04/01/2015

Falta de apoio dificulta trabalho dos protetores de animais em Artur Nogueira

Criada há três anos, trabalho da RPAA continua limitado a castrações e adoções

Por Isadora Stentzler

Sento-me com sete pessoas em um café de Artur Nogueira. Não é uma conversa de bar ou uma confraternização de fim de expediente. Até porque, para estes sete, o expediente começa depois das 18 horas. São professores, donas de casa, sociólogos, mas acima disso, identificam-se como protetores dos animais, voluntários da Rede de Proteção Animal e Ambiental (RPAA), criada há três anos no município. É por isso que a pergunta “O que o animal representa para você?”, não é respondida de forma superficial. É pensada e sai em som de poesia. “Acho que isso tem a ver com amor. E quando se ama você não olha se é pessoa ou se é animal. Você só ajuda”, confidencia-me uma protetora.

Ela se chama Regina Cheidas. Tem cabelos curtos e usa óculos. Quando fala, tem um tom sério, profundo, e seleciona as palavras sem gaguejar. É dona de casa e joga baixo ao dizer que gasta mais de R$ 800 por mês com os 26 peludinhos – como ela e a amiga Liana Maia, também protetora, chamam os cães que resgatam.

A RPAA surgiu em 2012 e hoje tem 12 pessoas na diretoria do grupo. São todos voluntários que se uniram para ajudar os animais abandonados, visto que Artur Nogueira tem uma grande população de cães e gatos de rua. Para auxiliá-los o grupo, que se uniu devido ao afinco pelos bichos, buscou se organizar legalmente como uma ONG para então tentar, via poder público, medidas maiores que atendessem a demanda do problema local.

Foram alguns meses até que o grupo conseguisse se organizar.  Primeiro, de uma forma interna, depois, externa, através de ações.

Mesmo assim, o trabalho da ONG é além do que realizam como grupo. Pois parte de paixões individuais.

Liana e Regina, por exemplo gostam de trabalhar juntas. Ocupam à tardes com idas e vindas. Resgates e atendimentos. “Mas hoje [era dia 9 de dezembro] era 7h30 e eu já estava na rua”, conta Liana. A dona de casa saiu para atender um chamado de uma cadela pit bull que havia sido encontrada à beira da estrada.  Tudo indica que ela era usada como iscas em rinha de cães. “Ela estava com o olho esquerdo machucado, sem dentes, e toda, toda machucada. Tenho certeza que era usada para servir de iscas em rinhas. Como ela é dócil e não ataca se torna uma presa fácil, o que atiça os cães que são treinados para isso.” A cadela foi chamada de Lica e, segundo Liana, apesar de machucada, ela não agiu com agressividade ao ser resgatada.

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O trabalho desempenhado por Liana e Regina é independente da ONG. Segundo contam, há outras pessoas na cidade que protagonizam ações semelhantes, porém não são associadas, fazendo apenas ações protetivas individuais em favor dos bichos. Como por exemplo aquelas que colocam ração e água nas portas de suas casas, ou que resgatam animais e os adotam para si, arcando com a responsabilidade do cuidado.

Embora essas atitudes isoladas também são positivas, o voluntário Carlos Carressato aponta que ela é uma via de mão dupla. “Quando você não está associado à ONG e é apenas um protetor individual, você não lida com o compromisso de ajudar sempre”, aponta. “E o problema disso é que quando não se está afim, não se faz nada. E o pior: quando adoece, como ficam os cuidados? Agora, quando você está na ONG você carrega um nome, uma função, e é reconhecido por ela. Então precisa de fato estar disposto a ajudar e atender um chamado quando pode e quando não pode.”

Devido ao trabalho que realiza e a situação financeira mais favorável, Liana já foi chamada ironicamente de ‘Madame brincando de protetora dos animais’. O que há faz rir. “Minha rotina é louca, mas eu amo. Porque trabalhar com os animais me deixou mais humana, mais sensata. Acho que sou a pessoa mais feliz que possa existir.”

