11/10/2014

ENTREVISTA: Professora Gabriela Carlstrom fala sobre projetos premiados

Conheça a professora de Artur Nogueira que foi premiada pelo MEC e viajou no mês passado até o Rio Grande do Sul para apresentar um projeto para educadores de todo o Brasil

capa3 “Um professor já nasce professor, é um dom, uma vocação”

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Alex Bússulo

Dando aulas há 15 anos em Artur Nogueira, a professora Gabriela de Souza Carlstrom, de 41 anos, vem ganhando destaque em todo o país. No mês passado ela viajou para Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde foi convidada a apresentar um projeto que desenvolveu e implantou aqui no município ‘Berço da Amizade’.

Formada em Pedagogia com Pós-Graduação em Educação Especial ela se diz apaixonada pela profissão. No ano passado, Gabriela foi contemplada com o Prêmio Professores do Brasil e viajou até Brasília onde foi homenageada.

Nesta semana, onde se aproxima o Dia dos Professores, entrevistamos a professora que decidiu ir além com seus alunos. Planejou, debateu e motivou crianças na busca de um mundo melhor.

No último mês você viajou para Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde participou de um Simpósio nacional tendo a grande oportunidade de apresentar seu projeto para professores de todo o país. Como se sente sendo reconhecida no meio acadêmico nacionalmente? Estive em setembro no 10º Simpósio Sul-rio-grandense a convite da Universidade Federal de Pelotas e do MEC para apresentar meu Projeto “Árvores da Minha Cidade”, que foi vencedor de dois prêmios no 7º Professores do Brasil em 2013. Lá pude ter contado com professores de todo o Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile. Me senti honrada por ter ultrapassado meus objetivos. Quando estivemos em Brasília em 2013 soubemos pelos organizadores do evento que entre os quarenta vencedores quatro iriam ser escolhidos para estarem neste Simpósio, e quando soube este ano que fui uma das contempladas foi novamente uma surpresa muito emocionante, mais uma conquista que jamais esquecerei. Em meio a tantos professores, fui a única representante da Região Sudeste.

Como foi esse simpósio? Ele ocorreu entre os dias 23 e 27 de setembro deste ano. É um evento realizado no Campus da Universidade Federal de Pelotas com o intuito de oferecer a oportunidade a professores do Ensino Básico, pós graduando e mestrando a apresentar seus trabalhos realizados em sala de aula. Apresentei meu trabalho no encerramento e estive em uma mesa redonda, onde explanei o projeto e respondi perguntas feitas pelos professores congressistas. Levei comigo 5 mil sementes de árvores de pequeno e médio porte e distribui aos participantes. Expliquei a forma de cultivar as sementes pedindo a cada um que assim que germinassem, postassem fotos no grupo “Árvores da Minha Cidade”. Realmente foi maravilhoso ver a empolgação de todos ao receberem as sementes e levarem a para lugares tão distantes da minha casa. Neste momento senti que o projeto ganhou uma dimensão maior, transpondo outros estados do meu país.

Tudo começou com o projeto ‘Árvores da Minha Cidade’, desenvolvido com os alunos da Emef Prof. Amaro Rodrigues (Ninico) em Artur Nogueira. Imaginou algum dia que ele chegaria aonde chegou? Para dizer a verdade, sonhei com isso. Senti logo no início, o interesse dos alunos e percebi que o trabalho tinha potencial, por ser um tema muito atual e de relevância para a sociedade, mas com a consciência que um trabalho relacionando o meio ambiente, os resultados são a longo prazo. Mas plantei uma semente, e esta certamente germinará. Hoje me lembro dos alunos do ano passado com muita saudade e de como fui feliz com eles. Esse projeto só chegou ao sucesso graças a muito trabalho e dedicação integral. Não tem receita, é só trabalhar honestamente, e foi o que eu fiz.

