18/07/2015

ENTREVISTA: Raoni Zopolato

Ativista e idealizador do Encontro LGBT de Artur Nogueira fala sobre o evento, ataca a homofobia e pontua as vitórias das trans

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“Este encontro mostra que a diversidade está presente em Artur Nogueira” (Raoni Zopolato)

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Isadora Stentzler

No domingo (19) acontece o 4º Encontro LGBT de Artur Nogueira. Raoni Padilha Zopolato está de novo na organização desse evento que a cada ano reúne mais pessoas no município. Diferente das outras edições, amanhã a festa será no Balneário Municipal Guilherme Carlini com o tema Eu decidi amar você.  “O Encontro é a festividade da diversidade, é o marco que mostra que a diversidade está presente aqui em Artur Nogueira”, explica.

Ácido, Raoni não comenta sobre as polêmicas envolvendo o deputado Marcos Feliciano e a recente assembleia com ‘ex-gays’. “Ele não merece que eu gaste meu intelecto para debater as incandesces que ele fala”, dispara e enfatiza sobre o preconceito: “eu atribuo isto a uma força golpista, que se denomina cristã, mas que para mim não passa de pessoas oportunistas, extremamente ignorantes, contra os gays”.

Nesta entrevista Raoni explica detalhes sobre o evento e também comenta sobre os avatares coloridos nas redes sociais em apoio ao casamento homoafetivo nos Estados Unidos, os ataques à trans crucificada na parada LGBT de São Paulo, e a questão de gênero retirada do Plano Municipal de Educação.

Por que realizar um encontro LGBT em Artur Nogueira? O que te motiva a continuar? Toda luta tem um começo. E não importa o local, é importante que existam pessoas formadoras de opinião e dispostas a trocar experiências e o aprendizado adquirido com outras pessoas. Nós buscamos o respeito, o direito à igualdade que nos é negado. Então Artur Nogueira foi escolhida por eu morar aqui e eu ter encontrado aqui a porta e pessoas com perspectivas semelhantes para a idealização de um projeto – que está se tornando história –  que quer passar a filosofia genuína de amar uns aos outros como a si mesmos, a preocupação de o que ou quem as pessoas são. Como sempre digo, o encontro é a festividade da diversidade, é o marco que mostra que a diversidade está presente aqui em Artur Nogueira. Durante todo ano é realizado um trabalho de auxilio psicológico a várias pessoas, não só do município como da região. Saber que eu posso de alguma forma ajudar alguém me motiva a continuar, e por que não festejar as vitórias que temos diante de tantas batalhas? Nenhuma batalha é feita e vencida somente nos grandes centros, quanto mais pessoas unidas por uma causa, com um objetivo, maior a probabilidade de que se alcance o que se almeja.

Qual o tema e atrações do encontro deste ano? O tema este ano é ‘Eu decidi amar você’. Na verdade é uma ‘filosofia’ de vida que a Léo Áquilla leva, que nada mais é que respeitar e amar as pessoas. Pela religião que sigo, por minhas crenças particulares, não caberia outro tema que não fosse amor. O amor gera tudo. Se você ama sua profissão você tem maiores chances de obter sucesso. A tudo em que você coloca amor é mais prazeroso e gera respeito. Nós temos muitas novidades este ano. A mudança de local do evento, a mistura de gêneros musicais das atrações, que este ano estão voltadas para todos os gostos, com muita musicalidade. Pode se considerar um festival de música, pois temos sete bandas, cada uma com um estilo singular e específico – fora as performances de Dragqueens, performance circense e as exposições.

No início o encontro acontecia nos finais de semana e incluía palestras. Como no ano passado, o evento deste ano será em apenas um dia com mais shows. Isso é para seguir a linha de encontros como os que ocorrem em São Paulo e no Rio de Janeiro? De forma alguma. Colocar as atrações todas em um único dia reduz os custos do evento. Trazer pessoas famosas na mídia não significa comercializar o evento, pois todos os convidados são militantes, tem suas histórias na luta pelos direitos da Comunidade LGBT. Já a questão das palestras, a informação vem de muitas formas, e uma das formas que eu uso para transmitir conhecimento são através das minhas colunas nos jornais, minha página pessoal do Facebook, bate papos, fazendo com que estas palestras durem o ano todo, não só um dia, uma hora. É mais importante que determinados assuntos sejam debatidos com maior frequência. E no dia do encontro tentamos transmitir o maior número de informações possíveis.

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Por que o encontro será realizado no Balneário Municipal e não no centro, como em anos anteriores? Foi um pedido da Prefeitura. Não posso confirmar nada, mesmo porque não são informações oficiais, existe um boato, vamos assim dizer, que todos os eventos realizados na Avenida agora serão realizados no Balneário Municipal, e particularmente eu concordo, acho que tem de certa forma uma privacidade maior, não gera incomodo a vizinhos e comerciantes. É [o Balneário] um espaço não muito utilizado e que tem muito potencial para abrigar vários tipos de festividades.

