01/10/2017

Palhaço Biriba avalia passagem de circo por Artur Nogueira

Waldir Roque, diretor do Circo Teatro Itinerante Biriba, fala sobre carreira, envolvimento dos nogueirense com o projeto e o declínio do circo no país

Alysson Huf

Desde que armou a tenda de lona em Artur Nogueira, o Circo Teatro Itinerante Biriba atingiu mais de 4 mil moradores da cidade. Um número que pode ser facilmente considerado um grande sucesso, ainda mais numa cidade com 50 mil habitantes. A passagem bem-sucedida pelo município “Berço da Amizade”, no entanto, é vista com cautela pelo diretor do grupo, Waldir Roque, o palhaço Biriba.

À frente da companhia desde 1999, quando herdou o circo fundado pelo avô em 1954, Biriba conheceu o circo nos tempos de ouro dele, quando cidades inteiras assistiam aos espetáculos dentro das mágicas tendas circenses. Hoje, porém, a situação é bem diferente. Com o advento das novas gerações e da internet, a arte circense perdeu espaço. Embora existam muitos circos no país, a maioria luta para conseguir alimentar seus artistas.

Para Biriba, o diagnóstico é indubitável: “O circo vai acabar no Brasil”, afirma com olhar triste. Sob a lona azul e branca que abriga peças e palhaçadas, Biriba conversou com o Portal Nogueirense e falou sobre a história da companhia, os desafios da vida circense e como faz para manter o circo em tempos tão agrestes. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

O Circo Biriba teve início com seu avô, Hermógenes Roque, na década de 1950, certo? Isso mesmo, com meu avô. Na verdade, existem no Brasil três circos Biriba. Existe este, que é o nosso, o verdadeiro Biriba. Há vários anos atrás, o circo passou pela cidade de Casa Branca (SP), e um casal de lá foi embora junto com ele. Eles trabalharam cerca de quatro ou cinco anos com o circo e saíram. Daí foram para o sul e abriram um novo circo, mas colocaram o nome do palhaço também de Biriba. Só que lá no sul o Biriba não era conhecido. E ficou assim, com o mesmo nome e o mesmo segmento que o nosso, circo de teatro. Tempos depois, um membro da família do casal também abriu um circo chamado Biriba, mas em Santa Catarina. Então tem um no Rio Grande do Sul, um em Santa Catarina e o nosso, que é de Santa Bárbara do Oeste (SP).

O como o seu Circo Biriba começou? Começou com o meu avô, em 1943. Ele morava em Buri (SP) e foi para a Argentina com 20 anos para trabalhar como radialista. Ele ficou lá por três anos. Quando voltou, resolveu construir seu próprio pavilhão de teatro, algo que era bem comum naquela época. Os barracões eram feitos de painéis de zinco, um encaixado no outro. E ali eram apresentados os espetáculos circenses. Assim foi de 1943 até 1954, quando o circo pegou um temporal muito forte em Ibaiti (PR). O barracão estava armado próximo à rodoviária da cidade, que tem o formato de um vale. A rodoviária ficava na parte mais baixa, e uma tromba d’água muito forte inundou a cidade e levou o pavilhão embora. Não sobrou nada, nada. Só deu tempo de meu vô e minha vó catar a criançada e sair para não ser arrastado. Daí, em 1955, veio o circo de pano. Depois o circo passou para o meu tio, depois para meu pai e, por fim, para mim, em 1999, quando eu tinha 17 anos.

E por que você decidiu assumir o circo e dedicar a vida a ele? Então, eu nasci em 1970 e peguei uma era muito boa do circo, talvez o finalzinho da era realmente boa dele. O circo tem várias vertentes. Antigamente havia muito o circo de rodeio, de tourada. Tinha o circo cinema, o circo de bicho e o circo de teatro, como o Biriba. Então com 4 anos de idade eu já trabalhava em peças teatrais. Naquele período, não era comum haver festas nas cidades. Então as duplas sertanejas de renome daquele tempo só tinham o circo para se apresentar. Quando o circo chegava na cidade, o povo já sabia que ia ter artista se apresentando. E eu me lembro que com 4 anos já trabalhava nas peças nessas ocasiões, ao lado de duplas como Zilo & Zalo. O carro-chefe deles era uma música chamada “O milagre do ladrão”. Outra dupla que se apresentou com a gente foi a Canarinho & Passarinho, cujo carro-chefe era a música “O ladrão de galinha”, que é a história de um garoto que vai roubar galinha e o fazendeiro dono delas mata essa criança, arranca a cabeça. Então eu lembro de trabalhar com isso desde pequeno, e sou apaixonado por essa vertente teatral do circo.