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Como surgiu o projeto? Estava indo para São Paulo e, observando a paisagem, meu marido falou: “Gabi porque você não faz um trabalho com as árvores?” Quando ele me disse isso, fiquei alucinada, não pensei mais em outra coisa, comecei a esboçar em um papel todas as possibilidades que o tema podia me oferecer. Ao chegar em Artur Nogueira, já na segunda-feira questionei as crianças sobre os conhecimentos que elas tinham em relação ao assunto. Então não tive dúvidas de que precisava fazer um projeto grande e diferente. “Preciso ensiná-los a amar, proteger e fazê-los multiplicadores”. Percebi que para isso precisava mostrá-los que as árvores não apenas nos oferecem oxigênio, mas que nós, seres humanos, temos um vínculo afetivo com elas. E assim posso com toda a certeza despertar o desejo nas crianças de serem protetores da natureza. Todo o projeto foi realizado através de pesquisas, entrevistas, atividades multidisciplinares e extraclasses. Um dos momentos importantes foi a criação do grupo “Árvores da Minha Cidade” no Facebook, para que os alunos pudessem realizar atividades de escrita, leitura e outras, em casa e na sala de aula. Dessa forma os pais e a comunidade estavam participando do trabalho. Na prática, busquei com esse vínculo afetivo resgatar esse sentimento, aproximando os alunos de pessoas mais velhas, e que plantaram árvores importantes em nosso município. Afinal, só preservamos aquilo que respeitamos e só respeitamos aquilo que amamos.

Como o MEC tomou conhecimento do projeto? Estava navegando na Internet e encontrei um concurso do MEC chamado “7º Prêmio Professores do Brasil” com as inscrições abertas, então fiquei empolgada com a possibilidade e me inscrevi. Destaco também ajuda da minha vice-diretora Roselena Criveli que incentivou muito. Por volta de novembro, o MEC me ligou, me parabenizando pois tinha sido contemplada entre 3600 candidatos. Em Brasília participamos de uma cerimônia com a presença do Ministro da Educação e de todos os colaboradores. O concurso premia 40 professores em sete categorias. E dos quarenta premiados, sete são escolhidos pelo melhor projeto desenvolvido. Tenho a alegria de ter sido contemplada como o melhor trabalho da minha categoria (Anos Iniciais do Ensino Fundamental) recebendo portanto duas premiações.

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O fato de ser uma professora premiada mudou a sua forma de trabalhar e de ver a profissão? De maneira alguma! Continuo trabalhando como sempre trabalhei: disciplinada, comprometida e apaixonada pelo que faço. O prêmio me projetou, mas sei que em Artur Nogueira existem professores tão competentes quanto eu. Espero que meu exemplo possa incentivá-los a participar também, abri uma porta. Vejo minha profissão com grandes desafios, o maior deles é o reconhecimento, e a baixa remuneração praticada no nosso país. Hoje sei que as pessoas me veem com outros olhos, mas não mudei, sou a pessoa que sempre fui: honesta e trabalhadora, só posso dizer que me sinto orgulhosa e ninguém vai tirar isso de mim.

Este ano você criou o projeto Água Viva, de reuso da água da chuva. De que forma essas iniciativas impactam e influenciam os alunos? Iniciei o projeto em minha casa há dois anos onde reaproveito a água chuva e da máquina de lavar roupas, tenho 1000 litros de água de reuso para utilizar na limpeza e irrigação do jardim. Faço também o processo de gotejamento nas árvores frutíferas que tenho em meu quintal. Esse processo deu tão certo que trouxe todos meus alunos até minha casa para eles conhecerem. A essa altura o projeto “Água Viva”, já havia iniciado e estava bem embasado com muitas atividades extraclasses e interdisciplinares. Produzimos um livro para cada criança com 100 páginas contendo tudo o que se refere à água. Com todo o trabalho e conhecimento que adquirimos, sugeri a implantação do sistema na escola, fato que causou transformação no modo de utilização racional da água, pois hoje essa água da chuva está sendo reutilizada diariamente. Trouxe essa experiência de casa para a escola, e os alunos estão levando da escola para casa.

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Como descobriu o dom para ser professora? Não descobri, foi uma inspiração divina. Já era formada no Magistério há cinco anos, mas nunca havia entrado em uma sala de aula e nem pretendia. Fui trabalhar em uma empresa como secretária e fique por quase cinco anos, mas em dezembro fiquei desempregada. E com medo de não conseguir um ofício, em abril de 1999, fui convidada a assumir uma sala de 3ª série na Emef Prof.  Alcídia Matteis, no Itamaraty. Me apaixonei completamente. Em 2000 fiz Pedagogia e em 2011 terminei minha Pós-Graduação em Educação Especial. Sou completamente feliz pelo que faço.