No ano passado quando encerrou o encontro um rapaz foi vítima de homofobia. Foi um caso pontual, mas de que forma ele apresenta as agressões a que as pessoas estão expostas? Eu não posso considerar cristã uma pessoa que incita o ódio. Eu tenho contato com diversas pessoas e um cristão de verdade não julga, mas respeita. O que vivemos hoje é uma guerra religiosa e uma incoerência nos valores éticos e morais, aonde certas coisas absurdas são passadas despercebidas, enquanto coisas naturais são apontadas. Chegamos a um ponto em que não só a Comunidade LGBT é agredida, mas também pessoas que seguem outras religiões, e por aí vai. Parece que houve um retrocesso e que as pessoas tentam tampar o sol com a peneira. Negros continuam sofrendo preconceito, mulheres continuam sendo submissas e tendo menos valor do que os homens. Mudanças tem que ser feitas e cada grupo encontra uma forma de buscar as mudanças almejadas, porém juntos somos mais fortes.

A homofobia e a transfobia nem sempre acontecem em forma de agressão física. Que outras formas de preconceitos a comunidade LGBT enfrenta? Ela aparece na forma de comentários infelizes, piadas de mau gosto, do impedimento de um transexual usar o banheiro que lhe cabe usar, uma transexual sendo dirigida verbalmente no gênero masculino, desrespeitando o nome que esta pessoa escolheu. Nas cantadas baratas e sempre indecentes, geralmente vinda de pessoas casadas. Aquela coisa de você estar andando pela rua, cuidando da sua vida e um cara vira e fala alguma indecência. A mania de achar que gays são promíscuos, drogados, quando na verdade a propensão ao uso de drogas e a banalidade que se tornou o sexo é vista e comprovada de forma igual, numericamente falando, seja ela entre heteros, gays… é tudo a mesma coisa. São dados preocupantes, independente da sexualidade são jovens que estão estragando suas vidas, se expondo a riscos.

Há algumas semanas os Estados Unidos aprovaram o casamento homossexual. Nas redes sociais bandeiras do movimento LGBT foram colocadas nos avatares de perfil em apoio à causa. Agora grupos têm trocado as fotos por avatares com filtros nas cores da bandeira trans. Diferente da primeira ação, em que houve uma grande mobilização, a segunda não teve. Essa falta de adesão demonstra que os direitos das trans ainda estão longe de serem alcançados e apoiados? Sim, infelizmente. Eu não possuo nenhum tipo de preconceito, já tive, eu estudei muito, pesquisei muito, conversei com muitas pessoas transexuais para entender um pouco o que é a vida de um transexual, como funciona a mente, e lógico que me pasmei, igual à de qualquer outra pessoa. Mas este preconceito existe entre os próprios gays, por isto a importância de o acesso a informação ser generalizado. Grande parte dos gays tende a colocar transexuais em outra categoria, quando na verdade fazemos todos parte da mesma.

No Brasil a união estável entre casais homoafetivos existe desde 2011 e a união civil desde 2013. Este ano o STF também garantiu a esses pares a adoção de crianças. Apesar das vitórias que a comunidade LGBT tem ganhado na política ainda falta muito para que a sociedade a aceite. Ao que você credita esta dificuldade de conscientização das pessoas sobre o tema? Não quero repetir discurso, mas eu atribuo isto a uma força golpista, que se denomina cristã, mas que para mim não passa de pessoas oportunistas, extremamente ignorantes, contra os gays. Este grupo ataca com maior ódio, mas atacam outros grupos, outros comportamentos, e a resposta a eles vem dos nossos queridos e cultos artistas, como Fernanda Montenegro, Daniela Mercury, Marilia Gabriela, Jô Soares, entre muitos outros.

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Ainda são poucas as trans e travestis no mundo da moda e estrelato. Mesmo assim a série americana Orange Is The New Black revelou a atriz Laverne Cox que tem sido muito pontual sobre o assunto. Como fazer para que trans e travestis sejam cada vez mais inseridas nesses espaços? Certo tempo atrás fui a um bar e vi que uma trans era garçonete, fiquei muito feliz ao ver esta cena. Faço parte de um grupo direcionado à transexuais, e esta realidade tem mudado. As empresas hoje enxergam o caráter e a capacidade das pessoas, não sua sexualidade ou gênero, estas mesmas empresas incentivam a contratação de trans e dão todo suporte necessário. Eu acredito que seja por aí. Enxergar os seres humanos sem sexo, analisa-los pelo caráter. Posso parecer um pouco arrogante, porém, e felizmente, as pessoas mais evoluídas trabalham com todos os tipos de pessoas. E também existem diversos filmes com ótimos atores transexuais, temos transexuais modelos lindíssimas, acredito que são pessoas iluminadas que enxergam o talento, a alma das pessoas.

