06/02/2016

Lelo e Duda falam sobre Carnaval de Artur Nogueira e contam detalhes do Bloco da Vaca

Dupla trabalha com mais cinco pessoas desde dezembro na confecção da vaca e relembra nesta entrevista a história de 86 anos dela, que é patrimônio cultural e imaterial da cidade e do estado de São Paulo.

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Eduardo Pietrobom (o Duda), Geraldo Townsnd (o Lelo) e mais cinco pessoas estão desde o final de dezembro trabalhando na confecção das cinco vacas que devem ir para as ruas de Artur Nogueira durante o carnaval. Uma delas, menor e mais leve, já apareceu na noite de sexta-feira (5) e animou os filhos da vaca. Já as outras só devem invadir a avenida às 18 horas do domingo (7) e da terça-feira (9), junto da bateria, mas até lá permanecem trancafiadas no prédio do antigo teatro municipal.

Feitas com base de cipó, as vacas atuais são muito diferentes das produzidas no passado e levam camadas de espuma e uma carcaça de boi revestida de latão. Lelo e Duda calculam que cada uma delas deva pesar cerca de 30 quilos, por isso carregá-las é uma tarefa de curta duração na avenida. “Quem pega ela não aguenta mais de 10, 12 metros e já passa pra outro”, aponta Lelo.

Ele e Duda recebem a reportagem do Portal Nogueirense na sexta-feira (5) de manhã para contar os detalhes daquela que é a personagem icônica do carnaval da cidade. Aproveitam e resgatam um pouco da história e contam do dia que a vaca acertou um cinegrafista da Globo, quebrando sua câmera, e do dia em que a vaca os livrou de uma blitz em São Paulo.

Lelo está na produção da vaca há 30 anos, mas tomou a frente da confecção há 17. Já Duda se somou à equipe há 14 anos e fala desse trabalho com um tom apaixonado. Inclusive ele foi o responsável para que mulheres e crianças pudessem participar da bateria do bloco. Para se ter uma ideia, até a década de 80 o bloco da vaca era extremamente machista e só homens podiam participar da folia. Aos poucos homens vestidos com roupas ditas femininas começaram a integrar a festa que então passou a agregar mulheres também. Já na bateria do bloco isso só foi acontecer em 2010, após a chegada de Duda.

Quantas vacas foram preparadas para este ano?
Lelo: Quatro, mais a vaquinha. E esse ano vai ter uma vermelha. Sempre teve preta e branca e vermelha e branca, mas este ano teremos uma vermelha. A preta e branca sempre teve. Essa aí até nóis deixa ela pra só se precisar… acontecer de quebrar. Mas não quebra. A vaca não quebra, ela vai e volta. Mas se quebrar ela [a preta e branca] vai. Senão ela fica só para apresentação. Aí quando tem um evento em uma cidade, pede pra nóis levar pra fazer uma demonstração, daí vai aquela [preta e branca]. Ta sempre bonitinha.

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Então há quanto tempo que ela existe?
Lelo:
Faz uns par de ano. Acho que uns dez anos. Mas todo ano eu dou uma reformada. Ontem [quinta-feira] mesmo eu dei uma ajeitada nela. Tem vezes que precisa passar uma tinta nova, depois passar brilho novo, sabe. Uns tempos até rasgava, mas hoje o pano está mais forte e vamo vê se não rasga agora. Se bem que essa não rasga porque não vai pra briga [risos]. Mas essa daqui [e aponta para uma das confeccionadas neste ano] o pessoal empurra, derruba, pisa por cima, pula em cima… tem gente que vem pra quebrar a vaca! A gente põe pessoa pra olhar, mas não dá conta. É muita gente, né.

Elas parecem ser muito pesadas. Quanto pesa cada vaca?
Lelo:
Ela deve pesar uns 30 quilos.