Recentemente o psicólogo Eduardo Sá, professor da Universidade de Coimbra, em Portugal, disse em uma entrevista ao Estadão que “escola demais faz mal”. O que pensa sobre essa declaração? Vivemos realidades diferentes. Somos um país em construção com grandes dificuldades e não podemos nos comparar a países onde a educação é consolidada. Acredito que estamos buscando um caminho ainda com acertos e erros. O que posso dizer é que o futuro passa pela educação e se quisermos ter um grande país com fortes instituições, principalmente públicas, será necessário um investimento maciço nos profissionais da educação, como diz minha sogra e professora aposentada do Estado: “O excelente professor quando é bem estimulado dá a melhor aula do mundo debaixo de uma árvore.”

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Como você avalia o sistema educacional hoje? O método de ensino expositivo ainda é eficaz? Há alguns anos se perguntássemos a uma garotinha: “O que você quer ser quando crescer? Ela respondia: quero ser professora”. Hoje, isso não acontece mais. Na educação havia homens e mulheres, mas a baixa remuneração os afastou. Em minha opinião a educação perdeu com isso. Hoje sentimos falta de professores e professoras, coordenadores e coordenadoras, diretores e diretoras… A educação é heterogênea. Para um país desenvolvido nossos governantes precisam investir “duro” na educação com bons salários. Qualquer método é importante, mas nada substitui o bom professor, que põe fé naquilo que ensina enriquecendo sua exposição com tecnologias, que estão à disposição nos dias atuais, para despertar o interesse e a vontade de aprender no educando.

Como seria uma escola ideal? Não acredito em escola ideal, acho que isto é meramente um conceito ilusório. Por exemplo, a escola ideal para a Região Nordeste é diferente da escola da Região Sul ou Sudeste, ou seja, os estados, cidades e até bairros de nosso país são diferentes, com alunos desiguais, então a escola “ideal” é aquela que consegue ao máximo atingir todos ou pelo menos a maioria de seus alunos. Creio que devemos estabelecer metas para nossos objetivos na perspectiva de galgarmos uma boa escola e uma educação de qualidade dentro da nossa realidade.

E o que seria um professor ideal? Somos seres humanos e estamos sujeitos a falhas, mas para ser professor é necessário um “algo a mais”, não estar somente ligado ao conhecimento, disciplinas, currículos e livros didáticos. O bom professor não tem medo de fazer, reinventar e mudar. Podemos compará-lo a um joalheiro, que recebe um aluno como uma pedra bruta e consegue lapidá-lo e transformá-lo em um diamante, já o professor descomprometido recebe   o mesmo aluno e não o transformá-lo em nada. Um professor já nasce professor, é um dom, uma vocação e são estes profissionais é que fazem a diferença.

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Qual a diferença entre ensinar e educar? A quem cabem essas responsabilidades? Nas últimas décadas, por vários fatores, a escola deixou de ser um local de aprendizado onde o aluno era preparado para receber a informação necessária para o seu desenvolvimento social, e passou a receber a incumbência de também educar, que a meu ver deveria estar a cargo da família. A educação no meu ponto de vista é um pré-requisito e este encargo foi repassado para a escola, para o professor, uma responsabilidade que não deveria ser deste profissional, mas produto de uma união entre família e escola.

Qual o papel dos pais na eficácia da aprendizagem? Importantíssimo! A criança fica apenas 4, 5 horas na escola. O restante do dia ela fica em casa. Daí a responsabilidade dos pais em poder trabalhar conjuntamente com o professor para o desenvolvimento de seu filho. Tenho notado que os alunos com desenvolvimento pedagógico são os que têm pais, irmãos, avós mais engajados neste sentido, são aqueles que se preocupam e que procuram participar mais da vida escolar de seus filhos trazendo soluções e não somente reclamações. Criança que se sente amada e respeitada pela família e professor, tem menores chances de se desviar na escola e na vida.

O Dia do Professor será comemorado na próxima quarta-feira. Há o que comemorar? Será uma comemoração tímida muito aquém do que poderíamos estar efetivamente comemorando, mas ressalto que apesar de todos os percalços da profissão minha escola “Ninico”, escola da periferia, foi a instituição de ensino que alcançou o maior IDEB do município de Artur Nogueira, demonstrando a capacidade de nossa equipe da qual faço parte o que me faz acreditar que há boas escolas públicas e que estamos no caminho certo mesmo que longe de nossas necessidades.

Fotos: Isadora Stentzler

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