O que o público encontra quando vem ao Circo Teatro Biriba? A nossa companhia já está com 74 anos, cinco gerações. Nós temos 46 espetáculos diferentes, entre comédia, melodrama e dramas. Então as pessoas encontram um teatro popular, democrático e acessível, pois nossos ingressos são baratos. Aliás, há cinco anos que nosso circo parou. A gente não circula mais, não cobra mais ingresso. Não somos mais um circo particular. Faz cinco anos que presto serviços para o Ministério da Cultura e para o Governo do Estado de São Paulo. Então sou patrocinado por eles. E todo trabalho que realizamos é gratuito, não há cobrança de ingresso.

É isso que vocês têm feito em Artur Nogueira? Exatamente. Aqui é um projeto de três meses. Apresentamos espetáculos aberto ao público todos os sábados até o início da quermesse da padroeira da cidade. Como essa é uma festa forte na cidade, demos uma parada nas apresentações e vamos repor elas na semana das crianças, antes do dia 12. Daí algumas escolas virão aqui para assistir aos espetáculos. Nós também oferecemos algumas oficinas de teatro, está tendo oficina de dança, de capoeira. Mas o mais procurado mesmo é a de atividades circenses, que é o de equilibrismo, malabarismo, tecido, cama elástica. Elas vão até o próximo sábado (7) e conseguiram atender 4 mil pessoas. Foi gente pra caramba. Foi muito bacana, a gente ficou bastante contente, foi um resultado muito bom. Agora, no final, estão apenas os que se identificaram mais com o circo. Porque tem gente que acha que aqui é fácil, que no primeiro dia já vai sair dando pirueta por aí. Não é assim, não (risos). Tem sacrifício, é dolorido, não é fácil. Então agora ficou só o pessoal mais interessado, como as moças do tecido acrobático. Moço, as meninas têm uma loucura por esse tecido… É a atividade que mais chamou a atenção do pessoal.

Quais são os desafios hoje de se manter um circo em funcionamento? Olha, são muitos. Contra o circo há muitos fatores. A vida dos artistas circenses foi bastante dificultada depois da tragédia da Boate Kiss. Então muitas prefeituras associaram aquele incidente aos eventos em geral. Daí ficou muito difícil, porque o circo não para, está sempre indo de uma cidade para outra. E tem que arrumar documentações específicas para cada uma. É muito burocrático. No meu caso, não, mas para quem vive disso é muito difícil se manter. É muita burocracia. E falta incentivo. Ele até existe, mas são poucas as companhias que se enquadram nos requisitos para obter esses incentivos. O interesse pelo circo também caiu muito, ainda mais com as novas gerações e com a chegada da internet. E o circo não acompanhou essa evolução. Pelo menos no Brasil. E está muito difícil trazer artistas para o circo e manter eles. Foi o que aconteceu na França durante a década de 1980. O circo lá passou por uma crise muito grande, ao ponto de quase ser extinto. Até que assumiu um primeiro-ministro lá que era neto de artistas circenses. Ele começou a fomentar as companhias circenses. Hoje há cerca de 30 circos no país, e não se pode mais criar nenhum. É impedido por lei. Os circos que existem são apoiados pelo governo. E são mega circos, são estruturas maravilhosas. Estive lá há dois anos atrás e fiquei impressionado. É muito grande. Mas foi incentivo do governo. Foi com essas medidas, na década de 1980, que surgiu o Cirque du Soleil.

Você acha que uma medida dessa no Brasil seria a solução para os circos? O problema é que são situações diferentes. Uma que a França é uma país de primeiro mundo, outra que possui um território pequeno, do tamanho do Estado de São Paulo. O Brasil, por sua vez, é muito grande e tem muitos circos. Muitos, muitos, muitos circos. Aqui em São Paulo nem tanto, mas, se você for para o norte, tem muitos lá. E eles batalham para conseguir comer. Tem circo que cobra R$ 0,50 pelo ingresso. E são vários. Então acho que o governo daqui não consegue fazer um trabalho como o da França.

Qual será então o futuro dos circos? Vai acabar. O circo vai acabar no Brasil, e não dou mais 10 anos. E quem está te falando isso é um artista circense tradicional, com 47 anos. Vai acabar.

E como impedir isso? Os artistas vão ter que se aprimorar, o que não é fácil. Outra possibilidade é se adequar para trabalhar como o biriba trabalha, com apoio do governo, mas é bem difícil conseguir, pois é muito disputado. E os circenses têm que se reinventar. Há uns três anos que comecei a levar o circo para a rua, sem lona. Eu monto o palco, coloco as cadeiras e não instalo a armação de lona. E o pessoal se identificou muito mais com o circo sem a lona. Foi incrível! Foi o mesmo teatro, o mesmo espetáculo, mas sem lona. E o pessoal adorou. Então temos que nos reinventar.

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