20/06/2015

ENTREVISTA: Glenn Collard fala da criação de jacarés em Artur Nogueira

Veterinário responsável pelo Sítio Arurá em Artur Nogueira fala sobre criação de jacarés e como o município poderia melhorar se valorizasse mais o turismo local

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“Se Artur Nogueira quiser fazer alguma coisa de turismo, primeiro tem que sinalizar seus pontos turísticos. Senão o turismo não vai adiante” (Glenn Collard)

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Alex Bússulo

O Sítio Arurá está localizado em Artur Nogueira desde 1997 e surpreende pela quantidade de animais silvestres. Com permissão da Secretaria do Meio Ambiente, o local cria e ajudou a tirar da lista de extinção os jacarés-de-papo-amarelo.

Além do projeto de preservação, o sítio também serve como criadouro de jacarés com finalidade comercial e abriga diversas outras espécies, incluindo aves e cobras, que sofreram maus-tratos e hoje buscam um novo lar.

O local está localizado na SP 107, km 39,5, em Artur Nogueira, na rodovia sentido a Holambra. Frequentemente é visitado por turistas de todo o país, que procuram conhecer mais sobre a fauna brasileira.

Quem idealizou o projeto é o médico veterinário Glenn Collard. Aos 55 anos, ele é pós-graduado em Clínica e Medicina de Animais Exóticos e agora faz pós-graduação em clínica e cirurgia de equinos. Mora com a família em Campinas e tem outro sítio no Rio de Janeiro, que serve como extensão do Arurá.

Na entrevista desta semana, Glenn fala sobre a criação de jacarés, o projeto de preservação ambiental e como Artur Nogueira ganharia se valorizasse e incentivasse mais o turismo local. Confira:

Como surgiu a ideia de criar jacarés? Foi através de uma propaganda na televisão, da ESALQ, que estava procurando parceiros para a criação de jacarés-de-papo-amarelo, para preservação da espécie, que naquela época estava ameaçada de extinção. Sempre gostei de animais silvestres, minha família também. Então resolvemos entrar no programa e, de uma lista de 30, nós fomos selecionados. Adquirimos os animais e começamos o projeto. Hoje, essa espécie não está mais em extinção, graças ao nosso e alguns outros projetos. De cinco anos pra cá o Ibama tirou a categoria ‘ameaçado de extinção’ e liberou a parte comercial.

Qual a importância desse projeto? A principal era a preservação da espécie – que foi atingida. Hoje trabalhamos com três objetivos: ainda a preservação, a comercialização e o recebimento de animais que são apreendidos. Agora, a parte comercial vai ajudar na sustentabilidade do projeto, porque não tem nenhuma entidade particular ou órgão público que nos ajudou a fazer esse trabalho. Tudo o que foi feito até agora foi com meus recursos. A gente tem uma área de preservação aqui, uma área tombada pelo Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DPRN), onde podemos receber animais de apreensão de órgãos oficiais, tais como Corpo de Bombeiros, Secretaria do Meio Ambiente, Polícia Ambiental, entre outros.

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Você já recebeu vários animais apreendidos. Normalmente em que estado eles chegam ao sítio?  Alguns animais chegam sem condições de voltar ao meio ambiente. Esses animais ficam em cativeiro. Alguns não resistem e morrem. Antes de serem soltos eles têm que ser adaptados. Têm que aprender a voar, a viver no habitat natural, então, são colocados em viveiros maiores para desenvolverem a musculatura e poderem ter uma vida normal. Senão vira um projeto furado. Eu abro a porta e solto o bicho, achando que ele vai sobreviver sozinho na mata, mas ele vai morrer. Aí não tem condições. Ou então vai virar uma presa de outro animal.

Já noticiamos vários casos de animais que foram encontrados e apreendidos em Artur Nogueira. Qual a orientação se eu encontrar um animal silvestre? Uma cobra, por exemplo. Se você vê que ela está em risco de perder a vida, você pode tentar levar ela pra mata, se ela estiver em uma rodovia. Agora, se ela estiver na natureza não tem que fazer nada. É a mesma coisa: “Ah, tem um lobo-guará comendo minhas galinhas! Vou chamar a polícia!” A polícia vai dizer: “Não, não vou pegar o bicho. Senão só vou transportar o problema de uma região para outra”. O que nós temos que fazer dentro do conceito de educação ambiental é orientar as pessoas que esses animais devem ficar na natureza e não se deve prender. “Ah, está comendo suas galinhas?” Você vai pôr som, vai pôr uma luz no galinheiro… Lógico que isso gera custo para o produtor rural, mas entre isso e você matar um animal silvestre ameaçado de extinção, eles [os policiais] vão fazer uma orientação e um trabalho de educação ambiental. Se alguém bater na porta aqui do sítio e falar “ó, eu tô com um bicho e vou te entregar”, eu não recebo. Porque tem que ser através de um órgão oficial: Corpo de Bombeiros, Polícia Ambiental, etc. Eles trazem o animal documentado. Eu não posso pegar um animal não documentado. Porque senão é como se eu estivesse comprando ou pegando um animal da natureza, ou na pior das hipóteses, alguém achar que eu estou comercializando. E não. Esses animais, todos eles, são microchipados.

Quantos jacarés você têm aqui no sítio? São 20 casais. Os jacarés que ficam aqui em Artur Nogueira são apenas para a reprodução.

