21/12/2013

ENTREVISTA: Dr. Milton L. Torres

Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro. Papai Noel é inspirado em um homem que existiu de verdade. Algumas pessoas comemoram o Natal no dia 6 de janeiro – quem afirma isso é o doutor em Arqueologia Clássica e teólogo Milton L. Torres. Na entrevista deste sábado, este especialista relembra a história do Cristianismo e mostra quais são as três melhores formas de se comemorar a festa natalina

Milton Torres“O natal concede a oportunidade de falar de Cristo, agir como Cristo e inspirar outras pessoas a seguir Aquele que nos legou o exemplo derradeiro de amor ao próximo”

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Alex Bússulo

Na próxima quarta-feira, 25 de dezembro, comemoramos o tão esperado Natal. Uma época em que nossos corações ficam cheios de amor e solidariedade. Trocamos presentes, abraçamos amigos e familiares. Ajudamos os mais necessitados. Agradecemos a Jesus pelo ano que passamos e pedimos as bênçãos para o ano que se iniciará.

A data é comemorada há séculos e passa de geração a geração. No entanto, muitas dúvidas acabam surgindo a respeito do Natal, tais como: Cristo realmente nasceu no dia 25 de dezembro? Como surgiu a comemoração natalina? Quem foi o Papai Noel?

Em busca destas respostas, o Portal Nogueirense foi atrás de um especialista no assunto e encontramos o Dr. Milton L. Torres.

Ele já foi missionário no Alasca (1988-1989), perto do Pólo Norte e possui uma enorme lista de diplomas e títulos acadêmicos. Possui graduação em Teologia pelo Seminário Adventista Latino Americano de Teologia (1984); graduação em Letras (licenciatura em Inglês e Português) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (1988); mestrado em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia (1995); mestrado em Filologia Clássica pela Universidade do Texas (2001); doutorado em Arqueologia Clássica pela Universidade do Texas (2008); e pós-doutorado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009).

Atualmente é professor do UNASP – Centro Universitário Adventista de São Paulo, onde coordena o curso de Tradutor e Intérprete, e aluno do doutorado em Letras Clássicas da USP. Tem experiência na área de Letras, Tradutor e Intérprete, Arqueologia e Teologia, com ênfase em línguas clássicas e modernas, atuando principalmente nos seguintes temas: línguas antigas e modernas, literatura antiga, tradução e interpretação, educação, religião e arqueologia clássica e bíblica.

Jesus Cristo realmente nasceu no dia 25 de dezembro? Não. Não há nenhuma indicação precisa na Bíblia quanto à data do nascimento de Jesus.

Então, por que esta data foi escolhida para a celebração do Natal? Segundo o historiador romano Tito Lívio (22.1.20), contemporâneo de Jesus Cristo, os romanos tinham, desde 217 a.C., uma comemoração importante no mês de dezembro, conhecida como saturnais. As festividades iam de 17 a 24 de dezembro, sendo o último dia um momento de alegria e troca de presentes. Como se tratava de um festival de inverno, era comum que as casas fossem enfeitadas com luzes e que árvores fossem adotadas como símbolo da preservação da vida durante o inverno. Além disso, 25 de dezembro era também considerada a data de nascimento do deus Mitra, uma divindade muito venerada nos tempos antigos. Finalmente, o dia 25 de dezembro foi declarado pelo Imperador Aureliano, em 274 A.D., como aniversário do nascimento do deus sol (natalis solis invictus). A data foi escolhida porque marcava o solstício de inverno no hemisfério norte, isto é, o momento em que os dias voltam a ser mais longos do que as noites. Posteriormente os cristãos de Roma adotaram essa data sob a alegação de que esperavam, assim, abençoar a data pagã, dando-lhe um caráter cristão. De Roma, a observância do feriado se espalhou para o Ocidente.

