09/12/2015

O que os estudantes do Munhoz têm a ensinar para Artur Nogueira?

Editorial

*Norton Rocha

O exercício da cidadania é muitas vezes subversivo, por mais incrível que isto possa parecer. Dizer ao Estado e a sociedade o que deve ser dito, nem sempre tem efeito resultante, a não ser quando milhares de estudantes decidem ocupar suas próprias escolas. E ‘como reagir diante de uma situação destas?’, questionava-se a todo o instante um Alckmin aturdido com o barulho que os estudantes provocavam. E continuam a provocar, mas agora sem a participação de alunos da Escola Estadual José Apparecido Munhoz. Pois estes, decidiram desocupar a escola para garantir a colação de grau de seus colegas.

Existe uma canção de uma banda gaúcha chamada Cidadão Quem; ela versa algo como: ‘se alguém, já lhe deu a mão e não pediu mais nada em troca, pense bem, pois é um dia especial’. Aqueles que tiveram o privilégio de acompanhar de perto o maior movimento político em prol da Educação já promovido por estudantes em Artur Nogueira, compreendem o quão especial foram estes dias. A adesão que o movimento ganhou, até daqueles que poderiam ser prejudicados com ele, anunciava a dimensão do que estaria por vir. O recuo de Alckmin com a reorganização do ensino já não é apenas uma vitória para a própria Educação no estado, mas a consolidação de um novo passo em direção a uma sociedade com valores e princípios democráticos.

Confesso-lhes que ainda entendia com muita reserva os acontecimentos de junho de 2013, quando milhões de jovens de diversos estados foram as ruas manifestar insatisfação pelo momento político. Subestimei-os, mas hoje reconheço o valor do aprendizado que aquele movimento deixou para os estudantes. Mostrou a eles, por exemplo, a importância de reverberar o grito contido, seja contra atitudes machistas, seja contra professores autoritários, ou pela merenda de sabor questionável. Estes e outros assuntos foram, inclusive, temas de debates construídos, na maior parte, pelos próprios estudantes, dispostos a transformarem o Munhoz numa nova escola.

Duas importantes funcionárias da Secretaria de Educação do Estado ouviam os estudantes na manhã de sexta-feira (4), do lado de fora do portão da escola, eles, do lado de dentro, anunciavam o descontentamento não apenas com a reorganização imposta, mas também criticaram ali, do portão mesmo, a forma como o Estado lida com a Educação, com suas paredes de duas cores, e suas aulas engessadas por uma grade cheia de fórmulas prontas, mas de resultados pífios. Nem as apostilas passaram despercebidas. Na oportunidade, disseram para as representantes de Alckmin que consideram o material engessado e pobre de conteúdo formativo.

Este diálogo foi histórico. Sem a ocupação, dificilmente duas funcionárias do alto escalão do governo do estado viriam até Artur Nogueira ouvir alunos sobre o que pensam da Educação. E tiveram que ouvir até o fim a respeito da necessidade de integrar ainda mais a sociedade e suas reais demandas à vivência escolar. Pois os estudantes já entenderam que se não souberem sobre juros compostos, direitos da juventude, cidadania e conjuntura política, talvez tenham uma vida mais alienada, e terminem por serem vítimas de um mercado voraz, de um sistema político perverso e de uma sociedade sem escrúpulos. Sim, a vida é bem mais difícil do que se imagina, e os estudantes do Munhoz sentiram na pele o que um Estado autoritário é capaz de fazer com uma sociedade aonde 70% não lê sequer um livro por ano.

O reflexo do que o Munhoz e outras centenas de escolas no estado vivem ou viveram, é uma forma de resistência diante de uma luta que não é apenas deles, mas de todos aqueles que, de alguma forma, devem se beneficiar com a Educação, ou se sentirem prejudicados pela falta dela. E este empenho dedicado ao Munhoz foi somado ao conjunto de ações protagonizadas por milhares de jovens em todo o estado.

A imprensa se empolgou sim, e em muitos momentos buscou ficar ao lado dos estudantes que exigiam um diálogo mais aprofundado, uma postura mais democrática, e foi sim muito criticada por isto. Talvez este seja o preço a ser pago por quem fortalece a luta do ‘nós’, em detrimento daqueles que travaram a guerra do ‘eu’. Alguns excessos foram constatados por leitores e reconhecidos pelo editor deste veículo, na cobertura do evento. Este olhar crítico sob o que a mídia produz é fundamental na construção da sociedade que idealizamos. Não queremos leitores conformados ou indiferentes com o que consomem; precisamos de leitores ávidos ao debate, à análise crítica bem formulada e às leituras aprofundadas sobre temas que verdadeiramente se conectam ao interesse público.

O protagonismo vivenciado pelos alunos do Munhoz que estiveram à frente deste debate e propiciaram um momento de reflexão, mostrou uma juventude mais preparada e disposta a promover ações, não mais apenas em quadras de esportes, mas também no campo democrático das ideias. Reagiram como podiam e ao ocuparem a própria escola, como forma de garantir que o futuro da Educação não fosse afetado, eles agora abrem um fascinante precedente: o de dialogar de igual para igual com o maior Estado da América Latina. São Paulo, hoje, já não é mais o mesmo.

*Norton Rocha é jornalista e editor-chefe do Portal Nogueirense.

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