12/06/2015

Guia da mulher cujo marido dorme no sofá

Milton L. Torres Você deve estar se perguntando: para que preciso de um guia? Eu sei muito bem como enviar um homem para o sofá; meu marido está dormindo na sala e é exatamente lá que ele deve ficar. Eu sei. Geralmente, quando o marido dorme no sofá, é porque ele merece. Não estou discutindo. […]

Milton L. Torres

Você deve estar se perguntando: para que preciso de um guia? Eu sei muito bem como enviar um homem para o sofá; meu marido está dormindo na sala e é exatamente lá que ele deve ficar. Eu sei. Geralmente, quando o marido dorme no sofá, é porque ele merece. Não estou discutindo. Eu sei que os homens têm a tendência de pisar na bola e que suas respectivas caras metades têm a tendência de, nessas circunstâncias, entornar o caldo. Por favor, não seja paranoica. Esses bem estabelecidos ditos populares podem até refletir os preconceitos nem sempre inconscientes de uma sociedade machista e androcêntrica, mas não tenho nenhuma intenção misógina. Eu realmente me preocupo é com você. Estou do seu lado. Que fiquem no sofá todos (e são muitos) os homens que merecerem estar lá! Apesar disso, eu gostaria de falar hipoteticamente agora. Entre tantos maridos que estão dormindo hoje, o dia dos namorados, no sofá, será que existe algum que está lá porque foi você que pisou na bola e foi ele que entornou o caldo? Se esse for o seu caso, é para você que estou falando.

Então, vamos ao que interessa: você provavelmente deixou de fazer algo e, agora, está colhendo as consequências desse lapso. O homem que você ama está magoado e, embora esteja à distância de alguns poucos passos, mostra-se frio e distante. Ele está lá na sala, no sofá, e você está sofrendo porque você tem a impressão de que ele tem um pouco de razão para ficar bravo. Eu quero deixar claras algumas coisas antes de continuarmos. Em primeiro lugar, os homens nunca têm toda a razão. Apesar disso, eles não se incomodam com esse fato. Se tiverem alguma razão, por pequena que seja, isso já é suficiente para que sua raiva e frustração aumentem exponencialmente e tudo vire um cavalo de batalha. Em segundo lugar, os homens raramente ficam bravos com alguma coisa que a mulher faz. Eles ficam bravos por causa das coisas que elas deixam de fazer. Assim, se você acostumou o seu marido às refeições na hora certa (e a culpa é sua por ter feito isso), o dia em que você o deixar de barriga vazia, mesmo sem razão, ele vai ficar chateado. Ele vai pensar que você não se importa, que ele não é sua prioridade e que, simplesmente, você não o ama mais. O melhor, nesses casos, é não acostumá-lo mal, pois, uma vez que você lhe tenha feito algo especial duas ou três vezes seguidas, ele passa a crer que esse é seu direito natural e sagrado, e que roubá-lo disso é crime capital.

Obviamente, ficar sem comida não vai levar todo marido para o sofá; só os mais glutões ou aqueles que já estão encasquetados com alguma outra coisa nociva que está acontecendo no relacionamento. Afinal de contas, sempre se pode improvisar um sanduíche ou fritar um ovo. Mas há certas coisas que, se você deixar de fazer, vão decididamente levá-lo para o sofá ou, no pior cenário, para lugares ainda mais distantes.    Está percebendo que você precisa deste guia? Se, de fato, você quer tirá-lo do sofá e trazê-lo de volta para a sua cama, eu digo que não se requer muito esforço. Você precisa é de método; aliás, você precisa de um sistema. Não se trata de empreender apenas uma ação isolada, mas de uma combinação de estratégias. E eu sei que você não é boa nisso. Como é que eu sei isso? Se você fosse boa de tática, seu marido não seria um dos poucos homens do mundo a estar dormindo, por opção, no sofá da sala no dia dos namorados.

