29/08/2015

Músico nogueirense relembra parcerias com grandes cantores e o dia em que ‘morreu’ e não desencarnou

Tecladista Mario Testoni Junior já tocou com Rita Lee, Fábio Junior, Cauby Peixoto, Jair Rodrigues, Menudo, entre muitos outros. Atualmente é o responsável pelo Casa das Máquinas, banda de rock que estourou no Brasil na década de 70 e retorna com grande sucessos.

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Mario Testoni Junior abandonou os cabelos compridos há alguns anos. Agora só usa curto e se dedica no seu projeto de aulas de piano no Centro Cultural Tom Jobim, em Artur Nogueira. Ano passado atendeu cerca de 20 alunos regulares, mas esse ano o projeto parou e tem 70 na fila. “Não sei bem o porquê, mas é demais. Eu tenho um aluno que eu invejo, acho que é porque ele tem um professor como eu”, reforça em um alter ego que lhe cabe bem. Aos 61 anos não está preocupado em criar uma imagem conservadora do Mario Testoni pai e professor de música. Não esconde nada, fala das loucuras da década de 70 e ri. O papo flui naturalmente com essa figura do rock nacional. Tecladista do Casa das Máquinas, adianta a gravação de um novo LP da banda com a Som Livre e de um show com convidados no dia 18 de setembro, no Sesc Belenzinho. “Vai lá”, convida.

Ele veio ao Portal Nogueirense na terça-feira, dia 25. Vestia uma camiseta preta escrita Hard Rock, uma calça jeans, uma meia cinza – à mostra quando cruzava às pernas – e tênis marrom. Chegou pouco antes da chuva começar e o clima parecia ter lhe dado ânimo.

Ao entrar no estúdio, Mário acomodou-se e não precisou de muitas perguntas. Emendou um assunto no outro respondendo antes de ser questionado.

Há dez anos Mário saiu de um casamento conturbado e abandonou a capital paulistana para vir a Artur Nogueira. Estava cansado de São Paulo e vinha atrás de um novo amor, a Márcia, com quem está junto até hoje. Mas a cidade que ele vê agora é diferente da que lhe acolheu.

Acabou estudando licenciatura em Música, no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), formando-se em 2006. Aí encarou as salas de aula da rede municipal de Cosmópolis e o projeto de piano no Centro Cultural. Ele enche a boca para falar sobre o assunto, ainda mais porque alia a isso a crítica que leva sobre cultura nacional. “Hoje não é nem música, é coisa. Infelizmente a cultura está em decadência. É o ciclo que estamos passando. Tudo que está indo pra baixo sobe de novo. A única saída, costumo dizer, é quando você chega no fundo do poço, porque você tem como bater os pés e voltar. Acho que ainda falta um pouquinho pra gente bater o pé, infelizmente.”

Desde que veio a Artur Nogueira abandonou o hábito de assistir TV aberta, pelo bem da sua mente, e pergunta se o programa do Faustão ainda está no ar. Ao saber que sim, ironiza. “Isso é uma má informação”, e ri. “O povo acaba digerindo aquilo que a mídia oferece. Não adianta bater contra. A cultura é imediatista.”

Final do ano passado ele desafiou um aluno a tocar Poloneza de Chopin. Mário nunca conseguiu fazer essa peça ao vivo, apesar de a ter estudado. No espetáculo de fim de ano foi surpreendido com o aluno. “Eu realizei isso nele”, conta com um sorriso e olhos brilhantes. “Eu sou muito chato. Eu sou exigente. Cobro demais. Ao mesmo tempo deixo o aluno livre para fazer o que quer. Mas gosto de desafio e esse aluno também. Adotei esse aluno para mim.”

Na vida de Mário a música entrou muito cedo. Aos quatro, já brincava com acordeom e antes de aprender a função de adjetivos, substantivos e sujeitos nas orações, já sabia ler bolinhas na pauta. “Eu pesquisei e descobri que a minha mãe é descendente do criador da Valsa, Johann Strauss. Tem um parentesco. Pensei até em mudar meu sobrenome colocando o dele, mas agora com 61 não precisa mais.”

Na época, virada da década de 50 para a 60, aos seis anos, ele queria aprender piano, mas o instrumento era dito como coisa de “maricona”. Homem tinha que tocar acordeom. A engrenada cedo no instrumento lhe causou alguns problemas nos ombros, até hoje sentidos nas brincadeiras que faz quando encontra um fole por aí. Ao completar doze, Mário já estava no mundo artístico, gravando aos 13 um compacto com Dave Maclean e entrando em outras bandas da região – paralelo aos estudos de piano, que agora fazia sem estresse. A guinada se deu ao se unir ao Casa das Máquinas, caminho aberto para o Grupo Pholhas.

