19/10/2013

Dr. Décio relembra histórias e situações vividas em Artur Nogueira

Conheça a história do médico que saiu de São Paulo para trabalhar três meses em Artur Nogueira, mas já está há 40 anos no município. Ele foi o primeiro médico com serviço instalado em Artur Nogueira e afirma já ter feito aqui mais de 50 mil atendimentos

Dr. Décio“Se não fosse médico eu seria um frustrado” (Dr. Décio)

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Alex Bússulo

Em homenagem ao Dia do Médico, comemorado na última sexta-feira (18), o Portal Nogueirense entrevista um médico que marcou a história de Artur Nogueira. Dr. Décio Queiroz Telles recebeu a nossa equipe em sua casa nesta semana. Casado com Marlene e pai de Décio e Anette ele nos concedeu uma entrevista de aproximadamente duas horas, relembrando a infância, de como saiu de São Paulo e veio para o município ‘Berço da Amizade’ e comentou sobre a sua saída polêmica da clínica na Av. Fernando Arens.

Nascido em Campinas, Dr. Décio é filho do casal Anna e Ederaldo. Como próprio se define, ele é “ramo pobre de família rica”. Neto e sobrinho de importantes nomes do cenário político do Estado de São Paulo, aprendeu cedo o caminho que queria percorrer na vida. Um homem que o inspirou foi o tio de mesmo nome, Décio de Queiroz Telles (a quem será tratado de ‘tio Décio’ nesta entrevista). Apenas para reforçar: o Dr. Décio é o médico que atua há 40 anos em Artur Nogueira e o nosso entrevistado desta semana. ‘Tio Décio’ é o tio de Dr. Décio, por parte de pai.

Dr. Décio

Pois bem, tio Décio foi um grande latifundiário, médico e político, que entre suas conquistas como deputado estadual, no qual foi eleito por três mandatos, trabalhou para erradicar a Tuberculose no Estado, além de ser o fundador da Escola Paulista de Medicina – atual Unifesp. Ele também foi um dos responsáveis pela determinação dos limites do município de Artur Nogueira, em 1938.

Por outro lado, o pai de Dr. Décio apenas pensava no dia atual e com os prazeres que pudesse desfrutar. “Meu pai vivia intensamente o dia de hoje, sem se preocupar com o amanhã. Minha mãe era professora primária. Com o salário de professora, sustentava toda a família de 4 filhos. Meu pai era farmacêutico, mas era um péssimo comerciante, não progrediu em nada na vida. Não era muito chegado a seguir uma rotina de trabalho”, relembra Dr. Décio.

Dr. Décio

Nosso entrevistado também teve outro familiar importante: Chico Venâncio, o seu avô materno. Ele foi o responsável pela criação do Distrito de Paz ‘Arthur Nogueira’, em 1916. Ele também foi prefeito de Mogi Mirim por dois mandatos.

É por isso que Dr. Décio brinca ao dizer que é “ramo pobre de família rica”. Porque enquanto tinha tio deputado e avô prefeito, vivia praticamente com o salário da mãe, como professora. A história fica mais complicada quando a mãe morre precocemente, aos 42 anos, devido complicações do diabete. Deixando o marido e os quatro filhos, incluindo Dr. Décio, na época com apenas 11 anos de idade.

“A partir daí foi um desastre. Fecharam a casa que nós morávamos, que era do tio Décio, e me puseram em um pensionato de mulheres. Fiquei lá com um irmão por alguns meses. Depois nos colocaram para dormir em um hotel. Com a morte de minha mãe, meu pai foi tomar conta de uma fazenda do tio Décio. Eu tinha apenas 11 anos e vivia praticamente sozinho, pois meu irmão não parava em casa. Desde pequeno tive que aprender a me virar”, conta Dr. Décio.