Existem evidências arqueológicas do nascimento de Jesus? É possível saber quando ele nasceu? Há pouca coisa além dos relatos dos evangelhos, especialmente Mateus e Lucas. O nascimento de Cristo não foi comemorado nos dois primeiros séculos porque os cristãos esperavam o rápido regresso de Jesus e porque o Cristianismo era uma religião proibida. Uma celebração aberta podia acarretar perseguição e morte. Por essas razões, a data se perdeu. Apesar disso, a especulação sobre a data exata do nascimento de Cristo começou no início do terceiro século quando Clemente de Alexandria sugeriu que a data mais provável seria 20 de maio. Hipólito, que morreu em 236 A.D., argumentava que Jesus havia nascido numa quarta-feira, mesmo dia em que o sol foi criado, mas não dá a data exata. Um tratado de 243 A.D., intitulado De pascha computus, isto é, “o cálculo da páscoa”, coloca o nascimento de Jesus no dia 28 de março. De fato, não há nenhum dia do ano que, em algum ponto da história, não tenha sido sugerido por um ou outro como o dia do nascimento de Cristo.

Quando começou a se comemorar o Natal? A mais antiga menção à data de 25 de dezembro como festa cristã vem do assim-chamado calendário filocaliano, do ano 336 A.D., escrito em latim. Nesse calendário, na data que se tornou tradicional, aparecem os dizeres natus Christus in Betleem Iudeae, isto é, “nasceu Cristo em Belém da Judeia”. Depois disto, outras evidências do início da celebração do natal como festividade cristã vêm de Constantinopla, no ano 380 A.D. Em seu sermão 39, Gregório de Nazianzo menciona que o natal tinha passado e lembra seus ouvintes de que, entre outras coisas, depois do natal, os anjos deram glórias a Deus. Com isto, o religioso esperava deter os excessos de comida e bebida que já eram cometidos por ocasião da festa. Em 386 A.D., temos outra evidência do início do natal, desta vez na cidade de Antioquia. João Crisóstomo, em seu sermão de natal, relembra que o feriado já era comemorado há dez anos em Antioquia e tenta superar as críticas daqueles que se opunham à festividade porque a consideravam uma comemoração pagã. Em vez disso, a igreja de Jerusalém comemorou o nascimento de Cristo na data de 6 de janeiro até o ano 549, quando também adotou a data de dezembro.

Como o Natal é comemorado em outras partes do mundo? Para grande parte dos armênios, o natal é comemorado no dia 6 de janeiro, uma data que, ao longo da história, competiu com 25 de dezembro. Os anglicanos, até o século IX, celebravam o natal no dia 16 de dezembro, data que eles chamavam de “sapiência”. Em 1607, o rei James instituiu uma peça teatral que deveria ser representada na noite de natal. Durante a colonização dos Estados Unidos, os puritanos, por sua vez, se recusaram terminantemente a participar de qualquer atividade natalina, uma festa que eles consideravam pagã. Além disso, para eles, o natal deveria ser um momento de jejum e luto, não de celebração. Tradicionalmente, os católicos comemoram o natal com três missas no dia 25 de dezembro. O nome do natal, Christmas em inglês, vem justamente desse costume: Christes Maesse, “a missa de Cristo”. A forma como os brasileiros o comemoram foi muito influenciada pelo formato da celebração nos Estados Unidos: a família participa da ceia de natal e, depois, se reúne ao redor da árvore enfeitada com luzes para abrir presentes. Muitas pessoas nos países do Ocidente também gostam de ir à igreja nessa data. Na Guiana Inglesa, o natal é comemorado com o desfile de uma banda de músicos mascarados que arrecadam dinheiro. Na Nigéria, o natal é uma data favorita para os casamentos. Em Serra Leoa, as pessoas se presenteiam com frutas. Os cristãos da Coreia levantam cedo no natal e se organizam em pequenos corais que saem pelas ruas arrecadando dinheiro para os menos afortunados. Ou seja, há tantas tradições nacionais de natal que é impossível relatá-las todas aqui.

Para o mundo cristão qual o real significado do Natal? Numa tentativa de serem politicamente corretas, muitas pessoas estão esvaziando o natal de sua dimensão religiosa e cristã. Até a aparentemente inofensiva opção de se dizer “boas festas” em vez de “feliz natal” pode dar indícios de que o natal está perdendo seu apelo religioso. Os próprios cristãos podem estar contribuindo para esse menosprezo à solenidade religiosa do natal. A data de 25 de dezembro foi escolhida fortuitamente porque coincidia com um importante festival pagão, mas o nascimento de Jesus é um evento histórico de dimensão salvífica. Como não temos nenhuma certeza da data real de seu nascimento, qualquer data serviria para comemorá-lo. No entanto, o natal está aí, estabelecido como resultado de uma tradição de vários séculos. Seria muito triste perder a oportunidade de comemorar o nascimento de Jesus, juntamente com milhões de outras pessoas, simplesmente porque temos excesso de pudor. O natal tem significado real para o cristão porque lhe concede a oportunidade de falar de Cristo, agir como Cristo e inspirar outras pessoas a seguir Aquele que nasceu em Belém e que nos legou o exemplo derradeiro de amor ao próximo.