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“Onde o Casa ia tinha uma fumaça em cima”, ri ao falar dos bastidores da banda. Mario se uniu ao grupo em 1975, o grupo já tinha dois anos de estrada e apoio da Som Livre. Quando ele chegou levou junto outro Mário – criando o trocadilho Los Marinhos –, baterista. “O Netinho, que era baterista dos Incríveis, estava criando Novos Incríveis, que virou o Casa das Máquinas, me chamou porque precisava de um tecladista. Eu achei legal, mas eu era muito fiel ao Mário, que era irmão do Netinho. E os dois tocavam bateria! Aí veio a grande sacada. Com a gente funcionava diferente. Como os dois eram irmãos e tinham uma ligação muito grande, eles tocavam como se fosse um espelho. Tocavam juntos. Faziam as viradas, que seria algo que um baterista fazia sozinho, intercalando. Visualmente falando era muito louco! Na verdade nós éramos muito loucos!”

A banda começou com o vocalista Simbas, outra versão setentista de Ney Matogrosso, que tinha uma presença extravagante no palco. Em plena ditadura militar, Simbas fazia shows de salto alto, leggys e mini blusas, com batom preto, desafiando as autoridades. O que para o grupo não era um afronta.

Na década de 70 essa extravagância boicotou uma gravação na TV Tupi. Mario lembra que a situação fez a banda rir por duas vezes. Eles não souberam que seriam boicotados. “Ninguém pensava em política, principalmente o Casa das Máquinas. A gente pensava em paz e amor. Se você pegar as letras elas falam ‘vou viajar num beija flor entre canais espaciais, rumo à lua verde’. É uma viagem de quem tomou ácido mesmo. Mas na época falaram que a gente era bicha. Ficamos putos, mas demos risada. Até hoje não entendi ameaça ao quê. Acharam que as crianças iriam virar todas gays. E daí?”

Depois dos anos de chumbo a gravação foi liberada na rede, causando mais risos ao grupo.

Simbas também foi protagonista de outro escândalo envolvendo o grupo Casa das Máquinas, fator responsável por um jejum que acometeu o grupo a partir de 1978.

Mario conta que tinha acabado de deixar o grupo para ingressar ao Pholhas, em 1978, enquanto o Casa faria a participação em um programa de TV. No dia da gravação Simbas teria reorganizado a banda para entrar por outra porta, o que gerou uma discussão com a produção. Entraram na briga um motorista de ônibus, um cinegrafista e outros integrantes da banda. O resultado foi que um chute no fígado do cinegrafista que acabou o matando.

Todo o grupo foi indiciado por assassinato.

“Saiu uma foto minha na capa do jornal falando ‘o assassino’, porque fui para a delegacia como participante do ‘assassinato’. O advogado do Pholhas me defendeu e no fim ganhei até um valor com isso.” Na época o Casa das Máquinas estava no auge, mas uma ordem federal retirou todos os LP’s da banda de circulação. O que tirou o grupo do mercado.

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Após intensas experiências alucinógenas, Mario deixa de usar entorpecentes em 1986. O ápice para isso foi uma experiência vivida em Salvador, durante uma turnê com Menudo – depois de ter saído do Casa. “Eu dei uma pirada a ponto de ir pro Sanatório! Antes disso eu achei que havia morrido, mas que não tinha desencarnado. Hoje eu falo ‘nossa’. Mas é muito triste. Eu lembro muito bem que a minha sensação era de que eu precisava de um baque forte para desencarnar. Aluguei um fusquinha e peguei o Farol da Barra e acelerei, batendo no primeiro poste. Quebrei a clavícula, mas saí andando. Não desencarnei! Olhei pro Farol da Barra, aquele mar, e entrei. Alguns pescadores tiveram que me tirar. Eu estava alucinado.”

Mario teria um show na sequência e ainda neste quadro pediu que mudassem seus teclados de local, colocando-o próximo ao cabo de força. Ao palco, subiu descalço e com um copo de whisky. Na metade da primeira música lançou o álcool na fiação, jogando-se em seguida sob o líquido, como que em uma performance de suicídio. “Somos um copo e nunca sabemos quando ele está cheio e vai transbordar. Então quando ele está cheio e você coloca algo mais, você transborda e pira. Pira mesmo. Eu dei sorte.” Depois de alguns tratamentos, Mario venceu as drogas.

O tecladista tocou ainda com Rita Lee, Fábio Junior, Cauby Peixoto, Jair Rodrigues, Menudo, entre muitos outros. Mario conta que foi o diretor musical de todos estes artistas durantes turnês por todo o Brasil. “Apesar de todos terem sido patrões, os considero como grandes amigos”.

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Subiu ao palco ao lado de Gleen Hughes – The voice of rock da década de 70. Mario ainda relembra grandes composições de jingles. Um deles feito em uma agência de publicidade na grande São Paulo ao lado de Guizzi, o marcante jingle do Mc Donalds “dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles num pão com gergelim”. Ele também trabalhou em produções musicais nos estúdios da Maurício de Souza Produções.

Mas o que lhe move agora é a apresentação em setembro, no Sesc Belenzinho. A velha e nova guarda do Casa juntos de novo. “A gente só teve três álbuns e nenhum outro com músicas novas, só regravação. Só que quando a coisa é boa ela fica. E isso é o Casa.”


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