01/08/2015

Betão relembra sucessos da banda Califórnia, critica sertanejo atual e defende músicas dos anos 80

Para vocalista da Trilha Zero antigamente “as letras eram feitas com cabeça. Hoje parecem que são enlatadas”.

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Isadora Stentzler

Betão liga às 11 horas: “Desculpa, Isadora, estou um pouco enrolado e vou me atrasar. Podemos marcar para 11h30?” Digo que sim. E 11h38 ele chega. Sobe rápido às escadas da redação e se direciona ao estúdio do Portal Nogueirense.

É um cara dinâmico. Não maneira nos palavrões e coloca entusiasmos em cada frase. Se arrepia umas três vezes e ainda umedece os olhos ao falar da música Vivo por Ela, de Andrea Bocceli com Sandy. “Cara, essa música é linda e ela fala de música”, emociona-se. “A música hoje não é igual antes. muito ruim.”

Na próxima sexta-feira Betão, Carlos Roberto dos Reis, vai tocar com a banda Trilha Zero no Festival de Inverno de Artur Nogueira. Mas os anos de ouro do vocal foi com a banda Califórnia, quando conseguiu viver da música e tinha, vá lá, 17 shows por mês.

Hoje ele está com 42 anos, beirando os 43 que completa no próximo dia 17 de agosto. E é eletricista. “Com curso técnico e tudo”.

Nesta conversa Betão fala sobre a vida dele. Da família, do rock, critica as músicas feitas hoje em dia e fala como surgiu a Trilha Zero. Confira:

Eu te conheço como o Betão do Trilha Zero. Mas quem é você? Eu sou natural de Mococa, a 150 quilômetros daqui. É pertinho, só que é divisa com Minas. Eu vim de lá para cá em 90 para fazer um estágio na Teka, de Elétrica. Eu tinha me formado e tinha 17 anos. Era jovem na época. E daí eu vim pra cá e fiz o estágio e fiquei. Conheci minha esposa e papapa, começamos a namorar e aquela historinha. Casamos, tivemos filhos e tatata. Mas a música é desde pequeno. A música desde os sete anos, que eu me lembre assim.

Você fala desde pequeno. Mas como ela chegou? Meu, a música na minha casa, a gente até brinca, é um carma. Puta!  A gente gosta demais! Lá em casa é assim, minha mãe canta, meu pai canta, meus irmãos todos cantam [são cinco filhos no total], tocam violão… E eu meio que foi assim, não a ovelha negra, né, mas naquela época era mais negra do que hoje [risos]. Todo mundo gosta de sertanejo lá em casa e papapa e eu sempre tive uma veia rock, assim, entendeu? Pop… Aquela história, né, eu nasci nos anos 70! 17 de agosto de 1972! Então assim, em 85, eu tava com 13, 14 anos com essa veia de rock e acontecendo tudo de rock no Brasil. Até arrepia! Titãs, Legião… tudo o que vocês veem hoje a gente estava vivendo. Caraca! todo arrepiado! Então era um negócio muito louco, saca. Um negócio muito bacana. E na minha casa, meu pai chegava com os amigos dele para tocar violão, porque ele tinha dupla e aquela história toda – e se eu for contar a história desse é mais legal que a minha –, e eu cantava sertanejo com ele. Mas eu tampava o ouvido pra não entrar na voz da segunda que fazia pra mim. Então eu cantava bem alto, fininho. É o que eles contam e eu lembro. Eu comecei cantar isso aí, aí fui pra igreja [Católica], pro coral e aquela história.

Você era ativo na igreja? Fui coroinha, sacristão… Tudo! Eu sou do lado do bem, claro. Do lado de Deus. Mas era assim um negócio… entendeu!? Era bem ativo mesmo. Mas foi nessa fase aí que eu montei a primeira banda. Eu tinha 13 anos.

Como era o nome da banda? [pensativo] Os Intocáveis!

Amigos da escola… É tinha amigos da escola, do clube. A gente até fez uns sons. A formação era de quatro ou cinco. Era o que era na época. E a gente ia nessa onda. Daí a gente fez uns sons em clube, comício, em festa do meu bairro, sabe. Umas varadas! Som ruim, microfonia. Os caras queriam me matar. E aquela história. Mas a minha mãe e o meu pai foram e eu fiquei todo cheio. Eu cantando The Wall e meu pai: ‘O que acontecendo?’. E eu fritando, né [risos]. Mas foi legal. Fiquei na banda até os 17 anos. E quando eu vim pra cá eu conheci minha esposa nesse gancho. Pra você ver como a música é um negócio louco na minha vida. Minha esposa tomava conta da Asteka naquela época, da parte cultural e tal. Daí ficou sabendo que o cara que tinha chegado tinha uma banda. E ela me ligou: ‘Ah, você tem uma banda! Será que dá para tocar aqui?’ Aí ficamos conversando por telefone. Depois se encontramos na Asteka e bau! Mas foi nisso aí. Esse lance da música é que deu esse gancho.

