21/05/2017

Jovem de Artur Nogueira conta como mudou após tragédia com carro

MAIO AMARELO: Thais Kuhl relembra acidente que quase lhe custou a vida e conta as dificuldades que enfrenta na recuperação

Alysson Huf

No final da tarde de 19 de junho de 2014, um grave acidente de carro tirou a vida de dois jovens nogueirenses e por pouco não matou outros dois. Entre os sobreviventes da tragédia estava Thais Kuhl. Com apenas 20 anos de idade e muitos sonhos a serem conquistados, ela teve todas as suas perspectivas alteradas.

Além de ficar um mês em coma induzido e sofrer diversos traumas e fraturas, a jovem teve que enfrentar a dor de perder o irmão, que estava com ela no carro no momento do acidente. Ficou seis meses imóvel na cama e enfrentou um processo de recuperação que durou anos, e que está longe de acabar.

No entanto, Thais usou sua história para alertar outras pessoas sobre os perigos de misturar trânsito com bebida alcoólica. Em 2015, participou de um fórum sobre o Maio Amarelo organizado pelo Portal Nogueirense e emocionou Artur Nogueira ao contar sua experiência em uma entrevista em vídeo.

Hoje, com 23 anos e uma nova maneira de encarar a realidade, Thais conta o que mudou em sua vida após o acidente e relata as dificuldades que enfrentou (e enfrenta) na recuperação.

Confira entrevista na íntegra:

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Quais as consequências do acidente sobre o seu corpo? Logo após o acidente, fiquei um mês em coma induzido. Eu fraturei a cervical, as vértebras C1 e C2. Tive um trauma no cérebro, um no fígado, um no pulmão e luxei o ombro direito. Consegui ganhar uma escoliose e fiquei bem tortinha. Tive que fazer uma traqueostomia, pois eu não conseguia respirar sozinha; tinha que ser respiração mecânica. Usei uma sonda para comer pelo nariz. Tive que usar um colar cervical para que os ossos da medula se colassem. Depois do primeiro mês, fui para casa. Fiquei seis meses em casa, tomando banho de leito, comendo por uma sonda, respirando pela traqueostomia, com colar cervical. Foi difícil para mim. A minha medula quase quebrou. Se eu não morresse com isso, ficaria tetraplégica. Só me mexeria do pescoço para cima. Mas minha medula foi um pouco lesionada, tanto que hoje eu tenho uma certa deficiência do lado direito. É um lado bem deficiente. Tenho dificuldade especialmente com a perna direita.

Qual a primeira coisa da qual você lembra de quando acordou? Eu lembro que já estava em casa. Minha vó tinha se mudado para lá, estava morando com a gente. Eu lembro de ver minha mãe. Eu não falava nada quando acordei, nem mexia nada. Não sentia quase nenhuma parte do corpo. A lembranças são bem vagas. Eu sabia que estava em casa, sabia quem era minha mãe e quem era minha avó, mas eu estava meio desligada, em modo off. Nessa época, eu via as coisas, mas não tinha ideia do que estava acontecendo. Estava meio avoada. É complicado de explicar. Era como se estivesse meio dopada. Muito estranho. Eu não tinha noção do que havia acontecido. Minha mãe me dizia que eu havia sofrido um acidente, mas não dizia com quem tinha sido. E fiquei uns seis meses sem saber com quem tinha sido. Eu não sabia que meu irmão tinha falecido. Porque antes ele não morava em casa, tinha se casado e morava em outro lugar. Então eu estava acostumada com ele não morar com a gente. E no começo eu não tinha me tocado da ausência dele. E minha mãe perguntava: ‘você tem certeza que não sabe com quem sofreu o acidente?’. Eu falava que não. Daí eu pensava que tinha sido com o meu namorado, Thiago, que hoje é meu ex-namorado. Mas ninguém me falava com quem realmente tinha sido.

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E como você soube da morte do seu irmão? Um dia eu perguntei para minha mãe o porquê de o meu irmão não me visitar. Ela me contou que eu havia sofrido o acidente com meu irmão e mais uma moça, e que ambos morreram. Eu fiquei muito triste, mas não conseguia chorar. Até hoje eu não consigo chorar. O trauma que eu tive na cabeça afetou um pouco as minhas emoções. Por isso, tem sido bem difícil a parte psicológica da minha recuperação. Eu raramente consigo chorar. Me dá vontade, mas não sai nenhuma lágrima. É até engraçado de ver.