Nossa!
Lelo: É bastante. Porque quem pega ela não aguenta mais de 10, 12 metros e já passa pra outro, sabe. Então ele [referindo-se ao folião que veste a vaca] dá uma carreirinha com ela, sente que ta pesado e já sai de baixo, entra outro… Eu sei que a vaca não para! [risos].

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E há quanto tempo você está na produção da vaca?
Lelo:
Faz 50 anos que eu acompanho a brincadeira da vaca. Agora, eu tinha um amigo, o Didi Caetano, que trabalhava na produção e eu ajudava ele. Eu ajudei ele por uns 15 anos. E eu peguei a prática, sabe. Daí o Didi não quis fazer mais. Abandonou, avisou o prefeito e o prefeito pediu se eu não sabia fazer. E eu peguei. Então que eu to como responsável pela vaca tem uns 16 anos.

Pra você que participa há 50 anos da festa, como é ser responsável por fazer a Vaca acontecer?
Lelo:
É um prazer pra gente, né. Ver o povo brincar… Porque aqui, a tradição da nossa cidade é a vaca. Ela é registrada na cultura da região.

E são 86 anos de vaca…
Duda
[interrompendo]: Na verdade não é 86. A primeira vez que foi feito a vaca, que naquele tempo era Banda do Boi, foi no sítio dos Montoya em 28. Só que a primeira foto que consta no livro de Artur Nogueira é de 1930. Mas eles já tinham feito isso pra brincar. Só que como a turma tem o registro de 1930, ficou 1930, né. E era banda do boi, depois virou Bloco da Vaca.

Quando houve a mudança?
Duda: A idade certa eu não sei. Mas foi antes da década de 70. Eu era moleque e ia no Bloco da Vaca. E eu nasci em 58! Então Acho que foi na década de 50. De 50 pra 60.

E como foi para manter a tradição por todo esse tempo?
Duda:
Na época mais antiga, quando eu não participava, era coisa de família, né. Famílias tomavam conta. Tinha a família dos Montoya, depois teve a família do Pulz que ajudou, depois veio a turma do Duzzi… Então era o pessoal que fazia de coração. Não tinha ajuda de ninguém, entendeu. Era a família que fazia mesmo. Pegava, guardava a vaca no quintal de casa, porque a cidade era pequena na época. Aí passou pro Didi e um dia o Didi disse que não iria mais fazer. Então veio o Lelo que ta há 17 anos fazendo a vaca, mas já ajudava antes. Eu to há 14. Só que a gente não tem aquela tradição. Era diferente. Era de família. Até na época do Duzzi era feito de bambu, não era de cipó. Isso só aconteceu depois que o Didi pegou.

E isso foi em que ano?
Duda:
Ah, eu acho que foi em 1975. Faz mais de 30 anos.
Lelo: O bamboo quebra fácil. O cipó não.
Duda: Você viu como é que é? E você já viu o que o povo faz com ela na rua? Antigamente não era assim. A maior proeza do pessoal era não deixar a vaca pegar e não deixar o pessoal que saia na vaca, pintar. Porque naquele tempo podia usar graxa, óleo queimado, tinta, batom, esmalte, pó de mico, serragem… o nego fazia, pintava e bordava de todo o jeito. E ninguém reclamava. Quem estava na calçada eles não pegavam, mas se estava na rua a turma pegava. Só que isso não tem mais. Naquele tempo também a vaca evoluía. Ia pro meio do povo. Hoje o que a gente gostaria é que deixassem a vaca evoluir de novo. Não ficassem só empurrando. Porque um entra embaixo da vaca, outro quer empurrar, outro puxar o rabo, outro passar rasteira.
Lelo: Uma vez até pegaram um repórter que veio filmar e ele caiu no chão com máquina e tudo! [risos]
Duda: Isso foi na primeira vez que a Globo veio. Era o Pedro Guidotti que tomava conta. Foi ali pra cima do Crodo. A emissora chegou e não avisou ninguém. Já tinha gente em baixo da vaca e o cinegrafista começou a filmar. E daí o cara que tava debaixo da vaca começou a fazer graça e o cara gostou, nisso a vaca foi pra cima e derrubou ele! [risos] Quebrou a câmera! E aí foram embora. O cara da vaca achou que era uma fantasia, que a câmera era de brinquedo. A gente falou depois que ele [cinegrafista] tinha que ter avisado.