O Papai Noel tem algum significado para o cristão? Papai Noel é um personagem lendário e fictício que tem uma origem folclórica. Existiu, de fato, a figura histórica de Nicolau de Mira, um cristão grego que, no século IV A.D., fazia doações generosas aos pobres, mas sua história sofreu acréscimos que a distanciaram de sua origem cristã. Os restos mortais deste santo homem se encontram supostamente preservados na cidade de Bári, na Itália. No dia de seu aniversário, em 6 de dezembro, desenvolveu-se em quase toda a Europa a tradição de presentear as crianças. Ao longo dos séculos, Nicolau recebeu características do deus nórdico Odin e todo um folclore se desenvolveu ao seu redor, principalmente nos Países Baixos. Incomodado por esse fato, Lutero, durante a Reforma, procurou transferir o costume dos presentes para o dia 25 de dezembro, a fim de que as crianças aprendessem a reverenciar o Senhor Jesus e não apenas um velho santo. O Reformador, sem querer, trouxe a figura de Papai Noel para o natal. Portanto, embora incorpore virtudes cristãs como bondade e alegria, Papai Noel não tem muito significado para os cristãos. De qualquer forma, tornou-se uma figura querida da cristandade e não há razão para demonizá-lo.

Qual é a melhor forma de se comemorar o Natal? Eu sugeriria três coisas muito importantes que todos nós deveríamos praticar durante nossas comemorações do nascimento de Cristo. Em primeiro lugar, acho que é essencial que passemos tempo de qualidade como nossos familiares e amigos. Em segundo lugar, sugiro que aproveitemos a data para renovar nossos compromissos de fidelidade a Deus e à consciência. Ou seja, o natal nos dá uma excelente oportunidade para que pensemos em Deus e nos animemos a seguir Suas orientações para nossa vida. Finalmente, acho que o natal é uma ocasião em que todos nós devemos nos engajar em alguma causa humanitária. O natal é um tempo de se fazer o bem às pessoas, seja através de um mutirão de natal, de uma doação generosa ou de pequenos gestos de atenção.

Em dezembro se vê uma grande mobilização de atos de solidariedade, tanto das igrejas quanto da sociedade. Por que isso só acontece no natal? O natal é, de fato, um período em que todos nós nos tornamos mais susceptíveis às necessidades alheias. Acho que é isso que as pessoas chamam de espírito do natal. Não penso que devamos estranhar o fato de que haja tanta bondade no natal. O que devemos estranhar é o fato de haver tão pouca bondade fora dessa época. Ou seja, em vez de considerar como hipócrita o bem feito durante esse período do ano, deveríamos encorajar as pessoas a estendê-lo ao restante do ano. Deveríamos sentir o espírito do natal todos os dias de nossa vida e agir de modo compatível com o que isto representa. Cristo nasceu em um dia apenas, mas Ele viveu três décadas entre nós, sinalizando que Ele pode estar presente em nosso coração todos os dias do ano. E se, de fato, abrirmos o coração para Cristo, será impossível que nos limitemos a praticar o bem apenas numa data no fim do ano.

Qual o maior ensinamento deixado por Jesus? A principal mensagem de Cristo é o amor. No entanto, essa mensagem tem uma aplicação dupla. Ele disse: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Para que isto se torne uma realidade em nossa vida, é necessária abnegação. Isto é, desapego e desprendimento. Acho que é por isso que os cristãos praticantes são pessoas tão felizes. É verdade que, de vez enquanto, aparecem entre nós pessoas que são mesquinhas e mal-humoradas, mas tais pessoas são justamente atraídas ao Cristianismo pelo fato de sentirem que precisam desenvolver a virtude da renúncia. A compreensão de que somos chamados por Deus para abrir mão dos nossos confortos a fim de poder ser úteis à igreja e à sociedade, de fato, nos dá um sentido para a existência. Por isto, neste natal, desejo que sejamos realmente contagiados pelo Espírito de Cristo, que é o espírito do natal.


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