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Os Intocáveis tinham músicas próprias ou seguiam apenas com covers? A gente só fazia cover nessa época. Aí eu vim pra cá e em três meses estava tocando em banda. Montei uma banda lá em Cosmópolis. Chamava Signus. Isso nos anos 90. Depois da Signus a gente montou uma banda aqui em Artur chamada Página Sete. Foi muito legal esse projeto. E pelo que eu lembro não ficamos muito tempo, saca. Era eu, o Ronaldo, o Digo… uma galera daqui. A gente até participou de festivais. Mas isso foi lá pra trás. Depois da Página Sete, se eu não cometer nenhum deslize chato, entrei na banda Califórnia. Isso foi em 96. De 90 a 95 participei de três bandas e depois entrei na Califórnia. E aí foi. Conseguimos comprar a banda. Tínhamos tudo!

Quem estava nessa banda? Vish, cara, rodou muita gente. Ronaldo tocou [pensa]. Nossa, muita gente. Se eu for falando assim eu vou mentir. Mas teve muita gente. De Mogi, de Cosmópolis, daqui de Artur um monte de gente tocou. O Ezequiel que toca hoje na Trilha Zero tocou na Califórnia… Uma pancada de gente tocou com a gente. Eu fiquei na banda dez anos. A banda já tinha antes. A Califórnia começou aqui dos bailes Countrys. E eu nem sonhava com isso porque lá em Mococa não tinha isso. Aí eu entrei junto e a gente mudou um pouco a linha da banda. Ela tinha uma linha bem Country Sertaneja. Só fazia isso. Aí quando eu entrei falei: ‘Até canto sertanejo e country – que na época era legal e não esse lixo que é hoje, me desculpem – mas podemos fazer mais’. E aí a gente começou a mandar uns reagges. Cidade Negra estava em alta aquela época e a gente foi colocando umas coisas assim. Começamos a fazer muita coisa internacional também. E era uma formação boa demais. E a gente ficou uns cinco, seis anos com a mesma galera. Então a banda Califórnia deu muito. Pra você ter uma ideia a gente foi fazer em um show em Mococa, em um clube que minha irmã trabalhava, e ela me perguntou: ‘Mas quanto é o cachê?’. Eu falei: ‘Ah, mil e quinhentos reais, né’. Ela falou: ‘Nããão, cara! Cê tá louco? Tem que vir aqui por uns três paus senão os caras falam que você é bandinha fulera’. Daí a gente fez esse som e começou a pintar empresário, cartaz bacana e começamos a tocar. A gente chegou a fazer 17 shows em um mês.

Faturava muito? Cara, ganhava. A gente vivia. Mais quebrava o busão do que andava. Tem história! Uma desgraça em cima da outra.

Mas então vocês conseguiam viver da música… Isso. Dez anos vivendo só de música. A gente montou um estúdio aqui em Artur e gravou um monte de coisa.

E como terminou a Califórnia? Daí em 2004, sabe, o negócio começou a ficar muito arrochado. Começou a ficar assim, muita banda. Gente do Paraná vinha tocar pra cá. O combustível naquela época custava coisa de R$ 0,50. A gente ia pra tocar em Luz, em Minas! A gente foi pra Divinópolis. E é muito longe. Coisa de mil quilômetros. Lavras, Espírito Santo… Então o pessoal estava rodando para tudo quanto é lado. Só que começou a bombar banda. Trio, quarteto. E o cachê nosso começou a cair. ‘Por quanto você faz?’ ‘Ah, eu faço por cinco.’ ‘Mas eu conheço um cara que faz por dois e meio.’ E aí o negócio começou a balançar e ficar ruim de grana. Começou muito DJ, muito som mecânico. E essa praia de som mecânico pegou pesado naquela época. E é o que tá hoje. Aí eu falei meu, não vai dar. O combustível disparou. O custo engoliu nós e paramos.

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Foi uma decisão difícil? Pra caramba! Porque assim a gente tinha um monte de projeto. Tinha algumas coisas de músicas próprias e tal. Eu escrevo uns negócios. Então tava rolando. Meio que vuuurh, sabe. Parou tudo. E cada um foi para o seu lado. Eu vendi minha parte para meu sócio. Ele comprou e continua com som até hoje que é a equipe de som Califórnia. E eu saí da banda e dei uma parada. Mas a música é o que te falo, é que nem necessidade de comer, dormir, não sai da gente. Aí quando começou o Cultura Rock lá na Estação me convidaram para cantar. Fiz um som com uns amigos. ‘Você parado?’ ‘!’ ‘Então vamos montar uma banda não sei o quê.’ Aí fui em um churrasco na casa de um amigo meu e encontrei o Cadu. Eu não conhecia ele. Daí eu falei assim: ‘Ah, você toca violão’. Ele: ‘É. Fiz faculdade de Música. louco pra tocar’. ‘Então é nóis!’, falei. Aí falei de um amigo meu de Mogi, que era baterista. E juntamos a galera.