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No ano passado a vaca recebeu o título de patrimônio cultural imaterial o estado de São Paulo. Acredita que isso deve influenciar na escolha dos turistas?
Duda:
Ah, com certeza, com certeza. A primeira vez que a vaca saiu [de Artur Nogueira] foi no aniversário de 450 anos de São Paulo. A gente quase ficou preso na estrada porque dois integrantes esqueceram do documento. Eu expliquei pro tenente. Disse que era a primeira vez que tínhamos saído de Artur e que o pessoal da prefeitura já havia ido na frente. Ainda falei: E a vaca ta aí embaixo! Ele ficou louco quando eu disse isso e pediu pra ver. Quando abrimos e ele viu o que era, deu risada e nos deixou ir embora [risos].

Muitas cidades da região cancelaram o carnaval. Isso deve aumentar o público?
Duda:
Acho que sim. Mas a turma fala muito, né. Enquanto estiver na rua tudo ocorre bem. Mas quando termina o carnaval devido o pessoal estar bêbado e cheirado é que começa o problema e que a polícia deve intervir.

Você fala em relação à segurança?
Duda:
Isso. Mas aqui está sendo bem organizado.

No ano passado alguns comerciantes se uniram para pedir a saída do carnaval da Fernando Arens. Como avalia o pedido?
Duda:
É uma coisa legítima. Porque a gente tem que cuidar e proteger do patrimônio da gente. Por que na hora que quebra algo ninguém paga. Nem a prefeitura. Mas se tiver o carnaval da rua, daqui, e levar pra lá, vão parar de quebrar aqui para quebrar lá.

Assim como no ano passado a previsão para o carnaval é de chuvas. Isso deve atrapalhar a festa?
Duda:
Ela quebra um pouco a alegria do povo porque esfria. No ano passado não foi uma chuva, foi um dilúvio! Tinha água aqui [e aponta para a canela]. As crianças que tocavam na vaca estavam tremendo, mas não queriam parar não. Então atrapalha sim.

E qual a idade das pessoas que tocam na bateria da vaca?
Duda: Ah, vai de dez a uns 70 anos.

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A vaca é pra todo mundo…
Duda:
Agora é! Teve um tempo que só homem podia participar. Antigamente, tanto quanto no bloco do boi, quanto no bloco da vaca era só homem que participava. Depois chegou a “turma do traveco”, depois a mulherada. E acho que assim é o mais legal. Você pode entrar de qualquer jeito, menos pelado [risos].

Era que ano quando as mulheres começaram a participar?
Duda:
Foi na década de 80.

Isso na bateria ou na rua?
Duda:
Na rua. Na bateria não deixavam ainda. Só foi entrar criança e mulher quando eu entrei. E isso há 14 anos. E o carro, esses carrinhos de água e de bebida, também foi nós que introduzimos. Além dos filhos da vaca, que existe desde 2010.

O que você mais gosta do carnaval de Artur Nogueira?
Duda:
É a vaquinha! Porque a vaquinha tem mais o jeito de como era antigamente, a vaca evolui. Já os blocos da banda louca tem muita regra. Uma vez era só música, alegria e diversão. Eu preferia do jeito antigo, que todo mundo podia participar de um jeito livre. Se fantasiava e ia. Acho que isso tira a liberdade de um folião que vem de fora de entrar no bloco, porque são organizados para um tanto de pessoas, um tanto de fantasia. Já a vaca não tem regra! Quem quiser entra.


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