09/06/2013

OPINIÃO: Qual é a importância da língua portuguesa?

PhD fala sobre a história e relevância do português

Por Milton L. Torres, PhD

O português é a língua oficial de oito países do mundo, espalhados em quatro continentes. Estima-se que quase 250 milhões de pessoas falem o idioma. Depois do Brasil, os países onde o português é mais falado são Moçambique (19 milhões), Portugal e Angola (11 milhões cada um) e Guiné Bissau (mais de um milhão). Ao contrário do que muita gente pensa, o espanhol não é o parente mais imediato do português, mas o galego, a última língua do tronco romântico a se separar de nosso idioma. Trata-se de uma língua falada na Galícia, uma região da Espanha, e nas áreas de imigrantes galegos na Argentina, Cuba e Uruguai. Aliás, o nosso tronco linguístico se chama “romântico” porque tanto o galego quanto o português são descendentes de uma língua agora extinta antigamente chamada de romanço. De fato, o romanço era uma mistura de línguas derivadas do latim vulgar e, por essa razão, o termo tinha conotação pejorativa. De qualquer forma, o português do Brasil, sendo uma das línguas mais nasais do mundo (juntamente com o francês e o polonês), merece mesmo a denominação de língua romântica, uma vez que os antigos gregos, sempre muito inteligentes, consideravam os sons nasais como os mais belos e sensuais de todos.

A língua portuguesa reflete, em muitos sentidos, o espírito aglutinador de seus falantes. Por causa das invasões mouras à Península Ibérica, região da Europa onde se localiza Portugal, e devido à colonização portuguesa de vastas regiões na América do Sul, África e Ásia, nossa língua entrou em contato com os falares de diferentes regiões do mundo. Como resultado disso, nosso idioma acabou enriquecido com inúmeras palavras oriundas do árabe, das línguas indígenas brasileiras e das línguas africanas. De certa forma, o sincretismo observado em nossas relações sociais transparece também em nossa forma de falar. Quem sabe não foi justamente essa propensão de nossa língua que tornou o brasileiro essa pessoa tão amistosa e tão disponível para a conversa fiada… Será que o pensamento determina a língua ou, ao invés disso, a língua influencia o pensamento? Independentemente de se tomar uma decisão a esse respeito, concordaremos que a língua portuguesa constituiu o nosso jeito de ser, o nosso modo de encarar a vida, a nossa própria alma coletiva e, por isso, como disse Jesus Cristo, não nos resta alternativa senão deixar que a boca fale do que está cheio o coração (Mt 12:34). Tente passar o soneto 11 de Camões para qualquer outra língua e você vai entender o que eu quero dizer com isso. As contradições implícitas numa “dor que desatina sem doer” ou num “solitário andar por entre a gente”, parecem não fazer pleno sentido, a não ser quando vistas a partir do jeito luso-brasileiro de encarar a vida. Assim, disse Fernando Pessoa: “minha pátria é a língua portuguesa”. Não se importava que invadissem Portugal, desde que não mexessem com ele. Mas isso não era egoísmo. No fundo, o escritor sabia que, enquanto houvesse o nosso jeito de falar, não perderíamos a identidade, não nos abateríamos diante dos infortúnios, não perderíamos a voz, nem nosso reflexo no espelho.

Talvez o que o tenha motivado a ler este texto despretensioso é que você imaginasse que ele confirmaria suas suposições de que, sem um conhecimento sólido da gramática portuguesa, seria impossível você se dar bem na vida, conseguir um trabalho melhor, aumento de salário, uma linha de crédito mais compatível com suas necessidades do momento ou, até mesmo, uma chance com a moça bonita a quem você anda cobiçando. Faz mesmo parte da natureza humana que encaremos tudo a partir de um ponto de vista pragmático que nos permita tirar vantagem de tudo. Bem, não foi isso que me motivou a escrever. Decepcionado? Ora, não fique. É bom saber que seu português é melhor do que o dos outros sete bilhões de falantes que andam sobrecarregando as linhas de comunicação deste planeta. Pouca gente fala português na China ou no Curdistão. Talvez, melhorar o seu conhecimento gramatical possa agregar um centésimo de valor ao patrimônio cultural que você tem. Em vez disso, eu sugiro que você desfrute dessa língua. Use-a de modo ferino ou terno, use-a sério ou leviano, use-a para ser ou não ser, use-a! Sorva cada palavra como se o ar fosse feito disso. Imagine-a como cubo, esfera, pétala, andaime, viga. Mas… nunca tenha medo dela. A língua está do nosso lado. Falando português, ao amigo, ao desafeto ou à moça bonita que mencionei, é impossível não conciliar as desavenças, é impossível não encantar com o charme romântico das palavras. Afinal de contas, como escreveu Alberto de Lacerda, “esta língua portuguesa, capaz de tudo, como uma mulher realmente apaixonada, esta língua é minha Índia constante, minha núpcia ininterrupta, meu amor para sempre, minha libertinagem, minha eterna virgindade”. Quer saber, então, a autêntica importância da língua portuguesa? Tente ficar um dia, uma hora sem usá-la. Hoje, à noite, antes de dormir, eleve a Deus um pensamento, esboço de gratidão, primeiramente por falar e, principalmente, por falar em português…

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milton torres
Milton L. Torres
é professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Mestre em Linguística pela UFBA. Mestre em Letras Clássicas pela Universidade do Texas, em Austin. PhD em Arqueologia Clássica pela Universidade do Texas, em Austin. Pós-doutor em Estudos Literários pela UFMG. Membro do Conselho Consultivo das revistas Protestantismo em Revista e Formadores: Vivências e Estudos


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