Aí surge a Trilha Zero. Isso! Era eu, o Jandão, Cadu, Tonico, o Zinho – na batera –, e daí a pouco o Thiago entrou também, no teclado. Isso foi em 2011. E começamos a fazer som. Foi um negócio muito louco porque ninguém vive da música, do cachê da música. Hoje o Ezequiel vive, mas é porque ele dá aula e faz freelance com um monte de gente. Então a gente é meio tranquilo com data e tal. O nosso objetivo é tocar, ah, quatro vezes por mês, no máximo. Tem vezes que a gente não toca. Mas é sem pretensão de ser uma Califórnia.

E músicas próprias? Agora a gente está fazendo. Estamos com uns lances legais de música própria. Tem uma música que eu fiz com o Cadu. A gente já tem umas 10, 15 músicas nossas. Mas tem uma que está no fornão assim. Bem legal. Chama ‘Do que você tem medo?’. Já faz anos que eu escrevi essa música. Eu fiz o texto, né, não tinha nem o formato de letra. E foi bem bacana. Eu levantei de noite para fazer xixi. Fui ao banheiro, voltei. Sentei na cama, deitei. Aí veio: ‘Do que você tem medo?’ E eu: ‘Nossa, que legal. Bacana.’ E eu tenho essa mania de anotar frase. E aí começou a vir. E eu: O negócio ficando bom! Vou levantar e anotar isso senão amanhã não vem mais nada!’ Aí levantei madrugadona e comecei a escrever. Parecia Chico Xavier. Já ouvi algumas entrevistas de gente que faz música e dizem que é assim mesmo. O negócio sai. Eu escrevi ali por 2012, 2013. Daí falei com o Cadu, mostrei pra ele. ‘Mas não veio nada de melodia?’ Falei: ‘Não’. Aí ele papa ‘Oh, tá vindo isso aqui de melodia’. E me arrepia tudo, mas daí saiu. Coisa de 40 minutos. Montamos a música e ela ficou pronta. Só falta acertar alguns detalhes. Mas ela está bem gostosona.

Há uns dois anos eu fui para Cosmópolis em um show do Legião Urbana Cover. E vocês tocaram antes. E cara, uma energia muito positiva emanou do palco. Da onde vocês tiram isso? O que rola é assim ó: a gente é uma banda bem na nossa, bem de boa. A gente não nem aí com essa coisa de ser o primeiro a tocar ou ser o último. A gente é desprendido. Não interessa se tem cinco mil ou se tem cinco, dez, 50 pessoas. A gente entra rasgando mesmo porque quer fazer o som, entendeu? Não ficamos presos a nada. O repete nosso puxa isso. Uma amiga da minha esposa disse um dia: ‘O Betão não para!’ Então assim, o objetivo nosso é que você saia do show morto!

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E vocês são conhecidos como a banda do classic rock e dos anos 80. Mas nem toda a galera que tocou na banda viveu essa época. A música dos anos 80 é imortal? A gente meio que direciona a molecada. Na formação anterior tinha cara de 25 anos. Eles não conhecem. Já aconteceu da gente chegar com músicas novas e os caras: ‘Pô, puta som!’ E o nego fica louco por causa do som e falam que os anos 80 era foda. Quando eu tocando você não tem noção do que passa pela minha cabeça. Me vem muita coisa.

A leitura que eu faço é que hoje há muito mais espaço para o funk e sertanejo do que para o rock. Como você analisa isso? Eu acho isso super triste mesmo. Triste pra caramba, sabe. Porque se você pegar, não é que eu esteja defendendo os anos 80, só que todas as coisas boas que estão nascendo são abafadas. A Globo gosta de funk e quer o funk. E você vai fazer o quê, meu? Eles que mandam no país. Não é assim que todo mundo fala? E aí rola essa podridão que está. Eu sinceramente acho, e é coisa minha, de pai, que essas músicas não são músicas de se ouvir. ‘Ah, mas você é preconceituoso!’ Se eu não tiver preconceito com o que não é legal, vou ficar de boa? Pega uma letra, um ritmo, a dança… não é por aí. desenvolvendo cada dia mais o fechar os ouvidos para música.

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Essa semana o Portal Nogueirense publicou a agenda do Festival de Inverno e muita gente criticou pelo fato de não vir nenhuma “atração famosa”. Falta valorização das bandas locais? Com certeza. Aqui em Artur acontece algo que muitas cidades invejam, que é o Cultura Rock e outros eventos em que colocam as bandas para tocar. Mas a verdade é que a gente é muito focado no que está acontecendo, no modismo. E o modismo musical no Brasil hoje é muito fraco e muito ruim. Se você pegar o cenário sertanejo é a mesma batida, a mesma levada do começo ao fim. A gente que conhece um pouquinho de música percebe que os acordes são os mesmos em todas as músicas. Sem falar no nanana que está em todas. Nos anos 80 o que acontecia no cenário musical era muito bacana. Até o sertanejo. As letras eram feitas com cabeças. Hoje parece que é algo enlatado. E o que tá acontecendo hoje que me deixa fodido na vida é que a mulher, cara, vocês são lindas! Mas nas músicas estão sucateadas. Ah, o que que é isso cara!

ashaoihao


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