Liana tem em casa 17 cães, cada um com uma história de resgate e de recuperação. Mas as que arrancam lágrimas da dona de casa são a daqueles que não puderam ser salvos. “Eu não entendo o que algumas pessoas tem na cabeça. Na semana passada fui chamada para um resgate. Quando cheguei a cadela estava deitada no chão, apodrecendo, morrendo aos poucos”, e chora. “É muito triste.” Na rede social Liana publicou o relato deste resgate que a emocionou:

“A Guarda Municipal de Artur Nogueira foi verificar uma denúncia de maus tratos à uma cachorrinha. Chegando no local, ela ligou pedindo ajuda pra RPAA pois era um caso delicado. [Ao chegarmos no local] foi esta a cena que nós o encontramos: o animal [estava] paralisado, fedia muito, pois a parte de baixo do seu pescoço estava apodrecido. Talvez por estar nesta posição há muito tempo. Tinha tantos carrapatos que era impossível de ser contado. Levantamos o seu bracinho e tinha formiga comendo a pobrezinha viva. Quando tocamos nela verificamos que já estava ficando gelada, mas assim mesmo, quando falei com ela que iria tirá-la dali, que nós iríamos ajudá-la, ela fez um pequeno movimento com a cabeça, olhou pra mim e pra veterinária, e gente, eu juro, não foi impressão minha, nem coisa da minha cabeça, uma lágrima caiu do seu olhinho já quase sem vida. Uma vizinha nos deu uma colcha para que eu pudesse colocá-la no carro e ir até a clínica, mas infelizmente, esta menina não aguentou, virou uma estrelinha, chegou morta na clínica.”

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Além das situações de abandono, outros casos que os protetores precisam ficar expostos são os de matriz reprodutora, quando uma fêmea é colocada para reprodução em todos os ciclos de cios a fim de reproduzir raças puras. Sobretudo de poodles. “Tem gente que quer o animal bonitinho em casa, acha fofinho o filhotinho. Mas para quê?”, questiona Liana. “Pois o cachorrinho pequeno vai fazer um cocozão [sic] depois. Vai fazer um xixizão depois. E aí para muitos é nessa hora que ele deixa de ser fofinho e é desovado. Mas vai ver a matriz…”

Embora que os casos sejam denunciados à RPAA, o trabalho dos voluntários continua limitado. Isso porque eles não são autoridades, apenas um grupo não governamental que só há um ano e meio passou a receber uma verba da Prefeitura com a qual consegue diminuir o custo das castrações. Fora isso, o trabalho de punir, alertar, ou mesmo tomar um animal em situação de maus tratos de alguém, não cabe aos voluntários.

A situação seria reversa se a cidade possuísse um conselho municipal de proteção animal, o que ainda não existe.

“A sociedade ainda não entendeu que o cuidado com os animais é algo que beneficia a todos. Porque no momento que tiver um surto de zoonose a culpa será de quem? É por isso que se precisa de um trabalho preventivo”, pontua o voluntário Nivaldo Lima.

Devido à falta de recursos e apoio, o trabalho da RPAA se limita às castrações que foram barateadas a R$ 60 nos casos de animais cujos donos tenham carência. Fora da ONG, por exemplo, o custo pode ultrapassar a R$ 300, dependendo do tamanho do animal. Hoje a ONG já tem 80 animais na espera para fazer a cirurgia. Além disso os voluntários trabalham na feira de adoção da RPAA que acontece junto da Feira Livre, aos domingos, das 8 às 12h30.  Segundo Liana, a cada feira são adotados em média cerca de 10 animais, em um ano o número ultrapassa 500.

Já os resgates não competem a ONG, mas sim aos protetores individuais que tomam essa inciativa.

Críticas

Apesar do trabalho, os voluntários ainda lidam com comentários que desmerecem a ação. O mais comum é: “Com tanta gente precisando de ajuda por que é que vocês ajudam animais?”. Mas a resposta é à altura da ignorância. “Pessoas que falam assim não são capazes de lidar com as próprias crianças, e dizem isso para tapar uma frustração pessoal”, esclarece Regina.

Isso porque ser um protetor dos animais para eles é algo que corre nas veias e se mistura com paixão.  Como frisa Carlos: “Animal tem sentimento, pensa… só não fala. Por isso precisa de uma voz que fale por eles. E a única coisa que nos difere deles é a pata. A nossa é desenvolvida. E por isso conseguimos aprender a fazer as coisas mediante o tato. Eles não, então precisam ser respeitados.”

Filantrópico

Nenhum dos voluntários da RPAA recebe pelo trabalho que faz. O próprio dinheiro das castrações é direcionado aos veterinários que fazem a cirurgia, por isso a ONG não conta com caixa. Hoje eles precisam de rações, potes, e sobretudo de pessoas dispostas a adotarem e a se unirem na causa de proteção animal.

Veja abaixo alguns animais que estão para adoção na RPAA


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