15/11/2014

ENTREVISTA: Junior Veículos relembra história de superação

Conheça a história do homem que saiu da Bahia para cortar cana em Artur Nogueira e se tornou um dos empresários mais bem sucedidos do município

capa3“Vendi meus dois bois, peguei meus trocados e vim para Artur Nogueira”

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Por Isadora Stentzler

Hoje ele pode fazer o que não podia há 39 anos. Tem frotas de carros e não mais dois bois. Tem uma grande casa e não uma humilde repartição. Tem recursos. É dono de uma loja de veículos e de um Auto Posto de Combustíveis. Mesmo assim é visto como há 39 anos: derramando gotas de suor para manter o que tem, mesmo que seja colocando combustível nos carros, apesar de ser o dono de um posto de gasolina. Esse homem é Domingos Bento da Paixão Filho, o Junior Veículos, um migrante baiano que encontrou em Artur Nogueira uma chance para crescer.

Ele veio ao estúdio do Portal Nogueirense. Chegou cedo “porque não gosta de atrasos” e falou das próximas viagens que fará a Las Vegas, enquanto seu celular não parava de tocar. Visivelmente é alguém que está bem. Vestia uma camisa social, sapatos e deu um toque de gel nos cabelos. Não que isso fosse algo peculiar, mas é que Junior presta muita atenção na organização. “Gosto das coisas limpas e bem arrumadas, aprendi a ser assim.” Mas não é das coisas que ele tem hoje que ele mais fala. Sua conversa girou em torno do passado, e com muitos sorrisos, caras e bocas, contou da luta de um homem simples, que permaneceu simples mesmo se tornando um dos maiores empresários de Artur Nogueira com um diploma da 4ª série.

Há 39 anos Junior tinha sete anos, idade com a qual começou a ajudar o pai Domingos, de quem herdou o nome e o jeito de ser. Na casa que ficava no interior de Jequié, há 360 quilômetros de Salvador, na Bahia, viviam 15 pessoas: o pai Domingos Bento da Paixão, a mãe Maria Lucia Santos Geraldi e treze filhos (três meninos e 10 meninas). Dos meninos, Junior foi o primogênito, por isso acredita que o pai tinha um carinho maior. “Ele queria que eu o acompanhasse em todos os lugares que ele ia, acho que isso acontecia porque ele esperou muito ter um filho homem e eu fui o primeiro”, lembra Junior.

A família tinha uma plantação de cacau, porém estava longe de lograr muitos hectares de cacaueiros. Por isso seu Domingos e os filhos trabalhavam o quanto podiam nas próprias terras e logo partiam para as plantações dos vizinhos oferecer serviço. Podia ser a plantação e o trabalho que fosse, nenhum deles fugia do encargo. E Junior, desde muito novo, acompanha o pai nos afazeres e via a força do patriarca em não permitir que faltasse algo em casa. “A gente era simples, humilde, mas nunca passamos fome”. Ao crescer, logo aos 13 anos, Junior já era o braço direito de Domingos.

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A rotina era acordar às 6 horas, ir para a plantação, almoçar, trabalhar e voltar para casa. Coisa que mudou conforme os estudos avançaram. Como os irmãos eram muitos, eles eram divididos em dois grupos: parte estudava de manhã e trabalhava à tarde, e parte trabalhava de manhã e estudava à tarde. O grupo que ia para a aula cedo, chegava em casa ao meio-dia, alimentava-se, pegava comida e levava para Domingos no cacaueiro, e então ficava com ele até o pôr-do-sol. Muitas vezes Junior esteve nesse grupo.

Mas além do trabalho de segunda à sexta-feira, os finais de semana também eram de serviço. “Todo sábado tinha feira, então meu pai juntava muitas coisas e levava para lá. Eu sempre ajudava, o acompanhava em tudo, mas via que podia fazer algo a mais também, por isso comecei a plantar verduras com minha irmã”, conta Junior. Apesar de receber um salário pelo seu serviço semanal, Junior queria mais. Não para esbanjar, mas para guardar e ter as próprias economias. Sabia desde cedo a importância dos vinténs – uma coisa também, que aprendeu com o pai. “De todo o dinheiro que eu ganhava eu precisava prestar contas ao meu pai. Falar o quanto tinha gastado e no que tinha gastado. Se meu pai tivesse deixado, é claro que eu teria gastado com porcarias, mas meu pai tinha um pulso bem firme e falava que certas coisas ele não toleraria de mim.” A fim de garantir um dinheiro extra, Junior e uma irmã passaram a plantar verduras e a vender na feira. Naquele tempo, por volta de 1982, o dinheiro era pouco, mas ao menos Junior sabia que era fruto do seu trabalho honesto.

Além disso, todo final de ano Junior se preparava para vender relógios, rádios e outras peças usadas na feira de Jequié. Ele era um pequeno visionário, porque calculava o tempo em que chegaria o décimo terceiro salário dos jequieenses, que permitiria a eles gastarem com algo a mais. “Eu passava o ano comprando coisas. Naquele tempo nada era roubado, a gente podia confiar. Então eu comprava algumas coisas e quando chegava o natal vendia, isso também me ajudava a ter um dinheiro a mais. E eu gostava de vender, ficava feliz com aquilo.”

Junior era um adolescente cheio de ideias e planos. Não ficava parado e também não se contentava com cada vitória. Sempre queria mais. Não para acumular dinheiro, mas para ter uma vida melhor. Logo cedo colocou na cabeça que não queria ser empregado a vida toda e que um dia seria o “patrão”, mas um patrão bom, e prometeu para si nunca deixar de lado os valores ensinados na família.