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Como é feita a criação dos jacarés? Eles comem carne de frango. Frangos que já estão mortos, que morrem em granjas. Para os filhotes é a carne moída, o frango moído, e para os adultos é como se estivesse na natureza. Eles comem o frango inteiro. O manejo é muito simples. As fêmeas têm a postura no final do ano, na primavera. A gente fornece folhas e elas fazem os ninhos. Os ovos são incubados artificialmente, até por causa dos predadores naturais que nós temos aqui. Nossos jacarés chegam a ter até três metros de comprimento.

É verdade que é possível definir o sexo do jacaré a partir da temperatura em que os ovos ficam na incubadora? Sim. Mas nós não adotamos esse sistema. A gente coloca uma temperatura média e nessa temperatura média nós teremos machos e fêmeas. Mas, quanto mais calor mais fêmeas nascerão.

Como é a hibernação dos jacarés? Eles dormem e não se alimentam até a primavera. Se comer eles podem morrer porque o sistema enzimático deles está quase à zero. Então, se chega uma carne no sistema digestivo que não é digerida eles podem morrer por toxemia. Isso é fisiológico. Os jacarés ficam estáticos e caminham muito pouco, muito pouco. Se você for cutucar eles, eles vão responder, mas não será uma atividade tão agressiva quanto seria na primavera e no verão. Na natureza é a mesma coisa.

Ao que o senhor atribui a entrada dos animais na classificação de risco de extinção? A caça predatória e a falta do meio ambiente, que é a Mata Atlântica. A destruição do habitat natural deles. É por isso que a gente preserva esse pedaço de habitat aqui no sítio.

O sítio está localizado em Artur Nogueira, mas frequentemente encontramos reportagens citando que ele é de Holambra. Por que isso acontece? Holambra tem um projeto de turismo rural, que é interessante para Holambra. Artur Nogueira não tem um turismo tão desenvolvido e não me procurou. Mas, a propriedade está no município de Artur Nogueira. Eu sempre levei o nome de Artur Nogueira. Se você vê todas as televisões que já vieram aqui eu sempre falei de Artur Nogueira. Não estou cobrando nada de ninguém. Lógico que se vier ajuda e parcerias são sempre bem-vindas. Nunca a gente vai negar. Mas, meu tempo é escasso. Não tenho tempo para participar de reuniões. Sou veterinário. Mexo com acidentes, emergências, não tenho dia, nem hora. Não dá pra ficar participando de reuniões nem em Artur Nogueira, nem em Holambra. Mas, estou aberto a fazer parcerias. Só não peça meu tempo. Ou que seja o tempo que eu tenho disponível, com dia e hora marcada.

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O Sítio Arurá é um ponto turístico muito forte, mas é pouco explorado por parte dos municípios. Por quê? Eu vou te dizer, se a Prefeitura de Artur Nogueira quiser fazer alguma coisa de turismo, primeira coisa: sinalize os pontos turísticos do município. Aí vocês vão ver turismo. Enquanto não se fizer isso aí eu lamento. O turismo não vai adiante. Isso é uma coisa que eu já coloquei em reuniões em Artur Nogueira e Holambra. Eu não posso colocar nenhuma placa aqui porque senão o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) arranca. É colocar e arrancar. A gente já colocou plantas aqui, mas o DER arranca. A prefeitura pode chegar no DER e fazer isso. A gente perde turista porque eles não acham o Arurá. Então, Artur Nogueira e Holambra querem desenvolver turismo? Façam um projeto e sinalizem a cidade. Aí vocês vão ver.

Como a cidade se beneficiaria com o fortalecimento do turismo? Em específico do seu caso, com a divulgação do Sítio Arurá? Primeiro, deveria estar o ICMS Verde a favor de Artur Nogueira, porque eu preservo uma área e toda área preservada é beneficiada pelo ICMS. Nós no Rio de Janeiro temos uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) e o município recebe ICMS Verde em função da nossa preservação. Então, isso é uma coisa que é de benefício para a cidade. Segundo: eu estou trazendo turistas para dentro do município. O turista vai querer comer, ele pode ir tanto para Artur Nogueira quanto para Holambra. Mas Holambra tem muito mais atrativo e eu estou na divisa, próximo dos dois municípios. Será que o turista vai pra onde? A gente tem um convênio com a Pousada Europa, a qual a gente indica e já teve turistas que ficaram lá. Então, falta esse entrosamento e essas parcerias para que o turista que venha aqui gaste o dinheiro dele em Artur Nogueira.

Em abril deste ano o Sítio Arurá recebeu a visita de Troy Landry, o protagonista do programa norte-americano Mergulhados no Pântano, do Canal A&E. Como ele encontrou seu projeto? Olha, acho que foi a própria assessoria dele que descobriu e que já entrou em contato conosco. Ele fez algumas gravações aqui, mas nada com os animais porque eles estão hibernando. O Troy veio aqui no sítio, fizemos uma troca de informações. É um cara que tem bastante vivência.

No ano passado, o Portal Nogueirense fez uma reportagem com o Tião, um macaco que havia acabado de chegar aqui no sítio. Como ele está? Ele ainda está aqui. O Tião chegou aqui após ser vítima de um atropelamento. Ele tem um pino porque ele foi atropelado. Veio uma fêmea para ele, mas ela fugiu. É o que digo: no projeto de preservação nem todos vão ficar aqui. Tem uns que vão embora. Já tivemos arara, saguis… Mas eles seguem o próprio caminho. Isso é sabido e faz parte do projeto. O Tião continua solteiro, se ele arrumou uma namorada ele não nos apresentou ainda.

[Visitas ao sítio podem ser realizadas todos os dias, com agendamento, pelo telefone (19) 3802-1154. O valor da entrada é de R$ 20 por pessoa.]

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