16/10/2016

Conheça a história de uma das primeiras professoras de Artur Nogueira

Dona Adair lecionou por 41 anos e inspirou muitos nogueirenses.

Michael Harteman

Não são necessários muitos minutos conversando com dona Adair Cunha Vicensotti para entender que ela tem muita coisa para contar e ensinar. Com um pouco mais de tempo ela parece se tornar parte da família. Não parece, ela é. Foram 41 anos fazendo o que mais amava: dar aula. Cerca de dois mil alunos tiveram seus nomes chamados pela professora Adair, que passou quatro décadas ensinando dentro das salas de aula.

Adair nasceu em Aguaí/SP em 1936. Caçula do agricultor Mozart e da dona de casa Maria Eliza Cunha, foi à única dos seis filhos a sair de casa para estudar. Após completar o quarto ano primário, rumou para São João da Boa Vista/SP para estudar em um colégio interno. “Na época era chique estudar em um internato”, conta sorridente a aposentada. “Foi um período maravilhoso, eu sempre gostei de estudar e de muita leitura. Era muito dedicada, pois sabia que no final do ano tinha que ser aprovada, pois com a despesa que minha família tinha, eu precisava ter responsabilidade”.

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Com 16 anos, a jovem terminou o ginásio e se mudou para Mogi Mirim/SP onde começou a estudar num colégio de freiras, denominado Imaculada Conceição. Não havia dúvidas, Adair queria ser professora e nem por um instante outra profissão passou pela sua cabeça. “Se eu tivesse que escolher mil vezes a minha profissão, mil vezes eu escolheria ser professora”, afirma sem titubear. Naquela época, para se tornar um professor era necessário fazer o magistério, conhecido também como “curso normal”. Dona Adair afirma que nesse colégio o aprendizado foi muito grande. “Foi uma fase que me ensinou muita coisa. Aprendi a ser tolerante, a entender as pessoas e principalmente a lidar com as crianças, ali foi a minha base”. Adair concluiu os estudos em Mogi Mirim aos 18 anos.


“Se tivesse que escolher mil vezes, mil vezes eu escolheria ser professora”


Nesta época ela já não era mais uma menina. O nome Adair Cunha agora remetia a uma mulher formada em todos os sentidos. Após sete anos morando longe dos pais, ela reunia em si não somente a vocação para ser uma professora, tinha agora conhecimento para tal. A jovem, que na infância brincava de dar aulas, estava pronta para fazer da brincadeira seu meio de vida. Adair se mudou para Casa Branca/SP para fazer um curso de especialização. “Fiz um aperfeiçoamento, era difícil para entrar nesses cursos, pois não tinha em qualquer escola, foi uma opção para me aperfeiçoar”, conta.

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Após fazer o aperfeiçoamento, Adair queria assumir uma sala de aula. Para ganhar experiência o professor começava substituindo professores efetivos. Uma oportunidade surgiu no pequeno município de Rinópolis/SP. “Meu pai não queria deixar eu ir de jeito nenhum”, afirma. A mãe ajudou, afirmando que a oportunidade não poderia ser perdida. Lá se foi Adair, os sonhos de criança agora iriam se tornar realidade. O que qualquer professor da época queria era contemplar uma sala cheia de alunos. Mas não foi o que aconteceu. “Foi um susto, tinham cinco ou seis crianças na sala, eu esperava uma sala cheia”, conta. Como se não bastasse o primeiro susto, a primeira chefe de Adair também não era o que se esperava. “Minha primeira diretora era péssima, ela não se importava com nada, chegou a me dizer que se eu quisesse nem precisava ir dar aula”.

Ir morar longe de casa e ter uma primeira experiência difícil pode ser motivo de desanimo para muitos, mas não para Adair. A força daquela jovem era inabalável. Em meio às dificuldades da primeira experiência, ela jamais se esqueceu de tudo o que aprendeu no colégio de freiras, em Mogi Mirim. Saber ensinar tudo o que um aluno precisa é o papel de todo bom professor. Mas Adair era mais que isso, ela podia enxergar a necessidade daqueles poucos alunos em sua primeira sala de aula. “Eram crianças muito carentes, estávamos afastados da cidade, em uma escola rural, eles precisavam de carinho e atenção”.

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Após ficar um semestre na pequena Rinópolis, Adair foi transferida para Socorro/SP. A nova cidade foi um presente na vida da jovem. Lá ela encontrou um diretor exigente, mas que contribuiu muito com o seu aprimoramento como professora. “Ele era rígido, mas me ensinou muito e me tornei alguém ainda mais responsável”. Naquele tempo os professores iam para as cidades, com o objetivo de trazer mais crianças para a sala de aula. Com poucos alunos na escola Adair conta, aos risos, que pensou que seu destino seria dar aula para poucas crianças. Não é o que ela queria. “Eu caminhava pela fazenda atrás de mais alunos. Com o passar dos dias, muitos vieram ter aula comigo”. A responsabilidade só aumentava, os pais confiavam seus filhos à professora. “Quando cheguei com as matriculas o diretor me lembrou que os pais estavam confiando àquelas crianças a mim”. O exigente diretor, aos domingos, ia para o sítio perguntar sobre os educadores. Sobre Adair ele só ouvia coisas positivas.


“Eu caminhava pela fazenda atrás de mais alunos”


Depois de um ano em Socorro, mais uma transferência. O objetivo era se aproximar cada vez mais da cidade natal. “Eu queria ficar mais próxima do meu pai, que estava muito doente na época”. Com boas recomendações do diretor durão, Adair queria ir para Águas da Prata/SP ou Mogi Guaçu/SP, mas essas cidades já estavam com as vagas ocupadas. Foi nesse momento, no ano de 1959, que Artur Nogueira/SP surgiu nos caminhos da jovem Adair Cunha. A cidade Berço da Amizade tinha apenas dez anos de vida. Mais parecia um pequeno bairro em torno da Igreja Matriz. Caminhar pela pequena avenida Fernando Arens era na verdade andar pela cidade toda. A pequena Artur Nogueira ainda não sabia, mas estava acolhendo em seus braços uma professora que entraria para a história do município. Adair também não sabia que a pequena cidade se tornaria o solo principal de sua jornada.