Dr. Décio

Nesta época nosso entrevistado morava em Campinas e estudava no tradicional Ginásio Estadual ‘Culto à Ciência’. Depois de alguns meses da morte da mãe, o pequeno Décio foi transferido para o Instituto de Educação Dona Elvira Santos de Oliveira, em Itapira. Neste momento da história, ele passou a morar na casa de outro tio, o Flávio. Um período muito bom, onde Décio passou por um ano. Mas, este tio precisou se mudar e Décio foi morar na fazendo com o pai.

“Essa foi outra fase complicada. Para estudar eu tinha que acordar cedo, arrear o cavalo no pasto e percorrer um trajeto de 9 km até chegar na cidade. No inverno eu chegava com as mãos tão geladas na cidade que para aquece-las eu as colocava debaixo da água fria. Quando voltava da escola tinha que trabalhar na fazenda, muitas vezes plantando cana. Era uma realidade muito difícil para um menino de 12, 13 anos. Até que me arrumaram uma pensão para morar na cidade”, relembra o médico.

Quando completou 18 anos de idade, Dr. Décio se mudou para São Paulo onde conseguiu um emprego como auxiliar de escritório na Prefeitura Municipal, graças a influência do tio Décio. “Eu ganhava em torno de um salário e meio. Comecei a morar em uma casa de uma tia. Depois, com o meu irmão, aluguei um apartamento. Estava me preparando para o cursinho”, relembra.

Foi neste período que ele visitou pela primeira vez a cidade de Artur Nogueira. “Em 1962, dei uma passada em Artur Nogueira. Meu pai estava sem emprego e se mudou para Artur Nogueira para abrir uma loja de venda de tratores. Como ele gostava de festas, se envolveu em uma feijoada comunitária que o pessoal daqui estava promovendo para arrecadar fundos para a construção do Educandário. Daí, meu pai fez um convite para que eu viesse almoçar aqui. Eu aceitei e passei uma tarde nesta cidade. Isso há 50 anos”, relembra.

Dr. Décio

Depois disso, o jovem Décio ingressou na concorrida Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. “Fazer medicina naquela época era um prestigio muito grande, afinal eu era um dos 300 alunos na cidade de São Paulo e um dos 700 em todo o estado que ingressaram no curso. Era difícil, a cada 100 candidatos entrava apenas 1. O curso era em tempo integral. Eu entrava às 7h e saia às 5h da tarde”, conta.

Depois de 8 anos de estudo, Dr. Décio tornou-se médico. “Até o final do curso eu não sabia qual área seguir da medicina. Só não queria ser cirurgião. Depois de um ano da minha colação de grau eu procurei emprego na cidade de Mogi Mirim, através de contatos que tinha naquela cidade. O Dr. Florentino José Miranda, famoso médico de Mogi, tentou me ajudar, mas pediu para que eu esperasse uns três meses e me recomendou que eu procurasse o prefeito de Artur Nogueira, porque ele estava à procura de um médico. Era para ser algo temporário, até eu conseguir uma vaga em Mogi Mirim. Então vim para Artur Nogueira”, relembra Dr. Décio.

Dr. Décio

Era fevereiro de 1973. Atílio Arrivabene Júnior (Neno) era o prefeito de Artur Nogueira. “Lembro-me que cheguei na pequena cidade e perguntei como fazia para falar com o prefeito. Me disseram que ele estava em uma sorveteria, onde hoje é a Padaria Ypê, no centro. Fui até lá e me deparei com o sujeito. Me apresentei e disse que queria trabalhar em Artur Nogueira, mas o Neno não deu muita bola. Disse que tinha outro médico, de Campinas, que estava planejando vir para Artur Nogueira. Pediu para eu deixar meu endereço e para eu esperar. Saí da conversa desanimado, afinal queria aquela oportunidade”, conta.