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Logo aos 17 anos, com até a quarta série concluída, Junior já tinha dois bois, uma bicicleta e algumas economias. Sendo que naquela época cada boi custaria hoje o equivalente a R$ 600. Foi quando uma irmã que há algum tempo viera para São Paulo lhe fez o convite para morar com ela no Sudeste do país. “Eu viria para cortar cana, falei que preferia esse serviço porque era mais braçal e eu tinha habilidade em movimentar-me. Então vendi meus bois, peguei meus trocados e vim para Artur Nogueira.”

Junior saiu de Jequié para uma nova vida com o dinheiro dos dois bois e três mudas de roupa. O que já era muito para quem não possuía quase nada.

Nova vida

Mas o emprego de cortador de cana nem chegou a ser ocupado. Na primeira semana em Artur Nogueira Junior foi chamado para trabalhar no Cerealista RC, como carregador de sementes. Se fosse hoje, o salário ficava em média de R$ 1.200, conforme estima Junior que não lembra a exatidão dos cifrões. E além do salário do RC, passou a ganhar um extra por trabalhar com carregamento de frete. Um serviço feito nas horas opostas a do emprego.

“Eu vi que isso poderia me dar lucro então resolvi o seguinte: comecei a guardar todo o dinheiro do meu salário e viver só com o que eu ganhava com os fretes. Claro que era bem menos, mas eu tinha um foco. E na vida é assim, né, se você tem um foco, você precisa traçar um plano para alcançá-lo, senão não conseguirá chegar nele.”

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E foi o que fez. Mas Junior destacou-se em todas as funções que desempenhava. Por ser um homem responsável, nunca devia uma hora de trabalho mal feita ou deixava passar algum erro. Era até perfeccionista demais. Detalhista demais. O que trouxe honras a ele, que logo subiu de cargo.

Em um ano de trabalho, Junior já tinha um bom dinheiro guardado, com o qual fez uma aquisição que mais tarde se tornaria o trabalho do dia a dia: comprou um fusca vermelho. O veículo estava sem assoalho, então foi concertado por Junior que arrumou todo o carro. E arrumou para vender.

“Coloquei madeira em baixo e deixei tudo novinho. Então vendi. Mas falei para a pessoa: ‘olha, eu comprei o carro assim e assim e fiz isso’. Sempre fui muito transparente no que fiz.”

Do Fusca comprou uma Belina, e da Belina não parou. “Passei muitas noites em claro, trabalhava muito, é que eu realmente vestia a camisa do que fazia, e foi isso que me fez ir adiante.”

Mas Junior não estava completo. Trabalhou dois anos e meio no Cerealista, já era supervisor e tinha um salário melhor. Até então nunca havia pedido férias, mas naquele ano, em 1986, resolveu se afastar um mês do serviço. Porém, não foi um mês tirado para descanso, ele queria trabalhar em um posto de gasolina.

Naquele mês Junior foi o frentista mais ágil do Auto Posto Shell, o que levou ele a ser chamado para trabalhar lá. Por fim, as férias foram a carta de demissão de Junior do RC, que passou a abastecer carros em Artur Nogueira.

Nas horas vagas a isso, continuava vendendo veículos. Para conciliar o tempo ele fazia da seguinte forma: deixava um carro estacionado com uma placa próximo ao posto e quando se interessavam dizia para o procurarem depois das 20 horas, quando ele estaria disponível para conversar sobre a venda.

Mas um dos grandes divisores de água na vida de Junior foi quando encontrou um pacote com cerca de 20 mil dólares.

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Os dólares perdidos

Eram muitas funções que Junior desempenhava no posto. Uma delas era buscar os carros e também lavá-los. Pela eficiência, Junior era cotado por alguns clientes, que só confiavam nele para deixar o carro. Uma dessas pessoas era o dono da empresa Kiki de Artur Nogueira.

Semanalmente era função de Junior buscar o carro, limpá-lo, abastece-lo e devolver ao dono, que já era amigo do frentista. Mas um dia o empresário confidenciou a Junior que havia perdido um pacote com cerca de 20 mil dólares e que estava muito preocupado. “Quando ele me falou isso, eu procurei no carro para ver se ele não tinha deixado em algum lugar escondido, mas não encontrei. Fiquei triste por ele.” Um mês depois disso, porém, Junior fazia a mesma função de sempre: limpava o carro para o abastecer e devolver ao amigo. Mas nessa ocasião ele mexeu bem abaixo do banco. “É difícil de explicar, mas havia como que um buraquinho que o tapete tampava, e ali dentro eu achei um pacote. Na hora me dei conta que eram os 20 mil dólares.”

Naquele tempo Junior construía a casa dele. Se pegasse o dinheiro poderia dar cabo na obra e ainda aplicar o resto em uma poupança ou então investir na compra de mais carros. Porém se lembrou do pai e do quanto ele o havia ensinado a ser uma pessoa honesta acima de todas as coisas. “Então eu peguei aquele pacote e levei para o dono da Kiki. Quando ele viu quase não acreditou. Achou que tinha perdido. Ele ficou muito grato.”

Meses depois Junior começou a trabalhar na Kiki, emprego que só deixou quando abriu o próprio negócio: O Junior Veículos.

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Estabilidade

Artur Nogueira foi para Junior um lar que deu várias oportunidades ao menino sonhador. Abriu uma loja e com muito custo, um posto de gasolina também, o TKN. A tudo isso Junior agradece ao pai, Domingos, a quem aprendeu a ser quem é. “Eu vim de uma família simples, mas que apesar de simples sabia que a melhor coisa que a gente pode fazer na vida é ser honesto. E no mundo dos negócios é isso que vale também: ser honesto e amar o que faz. Porque se você tem uma banca de cachorro-quente e ama o trabalho, logo você se torna o dono do McDonalds.”

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