20/10/2017

Os poetas de Artur Nogueira

DIA DO POETA: Um vislumbre da vida e da obra de nogueirenses que se encontraram na poesia

Da redação

A Academia Nogueirense de Letras (ANL) foi fundada em 2007 e desde então tem trabalhado, dentro de suas possibilidades, para fomentar e enriquecer a produção literária de Artur Nogueira. Entre os membros da organização, que é liderada pelo escritor Camilo Martins, há cronistas, contistas, romancistas e, claro, poetas – que nesta sexta-feira (20) comemoram o seu dia.

O Portal Nogueirense conversou com cinco nogueirenses que pertencem à ANL e que se expressam no ritmo e no som da poesia. São pessoas com histórias e bagagens completamente diferentes, mas que compartilham a paixão ou, antes, a necessidade de dar uma forma poética aos sentimentos que não conseguem mais guardar dentro de si.

Há outros poetas na cidade, é claro. Mas hoje você vai ter um vislumbre da vida e da obra de cinco deles. Confira:

Maria Barreto

“Eu acho que o poeta é aquele que se encanta com coisas que os outros…”, a escritora se interrompe. Maria Barreto sente que se expressa melhor escrevendo do que falando, e rapidamente pega uma folha dobrada na bolsa. Desdobra o papel meio amassado, fixa os olhos e continua:

“Poeta é aquele que vê encantamento em coisas que aos outros aborrecem. Um chão forrado de folhas secas, que a outros olhos são coisa mortas, sujeira, aos olhos do poeta revela a grandeza da natureza, que se deixa secar e cair para que a árvore seja renovada. O poeta com tudo se encanta, e canta a beleza da vida”.

“Eu sou uma encantada com a vida”, complementa a poetisa de 62 anos. Sua grande inspiração é Cecília Meireles, de quem admira a aguçada sensibilidade para perceber as sutilezas da vida, mesmo nas coisas mais ínfimas da natureza. E dela herdou a forma de encarar o mundo. “Eu vejo beleza em tudo. O poeta vê beleza onde talvez outros não vejam”, comenta.

Uma boa poesia, para ela, é resultado de uma construção cuidadosa, que equilibre melodia e sonoridade. “Ela precisa de rimas, portanto, mas não pode deixar de ter a essência do coração”.

Olhos de Boneca

Minha orquídea abriu os olhinhos para o dia, arregalados, doando beijos de biquinho roxo, violeta, rosado.

Reverenciando a primavera na doçura e sutilezas, perfumada e bela… Minha boneca flor; Eu cá por ela, fico morrendo de amor.

Santos José Gonçalves

Aos 69 anos, “mas com corpinho de 68”, como ele mesmo afirma bem-humorado, Santos José Gonçalves é considerado um poeta mais filosófico pelos colegas. “A poesia é uma essência, é uma luz, uma energia diferenciada”, descreve o artista. Para ele, ninguém pode simplesmente decidir que vai escrever uma poesia.

“É a inspiração que encontra o poeta, e não o poeta que encontra a inspiração”, explica. A poesia é uma necessidade do âmago, uma necessidade de fazer algo irradiante, sem programação, sem data para acontecer”, acrescenta. Segundo Gonçalves, se expressar poeticamente é uma necessidade espiritual, uma forma de sobreviver numa sociedade que não se harmoniza aos ideais do poeta filosófico.

Inspirado por Castro Alves, Zé Ramalho e Raul Seixas, ele afirma que a principal virtude do poeta é a observação. “A observação é o que faz acontecer tudo no campo literário. Tanto em poesia quanto em conto ou romance – tudo é fruto de observação, do que está em volta, no universo do escritor. As observações que ditam as coisas que se escrevem”, assevera.

Segundo ele, tudo pode virar tema para o poeta, que não depende de estudos para ser bom no que faz. “Patativa do Assaré, por exemplo, era analfabeto”, comenta, referindo-se ao ícone da poesia popular e do repentismo brasileiro no século XX, imortalizado na voz de Luiz Gonzaga. “Ele falava e alguém escrevia. Ele sentia e alguém escrevia o sentimento dele. Os poemas dele já caíram até no vestibular”, destaca.

Bem Aventurados

“Bem aventurados os ricos de espírito, que fazem do dia e da noite o dia, e aprendem a luzir no horizonte áurea luz dos iluminados. Que se refletem na natureza dos homens e animais, fulgurante luz de alumiar em sonhos. Bem aventurados os de almas avançadas, semeantes da simpatia da fala, da coerência dos fatos e explicações do impossível; dos extra-sensoriais, que fazem do amor e do ódio o amor, e se resplandecem de luz, aos olhos de seus seguidores. Bem aventurados os profetas, que fazem do presente e do futuro o presente; Que viajam pelo tempo e vivem sintonizados no futuro, vindo de lá nos contar estórias. Bem aventurados os poetas, que fazem do verso e da prosa o verso. Que vivem no universo literal, cantando glórias e fadigas, e embelezam as expressões; Espalhando pelos livros a compensação de viver. Bem aventurados os poetas, que fazem da vida e da morte a vida.”