O médico voltou para São Paulo, onde trabalhava na Samcil e na Prefeitura. Passados alguns meses, dois políticos de Artur Nogueira foram atrás de Décio. “Estava em meu consultório quando dois homens de terno e gravata, parecendo representantes de laboratório, me procuraram. Era o Neno e o Rubinho pedindo que eu me mudasse para Artur Nogueira. Lembro que o Neno disse que o médico de Campinas havia desistido e que a vaga estava aberta. Eu aceitei na hora. Depois de algumas semanas voltei para Artur Nogueira. O acordo feito pelo prefeito era razoável. Eu tinha uma ajuda de custo, me cedia o prédio, água e luz. Em troca, eu tinha que atender os funcionários da Prefeitura e também os pobres. Os ricos que consultavam comigo me pagavam”, afirma Dr. Décio.

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E foi assim que o município ‘Berço da Amizade’ teve o seu primeiro médico residente. Uma grande conquista, que também foi fundamental para a instalação da Teka em Artur Nogueira que, entre algumas exigências, pedia que o município tivesse um médico.

Dr. Décio

O entrevistado relembra como era o município na década de 70. “Não tinha estrada. A SP 332 não existia, nem estrada de terra era. O acesso era por Cosmópolis, pela estrada do São Bento. Quando chovia ninguém conseguia entrar ou sair. Tinha que ser puxado por trator. O asfalto da Avenida Dr. Fernando Arens ia até onde hoje é o Banco Itaú. O local onde por anos funcionou a minha clínica era um Posto de Puericultura. Mas totalmente diferente do que é hoje, o lugar mal funcionava. O banheiro se resumia em duas latrinas. Eu trouxe mesa cirúrgica, oxigênio, raio X, eletrocardiograma, enfim montei aquele lugar”, relembra.

Artur Nogueira era um polo de cotonicultura (cultivo de algodão) e eram frequentes intoxicações por inseticida fosforado. A partir da vinda de Décio, nunca mais houve um óbito por envenenamento deste tipo no município. Em 1977, houve também um surto de meningite em Artur nogueira, no qual o médico socorreu mais de 60 pacientes, tendo salvo todos.

E assim passaram semanas, meses e anos. E o médico continuou em Artur Nogueira, desistindo de vez de Mogi Mirim e São Paulo. “Não saí de Artur Nogueira porque foi aqui que eu encontrei a minha realização, um local que me acolheu e permitiu que eu trabalhasse e exercesse a profissão que eu escolhi. A relação entre médico e paciente é uma relação de ciúmes e amor [risos]. Aqui, em Artur Nogueira, eu podia exercer tudo: clínica, pediatria, ginecologia, obstetrícia, entre outras especialidades, o que eu amava fazer. De domingo a domingo”, afirma Dr. Décio.

Em 1997, com projetos voltados para a Saúde dos menos favorecidos, o médico entrou para a política, sendo eleito vereador em Artur Nogueira com 321 votos, pelo PSDB. “Assim como o meu tio Décio, que foi deputado por 12 anos e ajudou a erradicar a Tuberculose, eu queria utilizar a política como um meio de ajudar as pessoas. No período que fiquei como vereador também fui escolhido pelos colegas para ser presidente da Câmara Municipal”, relembra.

Sem dúvida, Dr. Décio é um homem que marcou e ajudou a construir a história de Artur Nogueira. Em 40 anos de dedicação e trabalho, ele calcula que já tenha feito mais de 50 mil atendimentos no município. “Tenho mais de 600 partos feitos em Artur Nogueira, com índice de mortalidade zero. Isso, para mim, é motivo de orgulho. Nunca morreu uma mãe ou uma criança em minhas mãos. Fiz muitos partos na minha pequena clínica, que por uma época quase virou uma maternidade [risos]”, afirma Dr. Décio.

Dr. Décio

No final de 2010, a Prefeitura Municipal exigiu que o médico devolvesse o prédio, onde por décadas funcionou a clínica. Na época, a situação virou polêmica e foi noticiada pela imprensa. No dia 14 de outubro daquele ano, auxiliares da Secretaria de Administração, acompanhados da Fiscalização de Postura e da Guarda Municipal de Artur Nogueira, abriram a clínica médica e tentaram retirar os móveis do local. Dr. Décio chamou a Polícia Militar e alegou que a clínica estava sendo invadida. A ação foi suspendida. Mas o drama continuou. No final da tarde do dia 8 de dezembro de 2010, Dr. Décio saiu do prédio.