E como foi o tratamento, a recuperação? Nos seis primeiros meses, eu ficava o dia inteiro na cama, não saía nunca. Eu usava um colar cervical, e, quando chegou o Natal, minha mãe perguntou ao médico se teria como eu me sentar na cama. Porque eu ficava só deitada, e minha mãe queria que eu passasse o Natal sentada. Aí o doutor falou que tinha um colar que poderia me ajudar, que é o colar somi. É um colar que vai de perto da cintura até o pescoço e que me permitiu sentar. Mas eu não conseguia parar sentada sozinha. Eu ficava na vertical, mas não conseguia me manter assim sozinha. Minha mãe tinha que me ajudar. Quando eu estava na cama, minha fisioterapeuta ia em casa de domingo a domingo. Ela me ajudou a recuperar aos poucos a sensibilidade do meu corpo. Ela passava com força uma buchinha de banho na minha perna para a sensibilidade voltar. Depois, quando eu pude ficar sentada, a sensibilidade aumentou, os movimentos foram voltando, a memória voltou um pouco. Ainda não é 100%, tanto que não lembro de nada desde o acidente até dois meses antes. Em seguida, comecei a andar com auxílio do andador. O meu intelectual começou a funcionar de novo. Foi progredindo devagar. Eu tinha acompanhamento de fisioterapeuta, fonoaudióloga e psicóloga. Um dia, a fonoaudióloga me recomendou ir ao Boldrini, pois lá tem um centro de reabilitação muito bom. Eu consegui uma vaga e fiquei lá por oito meses. Ia na segunda, na quinta e na sexta-feira. Foi lá que me recuperei bastante.

E como está a sua saúde hoje? Eu ganhei alta do Boldrini em outubro do ano passado. Daí a médica disse que, agora, tudo dependia de mim. Que se eu quisesse me recuperar mais, eu teria que correr atrás, mas que, se eu não quisesse, estava tudo bem e que eu já estava recuperada. Eu já andava sozinha com a bengala, comia sozinha, falava. Mas, para mim, isso não era suficiente. Eu quero mais. Então estou fazendo pilates duas vezes por semana e hidroginástica três vezes. Agora, eu já ando sem bengala, coisa que eu nem sonhava há três anos. Os médicos me disseram que eu ia me recuperar mesmo, mas que levaria uns nove anos até eu ficar 100%. Ah, nesse meio tempo, eu tive que colocar uma válvula na cabeça para drenar um líquido que estava se acumulando no cérebro. Daí eu raspei o cabelo, fiquei carequinha. E o dreno vai ficar para sempre no meu organismo.

E como foi a sua recuperação psicológica? O meu psicológico ficou muito abalado. Eu fui na psicóloga ontem. Ela falou que o que aconteceu comigo foi um impacto muito grande e repentino. Eu perdi tudo o que tinha e tive que começar do zero, como uma criança. Só que é muito mais difícil que uma criança. E a cada dia eu estou tentando me renovar. Agora não é mais como era antes.

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Qual foi a pior consequência do acidente para você? Foi perder o meu irmão. E ter causado uma dor muito grande à minha mãe. Imagina uma mãe que perde um filho e o outro fica no estado em que ficou. Ela quase perdeu os dois. E meu pai já faleceu num acidente de carro também, há 15 anos. Então o que mais me afetou foi a dor de perder meu irmão e a dor que causou na minha mãe. Ela teve uma força sobrenatural para aguentar como aguentou. Ela sempre me diz que aguentou aquela situação porque sabia que tinha uma filha precisando dela. Um filho se foi, mas o outro precisava muito dela. Então ela deixou de lado o luto para cuidar de mim.

E como é a sua rotina hoje? Minha rotina começa na segunda-feira de manhãzinha. Eu cuido da casa e faço almoço. Minha mãe trabalha de manhã. Daí eu cuido da casa cedo, ela vem almoçar em casa, e voltamos juntas, às 15h, para a academia, onde ela trabalha. E isso se repete toda a semana, só alternando entre pilates e hidro. É basicamente de casa para a academia e da academia para casa.

Você pretende voltar a estudar? Pouco antes do acidente, eu ia começar a estudar. Ia cursar Contabilidade, no Unasp. Daí aconteceu o que aconteceu, e minha cabeça mudou totalmente. Pretendo fazer Fisioterapia. É uma coisa que eu precisei muito e acabei amando essa profissão. E eu gostaria de começar no ano que vem, mas temos que ver como serão as coisas.

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E como foi sua mentalidade se transformou nesses últimos três anos? Então, tudo isso ainda é muito confuso para mim. Porque eu me senti muito culpada. E eu reparei muito em como os outros me olhavam. Eu fui muito julgada. A gente estava numa festa, e bebemos bebidas alcoólicas, como qualquer jovem. E na volta aconteceu o acidente. E todo mundo diz que isso aconteceu por causa da bebida. E ficaram martelando isso na minha cabeça. Não tem como não se sentir mal, culpada. E hoje eu não sei muito bem o que pensar, qual o meu lugar. Eu vejo muitas pessoas julgadoras, que só querem me julgar. E não confiam mais em mim. Esse é o maior problema. E tem outra coisa que é não me acharem capaz de fazer as coisas. Por exemplo, no Boldrini, eles ensinam um cadeirante a fazer tudo sozinho, até subir escadas. Não é porque você ficou cadeirante que você ficou inútil. Você tem uma vida normal, só que com mais dificuldades. Porque todos estão acostumados a ver um ser humano normal, mas, se veem um ser humano mancando ou amputado, não dão muita confiança para essa pessoa. E a gente quer confiança, porque somos capazes de fazer essas coisas, e fazer tudo. E isso dói muito.

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