Dalva Benvenuto

Dalva Benvenuto gostava de escrever quando era pequena, uma menina de escola. Um casamento precoce, no entanto, deu a ela uma série de outras prioridades. A literatura teve que ser deixada de lado, junto com os estudos – ela cursou apenas até o a terceira série do ensino fundamental. As coisas mudaram muito tempo depois, quando o marido faleceu e os filhos se casaram.

Ela voltou a estudar, mesmo com a idade já avançada. Entrou para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, nos intervalos das aulas, arriscou as primeiras rimas. “Uma das primeiras poesias que eu fiz foi ‘Servente de João de Barro’, e todo mundo gostou dela”, relembra. Daí vieram os saraus literários da ANL, nos quais ela declamava seus textos, e muitas outras poesias, quase sempre sobre a natureza.

Aos 81 anos de idade, Dalva não tem um poeta favorito. Por causa do pouco estudo, teve muito contato com os autores famosos. Mas é a prova de que para ser uma poetisa não é preciso alto nível de erudição. Só é preciso dar vazão ao coração.

Servente de João de Barro

“João de Barro contente, Cantava todas as manhãs, Trabalhando sem servente, No alto do flamboyant.

Construindo sua casinha, Ele trabalhava contente, Boa vontade ele tinha, Mesmo não tendo servente!

Senhor Pedro admirava A obra do construtor, Ele sempre comentava: Que pássaro trabalhador!

Com sua obra terminada, João de Barro cantava contente, Da porta de sua morada, Agradecia ao servente!

Com isto os seus amigos, Achando muito engraçado, Lhe deram o apelido De servente de João de Barro.”

Camilo Martins

A poesia entrou cedo na vida do presidente da ANL, quando ele tinha 13 anos e morava num internato, em Pernambuco. “Já tinha muita coisa na cabeça”, afirma. Sem escritores na família, ele diz que escreve com a alma, tendo por inspiração nomes como Castro Alves, Machado de Assis e João Guimarães Rosa.

Seus temas mais recorrentes são os sentimentos, a infância, a natureza, o amor e o infinito. “O poeta nunca é completo, ele nunca tem tudo o que precisa para escrever, mas desse não-tudo ele tem muitos elementos. E não tem hora marcada para a inspiração chegar”, comenta.

Segundo Martins, uma boa poesia precisa de um momento único para ser escrita. “O que faz a poesia é a circunstância. É o que você está passando, o que você está sentindo. Qual é o seu sentimento naquele instante. Isso que te faz escrever uma boa poesia, pois você escreve da alma, do coração”, revela.

Hoje cedo…

“Hoje cedo tirei aqui esta fotografia, coração nublado e sempre a alma fria… Passarinho longe de tudo, sente saudade da árvore, da mata… Não tem na cidade!

Hoje cedo, cedinho, pensei, Deus, que dor! Pobre passarinho, sem o calor da sua flor… Voa de fio em fio, nas antenas e telhados! Chora no canto, sem a vista dos roçados…

Hoje bem cedo, eu chorei assim também! Longe dos meus amigos, aqui sem ninguém… Feito um passarinho de asas congeladas!

Ah, hoje cedo! Pássaros, histórias passadas… A vida é mesmo diferente aqui na cidade! Ah, interior… Meu amor por ti até a eternidade.”

Edson Croife

“O mundo está uma confusão, muita guerra, pai matando filho, filho matando pai”, reflete Edson Croife, que é mais conhecido pelos livros de comédia, mas compõe algumas rimas de vez em quando. “Então o mundo precisa de mais amor. A poesia em si é uma mensagem para encher a alma das pessoas, para que elas larguem mão dessa violência e sigam caminhos melhores”, afirma.

Assim como Dalva, ele não tem um poeta favorito, mas sabe que Deus é seu tema predileto. Croife também gosta de contar sobre o passado, amores esquecido e causos da vida. E salienta: “A boa poesia tem que ter começo, meio e fim. Se não ela fica vazia”.

Deus, Ele existe sim

“Há tantas formas de saber Que um ser superior ainda impera E é tão fácil de se ver Mesmo nessa avançada era,

Os cientistas tanto pesquisaram Para saber como tudo começou Muitas hipóteses levantaram Mas de concreto a nada se chegou,

Basta olhar para a natureza Pra água e o ar E ver tanta beleza Sob o imenso azul do mar,

Na noite o lindo luar Minúsculo vai nos deixando Para poder contemplar As estrelas todas brilhando,

O homem não criou a cachoeira Que lhe banha no calor E como seria a maneira Que surge o perfume na flor,

Basta para o seu corpo olhar E sentir toda coordenação tida Que em harmonia faz formar Algo chamado vida,

No horizonte um quadro será pintado Hoje ao entardecer Um crepúsculo avermelhado E tudo será dourado, no amanhecer,

São tantas provas reais Tão fáceis de se notar Mas para que falar mais Se já deu para acreditar…”

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