Clínica-Queiroz-Telles-em-Artur-Nogueira

Hoje, após três anos ele se recorda do ocorrido. “Eu fiquei aborrecido com a maneira como tudo aconteceu. Eu nunca quis aquele prédio para mim. Embora quem tenha feito ele tenha sido eu. Se eu quisesse aquilo lá para mim eu teria conseguido, tudo dentro da lei. Eu fui presidente da Câmara Municipal, fui votado pela maioria dos vereadores, os vereadores eram meus amigos e clientes. E o prefeito Nelson Stein era o meu correligionário. Se eu pedisse para o Nelson mandar um projeto de lei fazendo um comodato da clínica por 50, 90 anos ele teria feito e eu seria dono daquilo lá. Isso é a prova de que eu não queria aquele prédio. Eu não fiz isso porque se não teriam pessoas que iriam dizer que eu fui vereador para pegar aquele prédio para mim. Ele não era meu e eu sempre tive consciência disso. O que eu sempre pedi para a Prefeitura foi um prazo até que a minha clínica, que eu estava construindo ao lado da minha casa ficasse pronta. O que não aconteceu”, relembra.

Dr. Décio mora próximo a Escola Amaro, no centro da cidade, há alguns anos desenvolveu um projeto para a construção de uma completa clínica. “O ex-prefeito embargou a minha obra. Acho que ele não queria que eu exercesse a minha profissão. Criaram problemas com a planta. Depois falaram que eu não podia fazer um consultório no piso superior sem instalar um elevador, mesmo sabendo que tantas outras clínicas em Artur Nogueira não possuem elevador. Aí descartei a ideia de fazer o consultório lá em cima. Depois falaram que para eu fazer um laboratório eu deveria construir duas portas, uma para entrar o paciente e a outra para sair o exame. Qual clínica tem isso em Artur Nogueira? Embargaram tudo. Aí, eu disse que desprezava todo o projeto e só faria um consultório, aí extraviaram a planta. Acho que eles não queriam que eu exercesse a profissão. Não sei se foi algo pessoal”, afirma o médico.

Dr. Décio

Hoje, o local está quase pronto, mas tomou outro rumo. “Com tudo o que aconteceu acabei desistindo de abrir a minha clínica. Mudei o projeto e montarei até o final do ano um espaço de lazer para a minha família e amigos”, comenta.

Dr. Décio afirma que a saída da clínica teve um lado positivo. “Sinceramente, posso falar sem medo de errar: minha clientela aumentou. Foram tantas as manifestações de solidariedade. Pessoas que eu nem lembrava mais se demonstraram comovidas com a situação. Me mostraram o quanto eu sou respeitado e querido nesta cidade. Teve um fato legal nisso tudo também: Trinta pacientes se reuniram e me deram uma festa. Um lindo jantar com músicos e discursos. Jamais esquecerei disso”, afirma o médico, que hoje atende no Hospital Bom Samaritano.

Aos 71 anos de idade, ele não pensa em parar na profissão. “Vou continuar até ter forças. Sou um homem feliz e grato a Deus por tudo em minha vida. Afinal, a medicina sempre foi motivo de alegria para mim. Se não fosse médico eu seria um frustrado”, afirma.

Antes do fim da entrevista, Dr. Décio dá um conselho para a Saúde e porque não dizer para a vida. “Apaixone-se por tudo. Apaixone-se pela vida, pela tua mulher, por teus filhos, pela sua profissão. A gente tem que vibrar. A vida é uma bênção. Independentemente da religião que a pessoa tenha. Foi Deus que te deu a vida. Seja feliz e faça as outras pessoas felizes, este é o melhor remédio da vida!”, conclui Dr. Décio.

Fotos: Schermen Dias

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Caricatura: Tomás de Aquino


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