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A professora tinha 23 anos quando chegou a Artur Nogueira. As primeiras impressões sobre a cidade não foram positivas. “Não gostei, era feia e pequena, não oferecia estrutura e era difícil conseguir até mesmo um telefone. A iluminação era péssima”.

Mas nada disso desestimulou Adair. O comprometimento era total. Começou então a dar aulas na única escola do município: o Grupo Escolar Francisco Cardona, que na época ficava na única avenida da cidade. Desafio nunca foi problema para Adair. Com boas indicações por onde passava, a direção lhe entregou uma quarta série. “Era um desafio, nunca tinha pego um quarto ano, mas enfrentei e tive sucesso”. Morando em uma pensão, onde hoje é a Papelaria Chaplin, na esquina da Igreja Matriz, a professora começou a lecionar. A estrutura da escola era vista com bons olhos por dona Adair. “A escola era muito boa, gostava de trabalhar ali”, destaca.

O tempo foi passando, Adair crescia como professora e Artur Nogueira como município. Crianças que se tornariam figuras importantes na cidade passaram pelas mãos de Adair, como Nelson Stein e Marcelo Capelini.

Passados alguns meses, Adair conheceu o jovem Alcides Vicensotti, o futuro marido e pai de seus filhos. “Fui comprar um presente de aniversário na Loja Vicensotti e conheci o Alcides, pouco tempo depois estávamos namorando”.

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Naquela época o professor ganhava bem, o que fez dona Adair ficar receosa. “Era fácil alguém querer se casar com um professor, era uma profissão respeitada”, comenta. Mas Adair não tinha dúvidas. Havia encontrado o amor de sua vida. O casamento aconteceu em 1962, sem a presença do pai de Adair, já havia falecido, vítima de um infarto.

A partir de então uma coisa já era certa: Adair não sairia mais de Artur Nogueira. Foi ficando e se apaixonando pela cidade que a princípio não lhe fez suspirar. “A cidade foi crescendo e ficando cada vez mais acolhedora, já não me via longe daqui”. A professora agora passava assinar Adair Cunha Vicensotti. O casamento gerou dois filhos, Mariliza e Décio.

O Grupo Escolar Francisco Cardona, anos depois, passou a contar com um prédio novo, aquele que conhecemos hoje. Adair permaneceu no prédio antigo. “Chamávamos o prédio da Fernando Ariens de museu”, relembra Adair antes de soltar uma gargalhada. A confiança no grupo de trabalho era tão grande, que o prédio antigo se manteve por alguns anos sem diretor. Após 21 anos, a experiente professora foi transferida para a Escola Estadual José Amaro Rodrigues. Lá, deu aula por mais dois anos e meio e se aposentou. Parar, no entanto, não estava nos planos de Adair Cunha Vicensotti.

Aposentada, a professora foi convidada para dar aula na Escola Nossa Senhora das Dores. Cheia de vivacidade, experiência e competência, ela permaneceu neste colégio por mais 14 anos. Se dependesse do amor pela profissão, Adair jamais teria parado. Ela sempre queria mais. Ensinar era o maior prazer de sua vida. “Só parei por que não tinha mais jeito, e também sabia que era preciso dar oportunidade para os novos professores”, afirma. Foram 41 anos dando aula, 39 em Artur Nogueira. Cerca de dois mil alunos tiveram a oportunidade de serem ensinados por ela. Era comum encontrar filhos de ex-alunos dentro da sala de aula. Tudo foi especial, cada aula, cada lição, cada aluno. Tudo que Adair fez foi com toda a dedicação e amor. “Vi sonhos serem realizados e futuros construídos”, comenta com os olhos marejados.


“Vi sonhos serem realizados e futuros construídos”


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Com tantos anos dedicado a educação de Artur Nogueira, é comum que a professora encontre seus ex-alunos. Dona Adair pode demorar alguns segundos para se lembrar de um ex-aluno, mas basta que o nome seja dito para que as lembranças apareçam em sua mente. “Tenho um retorno muito grande de carinho dos meus ex-alunos. Foi uma coisa que me marcou demais”. No entanto, a marca que cada aluno fez em dona Adair traz a ela alguns momentos de dor. “Quando fico sabendo que um ex-aluno faleceu, é algo que me deixa muito triste”, comenta pausadamente.

Com tanta experiência, dentro e fora das salas de aula, Adair Vicensotti serve de inspiração para todos os que a cercam. Para os jovens professores de hoje e aqueles que estão se formando ela dá um conselho: “Sejam fortes! Hoje é muito difícil ser um professor, são outros tempos. Mas continuem amando a profissão que vocês escolheram e sabendo que ela é muito importante”. A vivência de Adair faz com que tais palavras carreguem um imenso significado.


“Hoje é muito difícil ser um professor, são outros tempos”


Mesmo hoje longe das salas de aula, é difícil intitular Adair como uma ‘ex-professora’. Por cerca de uma hora, tempo que levou para esta entrevista ser feita, é possível dizer que ela ainda transmite muitas lições. Uma pessoa que faz parte da construção de Artur Nogueira. Viu e contribuiu com o crescimento da cidade. Seja no comércio, nas escolas ou nas fábricas, não é difícil encontrar um ex-aluno de Adair. Seu comprometimento e amor à profissão servem de inspiração.

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