Como disse antes, não são as ações isoladas que vão salvar o seu dia dos namorados. Garanto que nem presente você ganhou! Você precisa orquestrar essas ações. Roupa sensual ajuda, perfume ajuda, fala carinhosa, gestos carinhosos, olhares e sorrisos, tudo ajuda. Humildade ajuda! Não vou ensinar o vigário a rezar. Mas tudo isso precisa acontecer em simultaneidade e não pode faltar o ingrediente principal: insistência. Você nem devia tê-lo deixado se acostumar ao sofá. Brigas com o marido devem ser resolvidas no mesmo dia ou, no máximo, no dia seguinte. Cada minuto conta contra você. A cabeça masculina é hipocondríaca para assuntos do coração. Se você deixar as engrenagens ficarem girando naquele miolo mole, eu garanto a você que o resultado não será nada agradável. Se você pensa que o desejo aumenta com o tempo, isso só é verdade para a primeira ou, no máximo, segunda semana. Depois disso, o que aumenta é a raiva. Cada dia sozinho vai trazendo mais raiva e ressentimento. No final, a raiva é tão grande que nem um guindaste consegue removê-la. Então, já sabe, da próxima vez, não deixe a raiva juntar.

Então, o que você precisa é de insistência. Homem sabe disso. Quando eu piso na bola e, por minha própria incompetência, acabo no sofá, perco completamente qualquer resíduo de brio que eu já tenha tido e viro um capacho no qual ela possa limpar o pé. E não saio dali. Faça chuva ou faça sol, eu viro um cão de guarda. Fico debaixo da mesa, esperando alguma sobra. Quando percebo uma deixa, mais do que depressa, me apresento para ser o herói do dia e salvar o que quer que seja que ela tenha perdido. As mulheres não têm essa propensão canina para a humilhação pública. Em vez de darem a cara a tapa, elas ficam se resguardando. Aí, a reconciliação fica muito mais difícil. Portanto, seja insistente e simplesmente dê a cara a tapa. Uma vez, duas vezes, dez vezes, tantas vezes quantas forem necessárias. Enquanto você faz isso, revele a grande paixão que faz você perder as forças e se sujeitar a essa bajulação servil e ultrajante. Mostre sua disposição de desejar sem reservas e se entregar a esse desejo.

Além disso, não tente ter razão. Numa briga, ninguém está interessado em saber, de fato, quem tem razão, pois todo mundo já sabe que a razão é sua. Nunca vi um arranca-rabo entre marido e mulher em que os dois fiquem dizendo: – Você tem razão. A briga existe justamente porque ambos acham que, contra todos os esforços do outro para provar o contrário, a gente é que tem razão. Seja metida e esnobe, mas não seja burra. Não fique se justificando, nem ponha a culpa nele. Ponha o foco da conversa na falta que um sente do outro. Deixe para falar de razão quando for ele que tiver magoado você. Na sua situação atual, não é importante saber quem tem razão. Isso pode se tornar importante depois que se reconciliarem. Mas não agora. O importante, neste momento, é que ele entenda que você está arrasada porque estão separados e que você está disposta a todo sacrifício para voltarem a ficar juntos. E, mais importante ainda, fique dizendo o tempo todo como ele é sensual e atraente. E você conhece palavras mais apropriadas do que estas. Prometa-lhe uma vida de bacanais, o céu na terra, um lugar especial no harém dessa odalisca devota e cheia de amor.

Finalmente, nada de chiliques e dramas emocionais. Homem só tolera faniquito quando está determinado, além de qualquer dúvida, que ele pisou mesmo na bola. Do contrário, nada de drama. Além disso, a não ser que você seja uma baita atriz, você não quer drama; você quer solução. Arte, para você, só serve se for na cama! Pode ser que ele nem queira tocar em você hoje. Isso vai depender do estrago que sua omissão provocou no relacionamento, pois é assim que ele entende o que aconteceu, o processo que o levou até aquele sofá duro e desconfortável. No entanto, se ele pelo menos voltar para sua cama, você terá mais chances de lhe dar o remédio que vai sarar essas feridas. Por isso, seja sem-vergonha! Isso não é hora de melindre nem pudor. Coloque a sua timidez de lado e mãos à obra. Esse homem não se casou com você por acaso. Dentro daquele coração frio e machucado ainda há um resto frágil de batimento, uma palpitação clandestina que lateja toda vez que sente o seu cheiro ou toca na sua carne. Boca a boca, você pode lhe devolver o hálito.  Corpo com corpo, você pode produzir calor e claridade. Mas eu aviso: se você deixar isso acontecer de novo, não me venha mais pedir conselhos…

Milton L. Torres

Coordenador de Letras/Tradutor & Intérprete (UNASP)

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