Na parada LGBT de São Paulo uma transexual fez uma performance crucificada, o que gerou alvoroço nas redes sociais quando grupos categorizaram a ação como uma zombaria aos cristãos. Mas segundo a própria trans o intuito era mostrar o quanto LGBTs ainda são martirizados hoje. Segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB) só em 2013 foram contabilizados 312 assassinatos, mortes e suicídios de gays, travestis, lésbicas e transexuais brasileiros vítimas de homofobia e transfobia. Por que uma travesti crucificada causa mais alvoroço do que esses números? Um membro da Comunidade LGBT é morto a cada 24 horas e estes crimes são atribuídos a crime de ódio. Esta é uma pergunta de reflexão para todos. Não existe a necessidade de uma resposta. Quando o Bolsonaro abre a boca, ou um Feliciano da vida, ele diz ‘odeie os gays’, e os crimes, direta ou indiretamente ligados aos discursos de seres como estes, acontecem. E são estes os mesmos que causaram o alvoroço quanto a crucificação simbólica, e bem aí está a incoerência. A cruz é uma referência pontual do catolicismo, a mesma religião que tem suas imagens de santos quebradas pelos mesmos seguidores que matam e criticam os gays.

Criticar mais a travesti e se calar diante desses assassinatos podem revelar o que sobre nossa sociedade? Que a sociedade é hipócrita, demagoga, não é modinha ser amigo de gay, ter uma amiga travesti, se trata de uma vida, de uma pessoa com família, que tem sentimentos. Criticar a travesti para mim parece que as pessoas estão pouco se importando com a vida dela, que morta ou viva não faz diferença, criticar ela pela apologia que ela fez mostra que parte da sociedade não aprendeu o principal mandamento, o amor.

Os planos municipais escolares foram votados no último mês em todo país. Em Artur Nogueira grupos pediram que fosse retirado do texto o termo ‘gênero’ porque, segundo eles, abriria margem para o ensino de ‘identidade de gênero’. Gostaria que definisse identidade de gênero e depois explicasse o porquê acha que esses grupos foram contra ao tema estar na pauta. A falta de informação foi o principal fator para este veto. Entraria no plano de ensino algo que seria muito bem elaborado, que provavelmente só seria inserido no Ensino Médio, que geraria certa cura para o preconceito. Identidade de gênero nada mais é que o gênero que a pessoa se identifica e que quer ser tratada como, homem ou mulher. Existem mulheres que nascem com a identidade masculina e homens que nascem com a feminina, que seriam os transexuais. Como não foi retirado da pauta somente o termo gênero, eu diria que os educadores que foram contra são extremamente preconceituosos, serei petulante e direi que são ignorantes e precisam pesquisar e estudar mais. Acrescentaria ainda que o Brasil é um estado Laico. É sim função de um educador preparar uma criança para a vida, para o mundo da forma que ele é, e melhorando o conhecimento desta criança, um mundo melhor surge, mesmo que aos poucos.

O direito de usar o nome social é um dos passos que reforça a visibilidade trans. Mas o uso de banheiros ainda é um tabu e aceito em poucos lugares. O que falta para esse direito ser alcançado e quais os problemas apontados por quem é contra? Eu sou transexual, eu sou ou me sinto uma mulher, automaticamente eu não sinto atração sexual por mulheres, pouco me importa se outras mulheres estão no banheiro, pois são iguais a mim. É constrangedor eu, mulher, entrar em um banheiro masculino, por razões mais que óbvias. Outros banheiros públicos possuem cubículos, quando vou ao banheiro não fico de olho no que o amiguinho ao lado está fazendo. É simples, esta é uma equação que já vem resolvida.

O deputado Marco Feliciano realizou na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados uma audiência pública com ‘ex-gays’, em que pastores contaram suas experiências de como deixaram a homossexualidade. Como avalia a atitude do deputado que já tem grandes polêmicas com a comunidade LGBT? Ele não merece que eu gaste meu intelecto para debater as incandesces que ele fala. O ex-gay que ele mostra hoje, foi ex gay há dois anos atrás, e hoje é gay novamente, não se vai contra a natureza.

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Muitas comunidades cristãs não conseguem se aproximar de grupos LGBTs. O que causa esse distanciamento do homossexual com o religioso e do religioso com o homossexual? Creio que isto seja mito, existem gays de diversas religiões, que frequentam igrejas, cultos, tudo depende da forma que a religião é conduzida, que o respeito é ensinado pelo coordenador de determinado local, de onde cada pessoa se sinta bem. Religião não é algo que se impõe, cada um tem a sua, mas no final das contas todos os caminhos levam a Deus. A diferença que eu vejo é só que nós, gays religiosos, oferecemos mais amor e fazemos dele a nossa arma.

Grupos já se manifestaram nas redes sociais com iniciativas para criar o dia do orgulho hetero. Por que um dia do orgulho hetero seria diferente de um dia do orgulho LGBT? Todos os dias são dias de heteros. Heteros podem casar em qualquer igreja, heteros podem frequentar qualquer lugar sem medo de ser morto por ser o que é. Existem datas para marcar ou celebrar coisas que são relevantes, cujos direitos não existem ou não existiam, seria a mesma coisa eu perguntar por que não criar o dia da consciência branca, japonesa e por aí vai.


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