03/01/2016

Artur Nogueira registra o 4º menor índice de feminicídio da RMC

Para autora de livro sobre violência doméstica, dados podem não revelar a realidade e é preciso ter políticas públicas que garantam proteção e assistência às mulheres.

Segundo pesquisa divulgada pela Agencia Metropolitana de Campinas (Agemcamp), a taxa média de feminicídio em Artur Nogueira foi de 1,8 homicídio de 2009 a 2013. A pesquisa elaborada com base nos dados do Mapa Violência Contra a Mulher calculou a média de mulheres assassinadas para cada 100 mil habitantes entre as 20 cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Para autora de livro sobre o assunto é preciso atenção aos dados.

Em toda a Região Metropolitana de Campinas (RMC) a taxa média foi de 3,2 homicídios para cada 100 mil habitantes no mesmo período. Entre as cidades da RMC, Vinhedo registrou a menor taxa média no mesmo período – 0,6 para cada 100 mil habitantes.

A pesquisa também apontou as formas como as mulheres foram mortas em 2013. De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), 35,29% das vítimas em 2013 foram mortas por arma de fogo; 23,53% por objeto contundente; 23.53% por cortante penetrante; 9,80% outros; e 7,84% estranguladas e/ou sufocadas.

No entanto, segundo a jornalista Jhenifer Neves Costa, autora do livro “Depois do Sim”, em que relata histórias de mulheres vítimas de violência doméstica, os números baixos podem apresentar uma realidade falsa, uma vez que a denúncia nem sempre é feita. Além disso casos de morte de mulheres podem ser qualificados de outra forma e não como feminicídio que, embora visto como fator extremo, está diretamente relacionado com abusos do dia a dia por ferir a integridade moral e física da mulher.

“O abuso, no sentido literal da palavra, é corrosivo e destruidor para a vítima. Este abuso faz com que a vítima sofra a violência. O abuso na rua faz com que a mulher seja violentada. O abuso também faz a mulher ser violentada em seu próprio lar. E um número considerável das vítimas morrem no contexto doméstico. Então, diga-se de passagem, há uma relação sim entre abuso, violência doméstica e feminicídio. Eu diria que na ordem, essa é a sequência fatal para a morte das vítimas.”

Em relação às denúncias, há fatores que podem inibir a mulher de expor os primeiros casos. Entre eles estariam o medo, filhos, dependência financeira, dependência emocional e vergonha.

Devido a isso a jornalista aponta a necessidade de se investir em políticas públicas que abracem às mulheres após a denúncia. “O passo mais difícil para a vítima é denunciar, mas logo em seguida, ela precisa recomeçar. Neste momento ela está vulnerável e precisa de apoio, recursos, da PM, de especialistas, tanto para ela quanto para os filhos. É um trabalho delicado, mas essencial. Se isso não for feito, então, o feminicídio é uma consequência inevitável”, esclarece.

Em Artur Nogueira as mulheres vítimas de violência são assistidas pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), onde recebem atendimento de psicólogas, assistentes sociais e participam de grupos operativos que trabalham temas como a autoestima e recebem informações sobre termos da legalidade.

Segundo a prefeitura, durante o acompanhamento é feito a escuta qualificada do relato das vítimas para serem direcionadas ao tratamento.

Todo o atendimento é feito no Creas, localizado na Rua 13 de Maio, nº 65, no Centro. A entidade está aberta de segunda a sexta-feira das 08 às 17 horas. O contato também pode ser feito pelo telefone (19) 3827-9700, ramal 9353.

Lei

Em maio deste ano, a presidenta Dilma Rousseff (PT) sancionou a lei do feminicídio, lei 13.104, que categoriza como crime o assassinato de mulheres “por razões da condição do sexo feminino”. Considera-se na lei que é feminicídio quando o crime envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação da mulher.

O texto estabelece que as penas podem variar de 12 anos a 30 anos de prisão, a depender dos fatores considerados, sendo que se forem cometidos crimes conexos as penas poderão ser somadas, aumentando o total de anos que o criminoso ficará preso. O projeto prevê ainda aumento da pena em um terço se o crime acontecer durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; se for contra adolescente menor de 14 anos ou adulto acima de 60 anos ou ainda pessoa com deficiência; e se o assassinato for cometido na presença de descendente ou ascendente da vítima.

Na América Latina, México, Chile e Argentina já incorporaram o crime de feminicídio às respectivas legislações penais. No Brasil, O projeto foi elaborado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher.

Para Jhenifer não é possível delinear o perfil dessas mulheres vítimas, mas sim do agressor, o que faz com que leis protetivas como a Maria da Penha e de culpabilização do agressor, como a de Feminicídio, se tornem necessárias. “O feminicídio acontece em função do agressor, porque ele fere a vítima. A mulher não tem um perfil, quem tem características que se repetem é o assassino, no contexto da violência contra a mulher. No decorrer do livro, conversei com mulheres que quase foram vítimas do feminicídio e com pessoas que conheciam vítimas de feminicídio, o que concluí é que para ser morta por um homem violento, basta ser mulher.”

Outras violências

No dia 24 de outubro, uma estudante de Artur Nogueira foi vítima de abuso em Campinas, quando voltava de uma festa. Ela estava sozinha e recebeu uma carona de um desconhecido nos arredores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde cursa Filosofia. Porém, em determinada altura, teve que saltar do veículo para não ser estuprada.

A jovem compartilhou o casos nas redes sociais e teve grande repercussão.

