no partido e pleitear um cargo na Câmara. Até então nenhuma mulher havia sido eleita em Artur Nogueira e o fato seria histórico. Floripes pestanejou. Não por nenhuma mulher ter conseguido, mas porque nunca se vira na política e não queria essa função para si. Como dizia, “não era política”, era só alguém que servia os outros.

Mesmo sem escolaridade, ela participou de um curso de três finais de semana de Enfermagem e aprendeu algumas técnicas de vacinação e cuidado de enfermos. A busca partiu após ela ver a necessidade dos moradores do Bairrinho em ter que percorrer grandes distâncias para conseguir atendimento médico. Coisas, muitas vezes, simples, que só precisavam de um profissional no local.

Enquanto enfermeira que foi em um curto período, ela pôde auxiliar na troca de curativos e na mais emblemática das situações: o nascimento de gêmeos.

O chamado para atender o caso veio de forma inesperada. Floripes estava em casa quando bateram à porta dizendo que uma fulana rompera a bolsa e não poderia esperar ir ao médico, pois a criança nasceria.

Floripes, que nunca foi de negar ajuda, correu para lá e encontrou a mulher no instante de dar à luz. Não havia ali utensílios e nem toalhas limpas para que o parto fosse feito da melhor maneira. Ela só lembrou de pedir que chamassem alguém para leva-la ao hospital, pois do resto cuidaria. Naquele ínterim, movida pela necessidade, pela primeira vez Floripes ajudou a pôr um ser no mundo. Mas ao tirar a criança do ventre, percebera que não se tratava de uma, mas duas. Floripes só pensava na “pobre mãe”, que nem sabia que eram dois. Instantes depois, um rapagão cruzou a porta:

– Já nasceu? Meu Deus, precisamos tirar a placenta – E Floripes interviu:

– Não! Se tirarmos vamos matar o outro.

– Outro?

– Sim. São dois.

Imediatamente saíram do Bairrinho para o Hospital. O pai abraçado no recém colocado ao mundo pelas mãos de Floripes e o outro ainda no ventre.

Felizmente tudo ocorreu bem e a outra criança nasceu por procedimentos médicos no hospital de Cosmópolis, para onde foi encaminhada na sequencia.

Lembranças como esta lhe pesaram no momento de dizer sim ao pleito político de 1988. Se com poucos recursos ela já podia fazer muito, imagine estando dentro da máquina pública, pensava. Seu Chiste também não lhe deu outra alternativa, disse que era o caminho de Floripes fazer campanha e apostava nela todas as fichas.

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É claro que Floripes não acreditava nisso. Entrou na disputa por entrar. Não tinha a intenção de vencer e também não achava que venceria. Mesmo assim levou a cabo todo o período eleitoral, distribuindo santinhos e mantendo contato com o povo.

Em uma dessas situações chegou a ouvir de um: “De um a dez eu te dou nota zero”. Em afronta à sua candidatura e capacidade. Também enfrentou dilemas com outras mulheres que já haviam tentado a vaga: “Você não vai conseguir.”

No dia da apuração, porém, surpresa: seu nome foi citado e ela se tornava a primeira mulher eleita vereadora de Artur Nogueira.

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O jornal Folha da Semana deu a notícia: “Floripes é a primeira vereadora de Artur Nogueira. Eleita com 260 votos pelo PMDB, pela primeira vez na história, o povo nogueirense elegeu uma mulher para ocupar o cargo de vereadora em nosso município”. Na edição publicada em 26 de novembro de 1988, um sábado, ela dava uma entrevista sem promessas, apenas com o jeito humilde que a levara a vitória.

“Mas valeu, valeu”, repete Floripes, 28 anos depois da conquista, apoiada na mesa de casa, enquanto olha para os dedos com um ar de lembrança boa de reviver. Como fora a primeira vereadora mulher, deu o primeiro discurso da Casa, em 1989. Além disso, lembra que sua presença no plenário causou mudanças no legislativo. “Eles me respeitavam. Pediam perdão se falavam alguma palavra suja. Porque eu era mulher. Na verdade tínhamos uma equipe boa”, conta.

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Floripes era oposição da gestão eleita na época e aconteceram situações em que ela foi silenciada por interesses políticos. Por ser mulher, Floripes colocou para si que não admitiria tais afrontas, ainda mais porque uma massa nutria a falha ideia de que “mulheres eram fracas”, coisa que ela tinha certeza não ser. Em nome disso, e também das pautas que ela estava cansada de ver serem negadas no plenário, não foi uma vez que ela entrou no gabinete do prefeito para lembra-lo que em Artur Nogueira todos administravam pelo povo e não pelo partido, cobrando mais colaboração da administração.

Foram quatro anos ocupando um lugar no legislativo e pleiteando pelas comunidades do Bairrinho.

Após esse período já estava cansada e não queria mais a vida pública. Era desgastante para ela ir e vir das sessões e ainda conviver com as artimanhas políticas.

De 1992 até os anos 2000 ela voltou a trabalhar com o marido, mas um novo convite de Claudio a fez voltar, ficando no cargo até 2004.

Durante toda a sua vida política, Floripes Chiste foi responsável pela ampliação da E.P.G. Maria Placidina de Almeida Filipini, a instalação de uma unidade da Guarda Municipal, melhorias nas estradas rurais, além de ser uma das vereadoras destacadas para elaborar a Lei Orgânica do Município.

Legado

Depois de sua participação na Câmara, ela se orgulha em dizer que o paço nunca ficou sem ter pelo menos uma mulher em alguma cadeira.

Hoje, aos 77 anos, ou 14, como brinca, ela não se vê voltando. Apenas quer seguir com a vida tranquila na casa cor de areia, no Bairrinho, perto das gentes que tanto ajudou como pôde. “Depois que saí nunca mais pensei em voltar. O que eu tive que fazer enquanto estava lá, eu fiz. Foi uma missão que cumpri.”


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