É claro minha amiga, que me disseram culpada
por estar na rua as 3:00 da manhã voltando sozinha do rolê com vestido curto, por ter entrado naquela carona, por ser mulher.

É claro minha amiga, que eu chorei de dor,
ao ver meu rosto desfigurado, quebrado, sangrando.

A história se dá da seguinte forma:

Estavamos no campus, felizes, dançantes, algumas parcerias,
música boa, Fiquei cansada, resolvi ir embora.
E por que estragar a festa da galera, tá todo mundo bem, eu vou sozinha – por que enfim, eu tenho direito de ir e vir sem pertubações.
Estava de bike, tá suave, nada vai acontecer.
Robaram a minha bike, o que eu faço? Nem é minha a bicicleta.
vou pra casa, amanhã eu penso sobre isso e tento achar essa bike.
Caminhando, cansada, doente, [… até que uma caroninha ia bem…]
O cara parou, “chama que vem” eu pensei, feliz por não precisar caminhar até a minha casa.
Era um golzinho prateado, um cara gordo, com uma samba canção azul, uma camisa regata branca. – aparentemente normal.
– Pra onde você vai, moça?
– Para casa, estou cansada e meio doente, preciso dormir.
– Sobe aí, eu te levo.
Por que não sabe, é só uma carona. Expantei a nóia.
Eu ainda boto uma fé que existem pessoas que ajudam as outras nesse mundo que a gente vê por aí. Quantas vezes eu já não peguei carona e deu tudo certo? É só pensar positivo.
É parcerias, antes fosse.

No começo tudo bem, eu estava com dores e não conseguia falar direito, mas tava realmente tudo bem, no caminho certo.
– Como você se chama e onde você mora?
– Mariana, moro alí em frente ao posto. E você, como se chama?
– Em frente ao posto, tá pertinho, vamos lá.
(isso mesmo, sem dizer nome)
– Na bifurcação, segue reto que a gente já chega cara, valeu.
– Ok, sem problemas.
E não é que o desgraçado virou a direita, e começou a subir a rua.
– Não moço, é pra lá- tentei manter a calma.
– Mas, você vai comigo ali, depois eu te deixo em casa.
– Não cara, eu não vou não. Para o carro, daqui eu vou apé.
– Não paro, você vai comigo sim.
– Mano, para a porra do carro, eu quero ir pra casa, caralho.
– Se quiser descer, vai ter que pular, eu não vou parar.
– Vai parar sim.
E comecei a procurar no carro onde era o freio de mão. Quando eu o encontrei só senti um punho fechado batendo contra o meu braço com muita força, olhei para o cara, ele ria da minha situação. Eu não conseguia falar mais nada. Não conseguia pensar mais anda além de como eu ia sair desse situação.
Não me pronunciei em mais nada, não abri a minha boca para falar mais nada com aquele canalha.
Abaxei o vidro do carro, no intuito de gritar por socorro na rua, conseguir ajudar, sei lá. Quando o fiz, senti um braço me puxando de volta para o banco. Como um soco na minha esperança de sair dalí, como um corte na minha liberdade de escolher com quem me relacionar, eu ví nos olhos dele o que ele iria fazer comigo alí naquele carro, onde quer que ele tivesse parado.
Lembro dele olhando para mim, em desespero, e sorrindo doentiamente, como se eu fosse o premio da noite.
(a caroneira a ser estuprada)

“O QUE EU FAÇO AGORA, SOCORRO!” pensei, entrando em desespero apenas de imaginar aquele homem encostando aquela mão nojenta em mim, com aquele olhar como se eu fosse um animal a ser conquistado no laço, e aquele sorriso de quem estava satisfeito com a pescaria realizada aquela noite.
“Esse canalha não encosta mais a mão em mim” pensei profundamente. Mas, o que naquela situação eu poderia fazer com ele?
Pois é amiga, eu não bati no cara, eu não mexi no volante pra ele parar, eu não abri mais a minha boca para aquele homem que estava ao meu lado, e desse momento em diante minhas memórias ficam falhas e confusas.

Estava muito frio naquela noite, mas isso não era mais o problema real. Eu me recordo da cena da porta do carro aberta, eu com as minhas duas pernas para fora do carro pensando “como eu vou fazer pra não morrer” Quando ele olhou pra mim, de cima em baixo e disse.

-Fecha a porta quando pular!
E não me recordo de mais nada.

Sei que eu pulei do carro em movimento, mas não faço ideia de quem é o cara, pra onde ele foi ou o que aconteceu com ele.
Sei que fui encontrada jogava de cara no meio da rua, sangrando, confusa, sem saber onde eu tava ou o que havia acontecido.
Sei que um casal me encontrou, me socorreu e ficou comigo até alguns amigos chegarem.
Sei que passei o restante da minha sexta feira a noite, ouvindo piadas, julgamentos, moralismos, deitada num leito de hospital.
Sei que o meu rosto está quebrado, costurado, ralado, desfigurado.
Sei que não aconteceu absolutamente NADA com o cara que armou toda essa situação, além dele chegar em casa “magoado” por não ter conseguido dar uma metidinha com a guria da carona na rua.

Mas, também sei que eu to aqui, e que eu vou me recuperar de tudo isso, me fortalecer, escutar mais meus instintos, cuidar mais de mim mesma, por que canalha nenhum tem o direito de encostar em mulher nenhuma contra a vontade dela. E que o meu canivete, tá muito bem guardado na bolsa. Obrigado.”

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